Pacientes que têm restrição de visitas, de alimentação e que lutam dia a dia pela vida viveram uma manhã especial nesta quarta-feira (7): o Dia do Desejo. Nove pessoas internadas nos setores de oncologia e de longa permanência do Hospital da Unimed, em Caxias do Sul, foram surpreendidas com presentes diferentes.
A lista foi elaborada pela equipe de enfermagem sem que os pacientes soubessem. Em conversas informais, muitas em tom de confidência, eles revelaram às enfermeiras o que gostariam de ganhar caso pudessem realizar um desejo.
Os pequenos sonhos variavam: uns queriam abreviar a saudade dos filhos e netos ou sentiam a falta do cãozinho de estimação ou de um amigo da família. Outros queriam saborear um prato especial feito por quem amam, degustar um espumante ou apreciar a sobremesa preferida. Todos desejos simples, mas que fazem a diferença na vida de quem está isolado em um quarto de hospital.
A reportagem acompanhou a reação de cinco pessoas presenteadas. Leia a seguir.
Reencontro com o cachorrinho Bili
Mário Roque Basso, 71 anos, está internado há 36 dias. Em tratamento contra o câncer, ele se emocionou ao reencontrar o cãozinho Bili, que o esperava com a esposa Saly, 65, no terraço do hospital. O cachorro de estimação encheu o dono de lambidas carinhosas assim que ganhou colo.
— Esse aqui é minha alma gêmea. Temos gatos também, mas o Bili veio representar todos eles. Quando chego em casa, ele faz muita festa. A saudade era grande — emocionou-se.
Na mesa, foi servido um dos pratos favoritos de Mário: a massa preparada pela esposa, com quem é casado há 43 anos.
— Se eu conheço bem ela, e conheço, está uma delícia.Não tenho apetite e perdi 50 quilos com a doença. É uma situação difícil, mas nos ensina que tratar bem as pessoas é importante. São os momentos e as lembranças que ficam.
A esposa acompanhou a visita com os olhos cheios de lágrimas.
— Comprei massa caseira e fiz o molho de carne com cravo e canela que ele gosta. O preferido é de tomate, mas escolhi esse para surpreender ele. Achei maravilhosa essa ideia de realizar os desejos deles — disse Saly.
Almoço com a esposa no terraço
Morador de Nova Petrópolis, Aloísio Afonso Schabarum, 62, também está em tratamento oncológico. Há 13 dias longe de casa, ele teve um almoço romântico ao lado da esposa, Leonita Wendling Schabarum, 61. Ele pôde saborear uma massa com calabresa, carne de panela e batata à dorê. A refeição foi servida no terraço do hospital embalada por clássicos entoados pelo músicos da UCS Orquestra Carlos Zinani e Rodrigo Maciel.
— Não esperava por essa surpresa. Estou muito feliz. É um momento que traz esperança — contou Aloíso enquanto provava o prato.
Leonita recorda que desde que começou a pandemia, eles não almoçaram mais em restaurantes.
— Fico sem palavras por estar dividindo esse momento especial com ele. Vamos completar 22 anos de casados no dia 18 — encantou-se Leonita.
Abraços e lambidas de Copélia e Nana
— Meu amor vem cá — disse Caroline Costa Vieira, 25.
Sem ver as mascotes Copélia e Nana há 33 dias, ela chorou assim que as cachorrinhas, de três e sete anos, entraram no quarto onde está internada. A emoção foi ainda maior porque o pai dela, Sadi Rodrigues Vieira, 57, que só vê pela janela do quarto, acompanhava as pets.
— Mais de 30 dias longe deles, sem ver meu pai de perto e sem ver elas. Quando estou em casa as duas estão sempre comigo, são da família, minha manas. Elas dormem comigo. Estar com elas cura a alma.
Copélia também não escondia a alegria: enchia Caroline de lambidas e abanava o rabinho. A mãe da jovem, Maria Costa, 56, também ficou encantado:
— Ela pergunta por elas o tempo todo. Fiquei muito feliz dela ter esse desejo realizado.
