Desde o dia 23 de outubro, a comunidade do loteamento São Gabriel, em Caxias do Sul, tem novamente à disposição a biblioteca comunitária do bairro. O local foi reformado por iniciativa da agente comunitária e presidente da Amob, Ziza Ribeiro. Com o nome Cor&Amor, o local quer resgatar o amor pela leitura e o envolvimento da comunidade.
O projeto surgiu em 2008, por meio da Secretaria Municipal da Cultura. Na época, o objetivo era oferecer um espaço de leitura e informação, valorizando as comunidades. Em 2009, cerca de 33 mil pessoas nas comunidades tiveram acesso à leitura por meio das Bibliotecas Comunitárias. Entretanto, o programa não saiu conforme o planejado e acabou minguando aos poucos.
Em 2012, por causa da baixa procura, a prefeitura cancelou a abertura de novas unidades. Naquele ano, eram cerca de 18 bibliotecas com aproximadamente 15 mil livros disponíveis para empréstimos gratuitos. Contudo, três delas, incluindo a de São Gabriel, estavam fechadas devido a problemas estruturais nos centros comunitários ou por falta de voluntários. Segundo Ziza, o cenário permanece o mesmo.
— Em 2008, quando foi repassado para os bairros às bibliotecas, mensalmente se tinha reunião com a biblioteca pública e tínhamos ajuda de custeio, mas agora não se tem mais nada disso. É mantido com o nosso amor — aponta a voluntária.
Ela assumiu em 2015, catalogou os livros e abriu a biblioteca em 2016, mas com a retirada da verba da prefeitura a situação ficou mais difícil. A Unimed Nordeste chegou a adotar o projeto, ajudando a custear cerca de R$ 130 por mês. Entretanto, mesmo antes da pandemia, esta ajuda foi encerrada. Com a chegada da pandemia, a biblioteca permaneceu fechada durante todo o tempo.
A ideia de restaurar e reinaugurar a biblioteca surgiu no dia 6 de setembro. Como era véspera de feriado, Ziza pensou em abrir o local para que as famílias pudessem utilizar durante o feriado e ao perceber que o local estava com uma aparência de abandono, decidiu reavivar a biblioteca. Com material de casa e ajuda de doações, Ziza retirou partes velhas e desgatadas, redecorou e organizou os livros.
— Não é única e exclusivamente para as crianças o espaço. Eu redecorei e colori com mais cores e o resultado ficou ótimo, uma pena que a procura seja muito baixa — revela.
A biblioteca abre às terças e quintas. As escolas próximas do bairro demostraram interesse em levar os alunos para conhecer o espaço. A ideia é agendar as visitas para o próximo ano letivo. A presidente demonstra preocupação com o fato de as crianças e adolescentes não buscarem a biblioteca e não demonstrarem interesse pela leitura. O reflexo disso, ela percebe no convívio com adolescentes, que demonstram dificuldade para ler textos curtos e verbalizar corretamente as palavras.
— É o celular... Ninguém consegue tirar uma hora para vir à biblioteca, mas tirar um tempinho pra ler é ótimo. Com o livro na mão, a criança imagina tudo, olhando no vídeo não instiga a imaginação — analisa ela.
De acordo com Ziza, atualmente a Cor&Aamor conta com um acervo de 2.550 livros registrados e necessita de doações como, por exemplo, de um notebook, uma vez que todos os registros precisam ser realizados manualmente em um caderno.
Reabertura é exceção no cenário das bibliotecas comunitárias
O cenário de reabertura é exceção neste capítulo das bibliotecas comunitárias. Além da perda de verbas, os locais foram bastante afetados pela pandemia. As bibliotecas são apoiadas pelo Departamento do Livro e da Leitura/Sistema de Bibliotecas, mas são independentes e autônomas, sem vínculo formal com o poder público.
Conforme Cássio Immig, diretor do Departamento do Livro e da Leitura, que presta apoio às bibliotecas, a relação com as bibliotecas comunitárias está suspensa porque ainda não foi retomado o contato em virtude da pandemia. O projeto das bibliotecas contava com o apoio da Lei de Incentivo à Cultura Municipal, proposta pela Associação dos Livreiros de Caxias do Sul (Alca). Com esta verba, era realizada a aquisição de livros e pagamento do pró-labore das voluntárias, mas o recurso foi encerrado em 2018.
Independentemente da verba municipal, o departamento presta apoio de forma técnica e planejava uma retomada desse relacionamento com as bibliotecas comunitárias por meio de uma reunião no dia 20 de março de 2020. Com a pandemia, no entanto, a reunião foi cancelada e as bibliotecas precisaram fechar.
— Essa relação está suspensa porque não conseguimos mais fazer as reuniões presenciais e nos comunicamos eventualmente pelo WhatsApp. Estamos aguardando o ano que vem para retomar — explica Cássio.
Até 2019, eram 18 bibliotecas em funcionamento, mas, atualmente, esse número é incerto. Segundo Cássio, esse problema tem sido agravado pela pandemia.
— Atualmente deve ter 16 ou 17, mas na prática não temos certeza porque não temos dimensão do quanto a pandemia atingiu essas bibliotecas. Hoje mesmo estava conversando com uma senhora que não consegue mais ser voluntária e precisamos ver se alguém deseja assumir o lugar dela, se não, irá fechar— detalha.