Mais de três décadas após ser entregue à comunidade do bairro São Ciro, o prédio que abrigava os estudantes e professores da Escola Municipal Laurindo Luiz Formolo, em Caxias do Sul, foi demolido pela prefeitura. Apresentando problemas estruturais há pelos menos sete anos, o processo de desmanche da estrutura estava previsto para ocorrer após a contratação de uma empresa que será responsável pela construção de uma nova escola no mesmo terreno, mas foi antecipado após o registro de casos de furto e vandalismo no espaço e pela demora na conclusão da licitação. O prédio foi desativado em julho de 2021, após a transferência dos estudantes para as instalações do Colégio Mutirão, no bairro Nossa Senhora de Lourdes.
De acordo com a diretora da escola, Jaciara Ivone Viesser Bosi, os primeiros casos foram registrados entre agosto e setembro do ano passado e preocuparam a comunidade que mora próxima ao prédio. Inseguros, eles procuraram a diretora para relatar as condições no local. Ainda segundo a Jaciara, foram levados janelas, caixas d’água, mobiliário dos banheiros, fios e outros materiais da construção que permaneceram no prédio.
A comunidade informou também que a escola estava sendo usada como ponto para o uso de drogas e havia o receio de incêndios. Um boletim de ocorrência foi registrado pela diretora, que também comunicou a Secretaria Municipal da Educação (Smed) sobre o problema, que vistoriou o local e verificou as condições da estrutura.
— Os moradores ligavam constantemente para o meu telefone para relatar o que estava acontecendo. No início, logo após a mudança, tudo permaneceu bem até uns 30, 40 dias. Depois, começaram a surgir esses casos. Arrombaram uma parede da escola, entraram e levaram o que podiam internamente e também do lado de fora, como é o caso das janelas. Avisei a Smed, que achou por bem demolir — explica Jaciara, que atua na escola há 29 anos.
A titular da Smed, Sandra Negrini, disse que, após a transferência dos estudantes, foi realizado o inventário da escola e que diversos materiais em bom estado de conservação foram retirados para serem reaproveitados posteriormente, restando no local apenas itens que não tinham mais serventia ao município, mas que mesmo assim foram levados pelos vândalos.
— A demolição iria ocorrer, já estava planejada, mas foi antecipada por fatos que não tínhamos como prever. Restaram no local apenas o que não dava mais para ser aproveitado, o que facilitou que a própria prefeitura pudesse realizar o trabalho de demolição — explica.
Agora, o terreno aguarda pela limpeza. Com a estrutura colocada abaixo por servidores da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos (Smosp), a retirada dos escombros ainda não tem data para ocorrer porque a construção possui amianto, que é uma substância tóxica e que precisa de uma destinação adequada feita por uma empresa especializada, segundo a secretária. A demanda está sendo analisada pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma).
Segundo registros da escola, o prédio começou a ser construído em fevereiro de 1990 e foi entregue aos moradores em 12 de março do mesmo ano ainda em obras. Haviam três salas de aula, que atendiam crianças da primeira à quarta série (atualmente, denominado 2º e 5º ano). No início, funcionou como anexo da Escola Municipal Ângelo Francisco Guerra, mas ganhou autonomia no ano seguinte. O nome Laurindo Formolo foi escolhido pelos professores e pela comunidade como homenagem ao caxiense e filho de imigrantes italianos que fundou o Grupo L. Formolo em 1971.
Mesmo com melhorias, perda da história é lamentada
A demolição do prédio provoca sentimentos conflitantes entre a comunidade: ao mesmo tempo que reconhecem a importância da construção de uma nova escola no mesmo terreno, há também espaço para lamentar o fim de uma história de mais de três décadas com a demolição da estrutura.
Com o filho Luan matriculado no Laurindo Formolo para cursar o sexto ano em 2022, a moradora Alexandra Copelli acompanhou de perto as tratativas para investimentos em melhorias na instituição enquanto ocupou a presidência do Círculo de Pais e Mestres (CPM).
— Pra nós, foi uma surpresa no dia da demolição porque não avisaram a comunidade que isso seria feito. Chegaram lá e simplesmente demoliram. Ninguém estava avisado. Perdemos um pedaço da Laurindo, a base da escola acabou e não sabemos como será daqui pra frente. Por mais que uma nova escola esteja vindo, a comunidade fica sentida porque faz parte da história do bairro e motivo de luta de muitos moradores — afirma.
A diretora Jaciara também entende que a demolição é necessária, mas não esconde o sentimento de perda da memória da escola.
— O sentimento da direção e dos professores é que uma história foi arrasada (com a demolição). Ao mesmo tempo, entendemos que esse processo é necessário para que possamos reescrever novas histórias.
