Um acordo firmado entre o Ministério Público (MP), prefeitura de Vacaria e a Associação Pró-Ensino Superior dos Campos de Cima da Serra (APESCCS) pode ter dado fim a um processo de reversão da doação de um imóvel que se estendeu durante dois anos. Depois de ceder um terreno no bairro Vitória para a APESCCS, o município de Vacaria deve voltar a ocupar o espaço depois de mais de 40 anos e destinará a estrutura do local para atendimentos na educação infantil e também para a oferta de cursos profissionalizantes. Para isso, precisará indenizar os antigos proprietários pelos investimentos realizados no espaço ao longo dos últimos anos.
A negociação para a doação do terreno iniciou em 1969, quando a prefeitura de Vacaria cedeu o espaço de 12 mil metros quadrados para a APESCCS desenvolver atividades educacionais na cidade. Na época, com a posse do espaço, a associação firmou um contrato de comodato com a Fundação Universidade de Caxias do Sul (FUCS), que criou a extensão do curso de Letras em Vacaria.
Com a reforma educacional de 1971, que impedia as universidades de desenvolver atividades acadêmicas fora da sede da instituição, a UCS transferiu a gestão do curso à APESCCS no ano seguinte. Para aumentar a capacidade de oferta de cursos na cidade, a associação chegou a construir um novo prédio no mesmo terreno. No total, as duas edificações somam cerca de 5 mil metros quadrados de área construída.
A iniciativa de reverter a doação partiu do promotor de Justiça, Luis Augusto Gonçalves Costa. De acordo com ele, o terreno com os dois prédios não estava sendo usado na sua totalidade, com espaços ociosos e que poderiam acolher um novo uso. Além disso, durante o andamento do processo de reversão, a UCS manifestou o interesse de deixar o local para focar as atividades no Campus Universitário de Vacaria (leia mais abaixo).
Como a APESCCS não realizava nenhuma outra atividade a não ser permitir que a UCS ocupasse o espaço, o MP entendeu ser ainda mais prudente que o local fosse devolvido ao município e seguisse com o atendimento de demandas da educação pública.
— Observou-se, dessa forma, que a associação estava inoperante há alguns anos e conseguimos reunir os sócios para fechar o acordo. Eles até tinham planos de voltar a ocupar o local, mas acabaram desistindo, principalmente a partir da saída da UCS. E como tinha o interesse da prefeitura naquele espaço, foi mais fácil chegar em um consenso — explica.
O acordo foi firmado somente depois que a prefeitura de Vacaria garantiu que buscará recursos para indenizar os sócios da APESCCS pelos investimentos realizados no espaço, como a construção de um novo espaço e outras benfeitorias. O valor está orçado em pouco mais de R$ 1 milhão, segundo o promotor, e precisará da aprovação da Câmara de Vereadores de Vacaria para avançar.
O presidente da APESCCS, Lino Jacques, reconheceu que, com a saída da UCS a associação não tinha outras atividades para seguir operando no local. Segundo ele, a APESCCS seguirá atuando em uma sala comercial, no Centro de Vacaria, onde fica arquivada a documentação da entidade e dos alunos.
— A única coisa que pleiteamos foi a indenização daquilo que investimos no local. Participamos de audiências, colaboramos com a devolução do terreno, mas entendemos ser mais adequado dessa forma — comenta.
O promotor Costa salienta que a comunidade é a maior beneficiária da decisão.
— Esse é um bom exemplo de como o Judiciário pode contribuir com a vida das pessoas. Era uma doação muito antiga, precisamos ir atrás de muitas informações para entender qual era a realidade e como poderíamos atuar. Depois de muito diálogo e participação das partes envolvidas, chegou-se a um desfecho. É uma grande área, em uma região carente do município, que será entregue à comunidade, que é quem mais ganha com isso — afirma o promotor.
Município aguarda aval da Câmara, mas não tem plano para ocupação
De acordo com a secretária municipal da Educação de Vacaria, Simone de Fátima Gobeti Boeira, ainda não há um planejamento para ocupação do novo espaço. A expectativa é que o prédio mais novo seja destinado para atender crianças matriculadas na Escola Municipal de Educação Infantil Governador Synval Guazzelli, próxima do local, e também outras que aguardam transferência. No total, o espaço deve concentrar 500 vagas na educação infantil.
O prédio mais antigo deverá ser usado para a realização de cursos profissionalizantes. Para isso, a prefeitura entende ser necessário um convênio para que as capacitações sejam ofertadas no local. Outra possibilidade é usar também o local para atividades no contraturno escolar de crianças matriculadas na rede pública municipal.
Entretanto, a secretária afirma que a ocupação do imóvel dependerá da aprovação do crédito por parte do Legislativo e de um plano a ser elaborado pela secretaria da Educação.
— Sinceramente, ainda não conheço (internamente) o local e não sei o que precisaria ser feito. Sei que é uma área bem-vinda, que permitirá avanços na educação, mas que ainda depende de outras definições. Certamente será um dos nossos maiores projetos para o ano que vem — afirma Simone.
UCS concentrará atividades em um só local em Vacaria
Segundo o diretor do campus de Vacaria da UCS, Marco André Pegorini, a desocupação do prédio foi autorizada para centralizar as atividades da instituição em um único espaço, que é o principal campus da UCS na cidade, localizado às margens da BR-285, na saída para Bom Jesus.
—Foi uma decisão pensada exclusivamente pela logística. Fica mais difícil administrar duas unidades. Alguns professores têm aulas nos dois locais e prejudica o deslocamento, já que os dois prédios ficam entre 20 e 30 minutos de distância um do outro — explica.
O prédio no bairro Vitória foi destinado, nos últimos anos, para atividades do curso de Agronomia, com a instalação de oito laboratórios científicos, um de informática e também uma estufa experimental para o cultivo de plantas.
A mudança está sendo realizado desde o mês passado e deve se encerrar na primeira semana de dezembro, já que o contrato de comodado com a APESCCS expira no dia 13 de dezembro.
—Estamos fazendo a mudança sem pressa. Não é um trabalho pesado, mas é delicado porque são laboratórios. Estamos mexendo em tubos de ensaio, microscópios, ossada de animais. Precisa ter muita cautela, mas entendemos que estamos no prazo certo — revela Pegorini.