O temporal de granizo do domingo passado (5), que causou prejuízos de mais de R$ 45 milhões, foi o terceiro em Bom Jesus nesse ano e pode não ser o último. Há previsão de nova chuva de pedras de gelo para a Serra no próximo domingo (12). Por conta do evento mais recente, a prefeitura do município decretou estado de emergência devido aos danos, com prejuízos em lavouras de milho, batata, maçã, uva e trigo.
O fenômeno do final de semana atingiu mais de 2,6 mil hectares de plantações e as perdas chegam a 70% na cultura de milho e 65% nos pomares de maçã. Segundo a meteorologista Fabiene Casamento, da Climatempo, a explicação para essa frequência de ocorrências está em uma soma de fatores. Os Campos de Cima da Serra estão localizados em uma área de passagem de sistemas que podem causar a queda de granizo, como frentes frias e ciclones, áreas de baixa pressão atmosférica, como a que ocorreu no domingo, que tinha 1,5 km de altitude, na região.
Isso é considerado comum. Porém, em anos de La Niña e durante a primavera, a quantidade de ocorrências é maior. Conforme a Climatempo, a chuva também está acima da média nesse início de dezembro em pontos da Região Metropolitana, Serra e Litoral Norte, conforme dados do Inmet.
— É comum ocorrer. Os sistemas são de grande escala e atingem o Rio Grande do Sul de uma forma geral. O que difere a Serra dos demais municípios é a topografia, que ajuda na formação de instabilidades. Quanto mais alto for, como em Bom Jesus, o gelo que cai da nuvem não consegue derreter até chegar ao chão. Na região, foi a terceira vez que causou prejuízos em plantações — pondera Fabiene.
De acordo com a Climatempo, a incidência do La Niña nesta primavera ajuda no aumento da frequência de granizo pelo país. O fenômeno causa resfriamento da água na faixa equatorial do Oceano Pacífico, que também esfria a atmosfera em todo o globo. Uma atmosfera mais fria significa que as nuvens de tempestade acabam gerando mais gelo que o normal. E quando este gelo se desprende das nuvens, a atmosfera mais fria que o normal faz com que este gelo não derreta na queda.
O fato de estarmos na primavera também se soma, já que é uma estação de transição entre o inverno, seco e frio, e o verão, quente e úmido. É normal ter períodos secos característicos do inverno e outros períodos muito úmidos, característicos do verão. E o frio não acontece com tanta frequência. A temperatura entra em gradativa elevação, e as massas polares são de menor intensidade. Assim, nesse período as pancadas de fins de tardes são mais frequentes pelo país, devido ao aumento do calor e da umidade, que podem causar temporais, acompanhados por rajadas de vento e queda de granizo.
Avisos meteorológicos não seriam úteis no campo, dizem produtores
Há um dito popular de que o agricultor tem um olho na terra, que cultiva, e o outro no céu, por causa das intempéries climáticas. O produtor Carlos Augusto Barcelos Jacoby, 67 anos, perdeu a maior parte dos 20 hectares do pomar de maçã que mantém na localidade de Água Branca, a 12 quilômetros da área central de Bom Jesus, com a última queda de granizo. Além disso, a quebra nos 20 hectares que tem de plantio de milho ainda não foi contabilizada, segundo ele.
— Esperamos que o milho se recupere. Não terá aquela produtividade que esperava no início do cultivo, mas não dá para precisar. Sei que atrasa o desenvolvimento, mas não tem como quantificar. Com respeito a maçã, espero a avaliação do seguro, mas creio 70% a 80% será prejudicado — relatou o produtor, referindo lesões na casca que podem deixar as plantas suscetíveis a doenças e impactar na próxima safra.
Ele conta que acompanha diariamente as previsões do tempo, algo comum entre os agricultores, e diz que não recebeu alertas de órgãos públicos. Para ele, um sistema de alerta ajudaria em ocorrências que atingem os centros urbanos, principalmente moradias. Contudo, pouco efeito teria no campo, onde não haveria o que fazer diante de um aviso dias antes do fenômeno.
