A ampliação gradual das faixas etárias contempladas pela imunização contra a covid-19 tem sido motivo de cada vez mais postagens compartilhadas em redes sociais do mundo inteiro. Na Serra, não é diferente. Desde o início da campanha, que imunizou profissionais da saúde e grupos com comorbidades, a alegria e o alívio de protagonizar a tão esperada vacina é expressada com fotos feitas durante ou logo após a aplicação.
Mais do que isso, as imagens costumam ser compartilhadas com legendas que, em muitos casos, valorizam a atuação dos profissionais da saúde, do Sistema Único de Saúde — por meio do qual as vacinas chegam gratuitamente à população —, entre outras citações que também visam sublinhar a importância das pessoas aderirem à vacinação, já que, segundo especialistas, a pandemia pode ser considerada controlada somente após 70% da população ser imunizada com as duas doses.
A "militância" virtual em prol da vacina surge, ainda, como forma de combate à desinformação e às fake news disseminadas em relação às vacinas disponibilizadas no Brasil. Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma nota alertando a população para que tenha cuidado com informações que "estão sendo divulgadas com o objetivo de desencorajar as pessoas quanto ao uso das vacinas", afirmou a publicação de 19 de julho. A Anvisa também declarou, no texto, que "os materiais sobre mortes após o uso de vacinas contra Covid-19 são falsos e não possuem nenhum embasamento científico" reforçando, em seguida, a importância da vacinação para o combate à pandemia.
Publicar, adianta?
Possivelmente, sim. É o que afirma a psicóloga Renata Royo, que atua na área cognitivo-comportamental em Caxias do Sul. De acordo com ela, a publicação de ídolos ou amigos pode, de fato, influenciar na decisão de pessoas que ainda estão na dúvida quanto à adesão à vacina.
— Fatores externos podem influenciar nas nossas tomadas de decisão. O ser humano aprende muito pela observação. Um exemplo bastante claro são as crianças: elas observam a atitude do outro e passam a reproduzir aquele mesmo comportamento. Então, se um indivíduo perceber que existe um padrão no que as pessoas a sua volta estão fazendo, a tendência é que ele pense: “se todos estão fazendo, então isso deve ser o certo”, o que pode levá-lo a imitar tal comportamento. Ou seja, ao observar as condutas alheias, seja do grande grupo ou de alguém influente, nosso cérebro entende que aquele comportamento é adequado e, consequentemente, existe a probabilidade de o reproduzirmos — afirma a psicóloga.
Ela ressalta que, nas redes sociais, esse comportamento fica, de certa forma, potencializado.
— Muitas vezes os seguidores reproduzem um discurso do qual não tem conhecimento e passam a defender o ponto de vista de outra pessoa simplesmente por admirá-la na internet, sem ao menos buscar fundamentos científicos para embasar seus argumentos. Por isso é tão importante que as pessoas, na posição de influenciadoras digitais, estejam bem informadas e não disseminem fake news — observa.
Unidos por algo maior
A questão do pertencimento, que de acordo com a psicóloga é mais evidente nos jovens, também contribui para que, quanto mais pessoas publicam que estão vacinadas, maior seja a probabilidade de outras pessoas se vacinarem.
— Na adolescência, por exemplo, é esperado que os jovens padronizem ideias e atitudes, pois o grupo valida e reforça comportamentos, pensamentos e hábitos que lhe são comuns. Nesta fase da vida, essa padronização que produz o pertencimento traz uma sensação de proteção ao jovem. O que se aplica, também, a essa questão das postagens na internet. É algo que gera a sensação de estarmos unidos por algo maior — afirma.
A disseminação desse tipo de conteúdo pelas redes sociais reverbera em prol da campanha de vacinação, que está a cargo dos municípios, conforme o recebimento de doses. Para a diretora da Vigilância em Saúde de Caxias do Sul, Juliana Argenta Calloni, as publicações pró-vacina podem mesmo estar dando uma forcinha ao propósito da Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
— Tanto estão ajudando que estamos tendo uma boa cobertura de vacinação pelos grupos aqui na cidade. É um reforço positivo sobre a vacina, das pessoas falando o quanto faz bem e protege — afirma Juliana.
De acordo com ela, há pessoas na cidade que ainda questionam qual o laboratório da vacina que será aplicada. Nestes casos, a orientação repassada pelos profissionais que atuam nos pontos de vacinação é a mesma:
— Embora a vacina já esteja diminuindo os casos graves da covid-19, ainda temos óbitos, e muitos entre pessoas jovens que ainda não foram imunizadas. O que temos destacado é que o tempo da pessoa escolher a vacina pode ser o de contaminação e, quem sabe, evolução para um quadro mais grave. Não estamos em uma situação confortável a ponto de escolher vacina e por isso nosso papel tem sido convencer a população para que se vacine o mais rápido possível, mantendo o uso de máscara, o distanciamento e outros protocolos de segurança, pelo menos, até que a gente atinja 70% da população com a vacina — relata a diretora.