Morando há duas quadras do terreno da Laurindo Formolo, o presidente da Associação de Moradores do bairro São Ciro, Pedro Stedile, confirma que a comunidade ficou insegura após os casos de vandalismo na estrutura. Segundo ele, foi pedido mais vigilância no bairro pela Guarda Municipal, mas a resposta do poder público é que a medida é inviável porque o patrulhamento não consegue atender nem mesmo as escolas municipais que estão ativas.
— Lembrar do passado da escola mexe com a nostalgia da comunidade, mas entendo que (a demolição) faz parte do processo. Foram anos lutando por esse investimento, tanto comigo como em outros presidentes que me antecederam. Esse processo não ocorre com a celeridade que gostaríamos, mas entendo que logo haverá novidades — observa Stedile, que é pai de Gabriel e Amanda, onde ambos concluíram o ensino fundamental na escola Laurindo Formolo.
Sem previsão de obras, estudantes podem retornar a Laurindo somente em 2024
Com problemas estruturais há pelo menos sete anos e sem possibilidade de reformas devido à precariedade das instalações, a Escola Municipal Laurindo Formolo é referência para a comunidade dos bairros São Ciro, Jardim das Hortênsias, Serrano e Jardim Eldorado, na Zona Norte de Caxias do Sul. A construção do novo prédio, anunciado em 2019, aguarda por empresas interessadas e com capacidade para entregar a estrutura.
A secretária municipal da Educação, Sandra Negrini, reconhece que o município não tem previsão para que as obras iniciem no local. Um novo processo de licitação para a contratação de uma empresa que ficará responsável pelo trabalho aguarda publicação na Central de Licitações.
Essa será a quarta tentativa do município em avançar com o projeto, uma vez que os três certames lançados foram cancelados: os dois primeiros foram considerados desertos, sem empresas interessadas, e o segundo, em julho do ano passado, teve o processo fracassado, ou seja, quando as empreiteiras que apresentaram propostas foram desclassificadas por não atenderem a algum dos critérios de julgamento.
— Entre uma licitação e outra e entre recursos, não é uma questão que vai e volta. Tem os prazos legais e, entre uma licitação e outra, precisa ter no mínimo 30 dias. Estávamos com uma grande expectativa, mas infelizmente não foi possível avançar — explica.
Devido ao atraso, a obra ficou mais cara. Sandra afirma que o orçamento para a construção da nova escola está em torno de R$ 10 milhões, valor acima dos R$ 8,1 milhões previstos no ano passado. Segundo ela, os itens essenciais para o processo licitatório ficaram mais caros e precisam ser considerados na planilha orçamentária para que o certame seja concluído.
— Cada vez que a licitação volta é feita a atualização dos valores porque um dia o cimento está a um preço e no outro dia está outro. E não adianta lançar com um valor abaixo do mercado porque a licitação vai dar deserta.
Conforme o projeto, o prédio principal terá três andares, oito salas de aula, duas salas de educação infantil, laboratório, biblioteca, sala de artes e sala multiuso. O projeto também inclui ginásio, quadra esportiva e um anfiteatro com capacidade para cerca de 180 pessoas. Além disso, contará com sistema de reuso de água e captação de energia solar.
Como a conclusão da obra é estimada em cerca de 18 meses após o início dos trabalhos, o retorno dos estudantes para as novas instalações no bairro São Ciro é estimado para o final do segundo semestre de 2023 ou até mesmo devem ficar para 2024. Esse cronograma, segundo a secretária, é previsto caso as obras iniciem ainda no primeiro semestre deste ano.
Sem perspectivas de retorno ao espaço no bairro São Ciro, algumas famílias optaram por não efetivarem a matrícula dos estudantes para o ano letivo de 2022. Segundo a diretora Jaciara Ivone Viesser Bosi, a escola contará com 325 alunos matriculados neste ano, número menor que os 386 que frequentavam a instituição no bairro São Ciro e que foram transferidos para o Colégio Mutirão a partir do segundo semestre do ano passado.
Jaciara lamenta a situação, mas reconhece que o investimento é necessário para garantir mais segurança à comunidade.
— A falta de uma previsão das obras e esse processo de transferência nos preocupa. Perdemos a identidade de escola e de bairro. A escola Laurindo Formolo não é mais a mesma, muitos estudantes saíram da escola por questões de distanciamento e de pegar o transporte. Os pais não se sentiram seguros. Tudo isso a gente sente muito.
Por sua vez, Sandra entende que, apesar de desafiante, o processo de transferência está dentro do previsto.
— É claro que ninguém gosta de sair do seu território e nós também não gostamos que os estudantes saiam do bairro. Mas foi uma necessidade em função de uma melhoria que vai vir lá na frente. Existiu um processo de adaptação ao novo ambiente, de horários, e as crianças ficam inseguras. A nossa avaliação é que transcorreu (a transferência de escola) tudo dentro da normalidade. O ambiente mudou, mas os professores não e isso ajudou bastante nesse processo — afirma a secretária.