Se você estivesse internado em um hospital há bastante tempo ou enfrentando um doença grave e lutando dia a dia pela vida, qual seria o seu desejo? Dezesseis pacientes atendidos nos setores de oncologia e de longa permanência do Hospital da Unimed, em Caxias do Sul, tiveram uma tarde especial nesta quarta-feira: o Dia do Desejo. A ideia surgiu entre a equipe de enfermagem que convive diariamente com os pacientes e conhece suas vontades, seus medos e, mais do que isso, capta os anseios de vida de cada um.
A iniciativa será realizada anualmente para amenizar o sofrimento dos pacientes que estão internados há mais de um mês na instituição. A lista de presentes foi elaborada pelas profissionais, sem que os pacientes soubessem que iriam recebê-los. Em conversas informais, muitas em tom de confidência, eles revelaram às enfermeiras o que gostariam de receber se pudessem fazer um desejo. Sem saber do que ocorria, foram surpreendidos ontem com o que seu coração mais desejava.
A saudade dos netos, a falta do cãozinho da família, a vontade de tomar um copo de vinho, comer um prato especial, ler o jornal ou um livro, jogar cartas, fazer palavras cruzadas e ou ouvir música clássica podem parecer pedidos simples, desejos que passam despercebidos na corrida dos dias, mas que fazem toda a diferença para quem está isolado em um quarto de hospital, com visitas e alimentação restritas, e luta pela vida.
A coordenadora de enfermagem do Hospital da Unimed, Marice Michelon Boeira, conta que a ideia de realizar o Dia do Desejo surgiu há dois anos, após um evento em que as enfermeiras participaram.
— A equipe sempre faz atividades em datas comemorativas e procura fazer o dia a dia dos pacientes mais feliz. O Dia do Desejo, no entanto, é um projeto que foi amadurecendo e é o mais marcante. São pacientes crônicos e que estão há muito tempo longe de casa. Para eles, é um momento de distração, alegria, carinho — emociona-se ela.
Cerca de 45 pessoas, entre equipe de enfermagem, médicos, nutricionistas, psicólogas e profissionais de controle de infecção participaram da organização e realização do Dia do Desejo. E como se tratavam de desejos especiais, nada mais justo que uma fada — com direito a varinha de condão — fizesse a entrega dos presentes aos pacientes.
João ganhou a visita do fiel companheiro Thor
João Zini, 87 anos, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e teve complicações pulmonares. Natural de Antônio Prado, ele está internado há 35 dias. Sem que soubesse que teria uma visita surpresa, foi conduzido do quarto até o corredor do hospital para reencontrar um velho amigo. A emoção tomou conta de todos quando ele avistou o cãozinho Thor. Agitado, o mascote esperava como se sentisse o cheiro do dono, companheiro de caminhadas e passeios. Com Thor no colo, João apressou-se em distribuir-lhe afagos, enquanto cachorrinho fazia festa convidando-o para brincar.
— Olha, teu companheiro veio te ver — emocionou-se Luís Carlos Zini, 57, ao pai.
— Foi fantástico. Eu sabia que o meu pai ia ficar feliz. O Thor esperava meu pai acordar e levar ele passear. Era um compromisso das 11h ao meio-dia, sempre. Eles iam até uma cabana que temos no terreno de casa. É uma amizade de verdade e eles sentiam muita falta um do outro _ contou.
Abraço de urso na vovó Clélia
Reencontrar os netos pequenos era o maior desejo de Clélia Maria Boeira Scola, 72, que teve diversas internações e altas consecutivas e estava há pelo menos três semanas sem vê-los. A distância forçada ocorre porque, no hospital, as visitas de crianças menores de 12 anos não são permitidas.
Ao ver as noras Carolina Muller Scola e Elis Andrea Santa Catarina entrando no quarto com o Bento, cinco, Gustavo, quatro, e Antônia, de um ano e nove meses, além de Lorenzo, que ainda está na barriga da mamãe Carolina, a vovó não segurou o choro:
— A maior felicidade do mundo é ver meus netos. Se eu não estou com eles, parece que falta um pedaço de mim. Falta tudo — resume ela.
Enquanto tocava a mão do avó, Antônia tratava de consola-la:
— O dodói vai sarar.
Já os meninos não poupavam abraços e mostravam as roupas de seus super-heróis favoritos. Bento, o mais velho, falou em nome dos pequenos:
— Estou muito feliz de abraçar a vó! — antes de correr para mais um abraço coletivo na nona.
Família de Ledovico reunida no hospital
— Sabemos que somos o segundo desejo do vô. O primeiro era andar a cavalo — entregou Letícia, a neta mais velha de Ledovico Dorigatti, 84.
Internado há 40 dias, ele passa os dias na companhia dos filhos, que se revezam para garantir que não falte nada ao pai. A doença, porém, deixa o vovô debilitado e até mesmo, um pouco triste. Letícia, os gêmeos Rafael e Gabriel, 19, e Natália, 17, visitam o avô com frequência, mas não ao mesmo tempo. Ontem, foi diferente: seu Ledovico ganhou um abraço coletivo e o choro se transformou em um sorriso quando a neta disparou:
— Vô! Sei que tu queria mesmo era ver o teu cavalo.
Conforme Letícia, o avô, que morava em Fazenda Souza, sente falta de montar.
— Sabemos o quanto somos importantes para ele, e ele é para a nossa família. Nosso maior desejo é que o vô melhore e vá com a gente pra casa.