Em levantamento mais recente, realizado há cerca de duas semanas pela SMS, Caxias do Sul já vacinou em primeira dose, 99,8% da população na faixa etária a partir dos 40 anos. Foram 188,1 mil vacinas diante de uma população estimada em 188,4 mil pessoas, conforme estimativa do IBGE projetada em 2010, uma vez que não houve novo Censo em 2020 em função da pandemia.
#vacina
No início desta semana, três das cinco cidades mais populosas da Serra atingiram metade dos moradores vacinados com a primeira dose contra a covid-19. O melhor percentual foi registrado no município de Canela, onde mora a atriz e diretora Lisiane Berti, que recebeu dose única produzida pela Janssen. Aos 44 anos de idade, ela integra o grupo que mais se vacinou na cidade. Até a tarde desta quarta-feira (4), 1.068 pessoas de 40 a 44 anos já estavam com o esquema vacinal completo no município que, por faixa etária, atenderá a pessoas com 31 anos ou mais nesta quinta-feira (5).
Lisiane disse que a surpresa da dose única tornou ainda maior a emoção de ser imunizada. Depois da vacina, achou indispensável uma postagem no Facebook, rede onde ela reúne 4.724 amigos. Foto do ato da vacina, foto dela exibindo o cartão de vacinação e um relato do momento em que tinha acabado de vivenciar no ponto de vacinação, onde chegou por volta das 8h de 19 de junho. No texto, ela descreveu o encontro alegre com outros moradores e profissionais da saúde, o misto de sentimentos, a dor do procedimento e a empolgação de estar imunizada, acrescentando as hashtags: #vivaosus, #vivaaciência e #vivaoteatrobrasileiro.
— Não postei apenas para ser algo bonitinho, foi também para inspirar. Eu realmente acredito na vacina e acredito que, para nós, enquanto artistas, e todas as pessoas, seja importante pensarmos a quê estamos sendo úteis. Por tudo que estamos vivendo, acho importante, achei importante mostrar e, quem sabe, incentivar outras pessoas a fazerem a coisa que acredito ser certa — afirma Lisiane.
"Se não posta, não tem efeito"
A "moda" de postar o momento da vacinação também virou motivo de brincadeiras, como a citada pelo advogado e músico Diogo Farina, 43, na publicação de sua foto recebendo a primeira dose da Pfizer, em Bento Gonçalves, no formato drive-thru. "Se o cara não posta a foto, a vacina não faz efeito..." escreveu Farina, na publicação feita em 7 de julho, citando uma amiga que havia feito a brincadeira alguns dias antes.
— Ela tinha feito alguma postagem da mãe dela vacinada, eu acho, tirando onda disso e, como somos muito amigos, citei a brincadeira. Acho muito legal divulgar o momento da vacinação, porque é um reconhecimento a essa conquista científica tão importante, feita com muita rapidez, e ao SUS, que é reconhecido, inclusive, fora do Brasil, e tem feito um trabalho excelente. Acho importante reafirmar a importância da vacina também por meio das redes, porque a questão política que está sendo envolvida é absurda e tomou proporções perigosas — comenta Farina, que agora aguarda pela segunda dose para completar a esperada imunização contra a doença.
"Estar vacinada é uma responsabilidade"
A designer Gabriela Oliveira, 32, brinca que esteve "embalada à vácuo" durante visita aos familiares, em Caxias do Sul. O medo de contrair a covid-19 e de contagiar outras pessoas com o coronavírus a acompanha desde março de 2020, quando mudou-se para a cidade de São Paulo. Na sexta-feira (30), ela foi vacinada com a primeira dose da CoronaVac, com segunda dose agendada para o próximo dia 28, algo que começa a gerar nela uma sensação de alívio.
— Quando cheguei na triagem comecei a chorar. Tinha acabado de perder um amigo que morreu por complicações da covid-19. Pensei na sorte que eu tinha de nada ter acontecido comigo ou com algum familiar, misturando um estado de graça com a tristeza por todos que morreram antes de ter a oportunidade que eu tive. Por isso acho também que estar vacinada é uma responsabilidade: você ganha uma vida e o que vai fazer com isso? — provoca Gabriela, que entende como um "dever cívico" o ato de falar sobre a vacina.
— Fiz stories com todos os GIFs possíveis e imagináveis e publiquei a foto que fiz na saída porque quando a gente está um momento de tanto negacionismo, por parte de diferentes gerações, é preciso erguer a bandeira de que a vacina é um direito e um dever, não apenas por mim mas para outras pessoas que estão ao meu redor.