Para prevenir perdas, uma das práticas cada vez mais adotadas pelos produtores em regiões com frequência de temporais é a colocação de telas anti-granizo sobre as culturas. Foi o que fez o produtor Arthur Michelon, de Bom Jesus. Cerca de 90% dos dois pomares de maçã dele (40 hectares) são cobertos com a tela e neles quase não houve prejuízos. Já dos 10% descobertos, a perda foi em torno de 50%.
— As áreas sem cobertura, em algumas situações, tiveram perda total. Algumas um pouco menos. E os produtores que têm cobertura salvaram de 90% a 98%. Todos estão partindo para cobrir por que só o seguro ameniza um pouco o prejuízo. Mas não é fácil sobreviver. A cobertura dá segurança — pondera Michelon.
Jacoby e Michelon são sócios da Coopermaçã, uma empresa de beneficiamento da fruta em Bom Jesus, e dizem que a quebra na produção não deve ter efeito no abastecimento do mercado mas, sim, no preço, que deve ser mais alto do que no ano passado, quando houve uma supersafra. Sobre a colocação das coberturas, eles dizem que depende da iniciativa de cada produtor. E os bancos financiam o pagamento entre cinco a seis anos.
No caso mais recente de granizo em Bom Jesus, um aviso foi publicado na página da Climatempo no dia 3. Os avisos são emitidos pelos meteorologistas com base na análise de dados e imagens de satélites. Segundo Fabiene, a previsibilidade é de uma a sete dias antes do evento. Na página da Sala de Situação da Secretaria de Meio Ambiente (Sema) do Estado, o aviso de atenção foi publicado na data do evento, em 5 de dezembro. O boletim avisava que, em função de uma área de baixa pressão, havia risco de temporais isolados, acompanhados de descargas elétricas, vento forte e eventual queda de granizo nas regiões mais ao Norte e Serra gaúcha. A reportagem não encontrou alertas nas redes sociais da Defesa Civil do Estado.
Previsão de mais granizo para domingo
A Climatempo prevê pancadas de chuva no decorrer do domingo (12) na metade norte do Rio Grande do Sul por conta de uma área de baixa pressão atmosférica entre o Paraguai, o Centro-Oeste e o oeste da Região Sul, mais um cavado em superfície (que é uma baixa relativa e mais alongada) e um corredor de umidade que vem da Amazônia.
Essas pancadas são fortes, com raios e rajadas de vento. Além disso, entre o finalzinho do dia e na madrugada de segunda-feira (13), uma frente fria que passa no sul do Estado, causa temporais nas regiões que fazem fronteira com o Uruguai. Mas, em todo o Rio Grande do Sul, há previsão de temporais na segunda (13), com raios, rajadas de vento e queda de granizo. Além da frente, há a aproximação de uma área de baixa pressão atmosférica, que tem seu centro no Paraguai, e o corredor de umidade que vem da Amazônia continua presente, além dos fortes ventos em altitude (chamados de jatos).
Como se forma o granizo
Para que o granizo se forme é preciso a combinação de calor e alta umidade, que formam nuvens de temporais. Nelas existem correntes de ar subindo e descendo com forte intensidade e, no topo da nuvem, a temperatura é extremamente baixa, podendo passar dos -40ºC. O processo começa quando partículas de água que evaporam da superfície são empurradas para o topo da nuvem por uma corrente de ar ascendente. Ao encontrar temperatura abaixo de zero grau a água congela, fica pesada e começar a descer. Ainda dentro da nuvem, ao descer e subir com as correntes de ar, ela vai agregando outras partículas de gelo que encontra pelo caminho. Isso ocorre várias vezes até que fica tão pesada que a corrente ascendente não consegue mais empurrá-la para cima e ela cai da nuvem.
Granizos podem ter vários tamanhos ao cair no chão, mas dentro das nuvens são enormes pedras de gelo. No caminho entre a base da nuvem e o chão vão derretendo, perdendo massa, e ainda assim podem chegar à superfície com um tamanho de bolas de tênis, ou com o tamanho de um ovo.