Everton devorou um xis coração
O paciente mais jovem do setor de oncologia encara a doença com naturalidade. Com um sorrisão no rosto, força e vontade de vencer o câncer, Everton Piccollotto tem um brilho no olhar que inspira e encanta quem convive com ele. Aos 28 anos, e depois de passar por duas cirurgias, o rapaz está na quarta internação. O desejo dele era simples: comer um xis coração. Apesar da singeleza do pedido, para um paciente em quimioterapia seguir a dieta repassada pelos médicos é essencial. Ao abrir a bandeja, ele já elogiou:
— Que cheiro bom!
Otimista, planeja repetir o lanche fora do hospital em breve:
— Se Deus quiser, o câncer está indo embora e vou seguir minha vida. Aí, vão vir muitos outros xis.
Everton conta que não saboreava o lanche preferido há três meses.
— Desde que comecei o tratamento, mantive a dieta, e o xis coração sempre foi o que mais gostei. Um dia como hoje nos dá força, é diferente, conversamos com pessoas e podemos comer o que gostamos, é muito bom. Faz bem para a alma.
Valdir matou a saudade do vinhote
Valdir Antônio Cechet, 69, emocionou-se ao ver uma taça de vinho. Porém, quando a bandeja com galeto e polenta frita foi aberta, o sorriso do descendente de italianos que não nega as origens aqueceu o quarto:
— Me pegaram de surpresa! Meu desejo foi realizado. Um dia, uma das enfermeiras estava conversando comigo e ela perguntou o que eu gostaria de fazer: eu disse que queria valorizar o trabalho delas porque elas cuidam muito bem de mim, com atenção e carinho, e ela me disse que estava agradecida, mas era algo pra mim. Mas nunca imaginei que iam fazer essa surpresa — contou.
Com a taça na mão após saborear a bebida, Valdir arriscou comer uma polenta frita:
— Me dá aqui — disse apontando a taça.
Quando a enfermeira fez menção de segurá-la, ele garantiu:
— Esse não cai da mão!
No segundo gole, Valdir já comemorava a façanha após 43 dias de internação.
— Lá vou eu de novo. Estava desde dezembro sem tomar meu vinhote. Nossa, ele tem gosto de alegria e de satisfação. Se tivesse bom, tomava tudo e comia todo o galeto e as polentinhas. Estou muito feliz — suspirando, na sequência, porque sabia que não poderia tomar mais do que uma taça.
Pudim para adoçar a tarde de Ana Paula
Ana Paula Rimondi, 47, é diabética e tem complicações na perna que a impedem de sair do quarto pelo alto risco de infecção. Deficiente visual há 16 anos em função do diabetes, ela precisa seguir uma dieta rigorosa, que não lhe permite doces. O desejo era justamente um lanche para adoçar a tarde: pudim de leite.
Ao entrarem no quarto, as enfermeiras contaram que ela teria uma surpresa e lembraram uma conversa sobre o que gostava de comer.
— Hum, só pode ser pudim de leite!
Mas não era um pudim qualquer. Feitos com carinho pela equipe da cozinha, dois pudins — um em formato de coração e outro de flor— fizeram a alegria de Ana Paula.
— Esse, sim, é dos bons, bem docinho — disse, sorrindo.
Depois de aproveitar para saborear mais um pedacinho, Ana Paula contou que está internada há 30 dias e que um dia como o de ontem ficará guardado para sempre:
— Eu adoro pudim de leite, e comer isso não faz mais parte do meu dia a dia. Foi um dia diferente, um dia emocionante.
Música para tocar a alma
Ouvir música clássica foi o desejo de mais de um paciente. Alguns optaram por não conversar com a reportagem e aproveitaram para curtir o momento com os familiares. Dois músicos voluntários — Paulo Oliveira e João Sadaque — emocionaram pacientes, visitantes e funcionários. Loraci Vencato, 75, estava na UTI e pediu aos médicos para ir para o quarto porque estava cansada. A vontade foi respeitada. Como estava com dor e o quadro de saúde piorou, ela precisou ser sedada. Os músicos pararam em frente ao quarto dela e entoaram um Ave Maria. Valmor Edilson Vencato, 54, conta que a mãe está internada há 75 dias, desde o diagnóstico do câncer. Para ele, o Dia do Desejo ficará marcado para sempre.
— A música toca as pessoas, a alegria da música, a tristeza, ela consegue nos alegrar nos momentos mais difíceis. Minha mãe está sedada, e o cérebro é complicado, mas eu acredito que ela ouviu a música e se emocionou com ela — disse.
Terezinha Demiani Pianzenthini, 87, também pediu para ouvir música. Deitada na cama, a senhorinha se emocionou e ensaiou um aceno para os músicos. Naides Pianzenthini Cerisolin, 66, lembrou que a mãe gostava de músicas religiosas:
— A mãe sempre se emocionou com músicas. Em momentos ruins ou de muita dor, ela fechava os olhos e cantava com todo o coração.
Mais perto de casa
As nutricionistas do Hospital da Unimed já trabalham com o conceito de Confort Food, que significa Alimento de Conforto. A ideia é criar cardápios e esquemas alimentares com comidas caseiras que os pacientes possam comer para que se sintam mais perto de casa.
Leia também:
Primeiro longa libanês indicado ao Oscar, "O Insulto" estreia nesta quinta na Sala Ulysses Geremia
Prefeito de Caxias ouve as demandas do empresariado local
Memória: Para recordar de Girólamo Magnabosco