Morreu na madrugada desta segunda-feira (29), em Caxias do Sul, Viviane Borges dos Santos, 40 anos, também conhecida como Pita ou Vivi do Loló. Ela faria 41 anos no próximo domingo, 5 de dezembro. Vivi estava internada desde sábado no Hospital Virvi Ramos. A causa da morte não foi informada pela instituição. A prefeitura de Caxias, que realizava encaminhamento de saúde e acolhimento assistencial, também manteve o motivo do óbito em sigilo.
Vivendo nas ruas havia mais de 20 anos, especialmente nas regiões do bairro São Pelegrino e Euzébio Beltrão de Queiróz, Viviane passou por diversos tratamentos em razão da dependência química, especialmente pelo vício em loló (combinação de clorofórmio e éter), o que lhe rendeu o apelido. Ela era natural de Caxias, viveu os primeiros anos no bairro Primeiro de Maio e se mudou para o Diamantino com a família ainda na infância. Dos irmãos, ganhou o apelido de Pita. Frequentou a escola Atiliano Pinguelo e abandonou os estudos na 4ª série do Ensino Fundamental. Aos 14 anos, fugiu de casa. Adolescente, morou no Euzébio Beltrão de Queiróz e posteriormente passou a ser conhecida nos arredores do bairro São Pelegrino e do Centro.
Vivi percorria ruas de Caxias pedindo esmolas. Suas andanças e abordagens a tornaram uma figura muito popular.
— A Viviane, assim como muitos outros, é também fruto do meio em que vive. O contexto social tem impactos diretos na nossa personalidade, na forma como a gente age — comenta a presidente da Fundação de Assistência Social (FAS), Katiane Boschetti.
Amarildo Moreira, reciclador e morador do bairro Euzébio Beltrão de Queiróz, acredita que a falsa impressão de agressividade que ela causava em pessoas que não a conheciam era apenas o jeito de viver nas ruas de Vivi:
— A gente conhecia a pessoa, o ser humano, aquela interpretação diária dela era o modo de sobrevivência.
Também moradora do Beltrão de Queiróz, a cozinheira do centro cultural da comunidade, Isabel Cristina Borges, pensa o comportamento era reflexo da marginalização social que Pita sofreu ao longo de sua vida:
— Tenho impressão de que ela era retirada das ruas mais pela sociedade do que por ela. Achavam que era feio o comportamento dela e estavam mais preocupados com as demais pessoas do que com a Pita, de ajudar e tratar ela. Ela nos dizia que queria ajuda, mas chegou numa fase que não tinha mais controle sobre si. Mas tinha o lado humano. Já vi ela chorando porque foi xingada. Ela só aparentava ser agressiva, mas não era, tinha um bom coração, até repartia comida às vezes com outras pessoas necessitadas — ressalta.
E conclui:
— Todos falam dela com carinho, mas poucas pessoas ajudaram. O próprio apelido 'Vivi do Loló' é agressivo.
As informações sobre o velório e o sepultamento de Vivi não foram divulgadas.
Acolhimento dificultado
A falta de alcance da rede de proteção, no início da década de 1990, dificultou o acolhimento e tratamento de Vivi enquanto menor de idade, o que acabou se refletindo na vida adulta dela. O recém-criado Estatuto da Criança e do Adolescente na época ainda não tinha aplicação efetiva.
— Fomos nos estruturando ao longo do tempo, as políticas foram surgindo conforme as realidades. Mas sem dúvida é importante que busquemos programas que busquem a prevenção e trabalho integrado e intersetorial com outras políticas públicas — afirma a presidente da FAS.
Ainda assim, Katiane Boschetti informa que Vivi recebeu atenção assistencial desde a infância — assim como sua família —, passando por programas como Criança Crescente e Ser Cidadão. Segundo Katiane, no entanto, Viviane não aderia de forma frequente às casas de passagem, ou aos encaminhamentos e tratamentos ofertados pela rede.
A Secretaria Municipal da Saúde emitiu nota de pesar pelo falecimento de Viviane.
DEPOIMENTOS
Viviane era uma pessoa em situação de rua, mas sua identificação de convivência comunitária foi, desde a adolescência, o Euzébio Beltrão de Queiróz. Próximo ao estádio Centenário montava um abrigo improvisado, em condições precárias. Da comunidade recebia atenção e tratamento humanizado. Também frequentava o bairro São Pelegrino, onde também formou vínculos sociais. O Pioneiro coletou depoimentos de quem conviveu com Pita.
"Às vezes ela nos via e vinha conversar. Perguntava dos meus filhos, dos meus netos. Passava todos os dias ali na frente (do Centro Cultural Beltrão de Queiróz), pois servimos almoço para as crianças ao meio-dia e o restante damos para os usuários. Ela chegava por volta de 15h30min, 16h, então eu sempre guardava a comida e o suco dela" Isabel Cristina Borges, cozinheira, moradora do Beltrão de Queiróz
"Dentro da comunidade sempre tinha o que precisava. Estávamos sempre por perto e tínhamos olhar diferente, humano pra ela. As pessoas viam aquela imagem, mas garanto que quem conheceu ela está todo mundo triste", Amarildo Moreira, reciclador, morador do Beltrão de Queiróz
"Ela era muito sensitiva e querida na comunidade. Sempre interagiu muito comigo e minha irmã, conhecíamos o outro lado dela. E estava sempre na comunidade, se dava bem com a grande maioria do pessoal, tinha bom relacionamento", Miriam Machado, presidente da Associação dos Moradores do Beltrão de Queiroz
"Para muitos, Loló. A outros tantos, Pita. Para poucos, Viviane. Foram muitos episódios ao longo dos anos. Com o tempo veio o diálogo, as brincadeiras normais de quem convive, percebi que ela era uma pessoa comum na sua singularidade. Nervosa, briguenta até como uma forma de autodefesa. (Mas) Viviane era uma pessoa sensível, inteligente, humorada. Lamentavelmente a maioria de nós, preferimos ficar com os aspectos negativos das pessoas", Pablo Carlotto, professor, morador do São Pelegrino