Espumante e risoto de camarão
Internado em isolamento há 48 dias, Nelson Scalcon Pitombo, 78, está no setor de oncologia. Ele foi surpreendido no quarto com um espumante, risoto de camarão e sagu com creme.
A filha Lúcia Pitombo, 45, foi quem estourou a rolha da garrafa. Quem acompanhava de longe, vislumbrou a emoção de Pitombo quando ergueu primeiro a garrafa e depois a taça para brindar:
— Essa comida está boa — afirmou sorrindo.
A filha dividiu a alegria com o pai:
— Ele está muito feliz e eu grata por ver que ele teve esse dia especial.
Polenta e batata para alegrar Olívia
Com as unhas feitas, Olívia Brombatti Camello, 90, está internada há 15 dias. Com saudade dos netos e de comida caseira, ela recebeu um prato especial: feijão, batata sorriso e polenta. Simpática, abriu um sorriso ao confundir a repórter com uma das netas e contou:
— Tu é muito parecida com uma das minhas netas. Ela é professora no Murialdo. Eu tenho 8 filhos, 14 netos e seis bisnetos. Sinto saudade de todos.
Provando a batata, Olívia fez sinal positivo e elogiou:
— A comida está muito boa, estava com saudade de uma comidinha assim.
A cuidadora Maria Joana de Rossi, 73, contou que a Olívia é uma leitora assídua:
— Ela acorda, levo ela para o banho, e então ela lê o jornal, todos os dias.
Dia do Desejo muda a rotina do hospital
A ideia de realizar o Dia do Desejo surgiu em 2016 após um evento em que as enfermeiras participaram. No ano passado, a ação não foi realizada devido à pandemia.
— O Dia do Desejo é mais marcante. São pacientes crônicos que estão há muito tempo longe de casa. Para eles, é um momento de distração, alegria, carinho. Até falamos que queríamos ser desafiadas com desejos que exigissem mais trabalho, mas a cada ano é uma emoção diferente porque são desejos simples para nós, mas especiais para eles. Eles querem as pessoas que amam perto e as comidas que trazem lembranças — descreveu a coordenadora de enfermagem das Internações Adultas, Marice Michelon Boeira.
Ela lembra que o Dia do Desejo mobiliza todo o hospital:
— A gente começa a organizar 15 dias antes e, pelo menos uma semana antes, começamos a elaborar todo o cronograma. É uma sensação de poder estar fazendo algo bom pelo outro, que transforma o dia deles, que torna especial.
É a equipe de enfermagem que convive diariamente com os pacientes. São esses profissionais que conhecem as vontades de cada um, os medos e, mais do que isso, captam os anseios de vida dos pacientes.
— Eu conversava com eles sobre assuntos aleatórios, disfarçando e perguntando se eles pudessem ter um desejo realizado, qual seria. Se têm alguma vontade, de quem têm saudade. Quando eles nos contam seus desejos, é um momento de reflexão porque não valorizamos as coisas simples — ponderou a enfermeira da oncologia, Cláudia Fadanelli que coletou desejos pelo hospital.
Já Dioneia Ferreira da Silva é uma das responsáveis pelo preparo dos pratos que estão entre os pedidos mais frequentes.
— Todo ano é uma experiência diferente e marcante, fico feliz de poder participar.
Elenice dos Santos, por sua vez, trabalha na copa. Como é ela quem faz as entregas dos pedidos, acabou sendo chamada pela equipe de fada madrinha:
—É gratificante.
Outros pacientes que também tiveram seus desejos atendidos foram Lourdes Joana Dal Corno, 89, internada há 14 dias e que pediu a visita do filho; Leci dos Santos, 82, internada há 17 dias e que solicitou a presença de seu neto; Valter Antônio da Rosa, 61, internado há dois anos e meio, que foi presenteado com um vídeo dos filhos; e Maria Paula Rabello Soares, 50, que recebeu a visita da filha de sete anos.
Cerca de 45 pessoas, entre equipe de enfermagem, médicos, nutricionistas, psicólogas e profissionais de controle de infecção participaram da organização e realização do Dia do Desejo.