Cerca de 600 áreas estão irregulares de Caxias do Sul, representando de 80 mil a 100 mil terrenos nesta situação, conforme dados da Secretaria Municipal do Urbanismo. É para resolver essa situação que a prefeitura espera a aprovação do Programa Esse Terreno é Meu até o início de agosto pela Câmara de Vereadores.
A nova proposta prevê Regularização Fundiária Urbana (Reurb) para a cidade e estipula isenção de Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em alguns casos, assim como regularização de áreas em bacias de captação. Mais do que isso, a medida traz a possibilidade de escrituração definitiva de lotes. Apesar de ser um projeto recente — protocolado no último dia 9 no Legislativo — o assunto não é novidade para a moradora do loteamento Monte Carmelo, Samanta Nascimento, 43 anos.
— São muitas pessoas que não têm condições de pagar aluguel, com dois, três filhos. O trabalhador é assim, não vai deixar de dar comida para o filho para pagar aluguel de R$ 600. Caxias tem aluguéis muito altos e não há programa habitacional para a população — reclama Samanta.
O Monte Carmelo surgiu em uma ocupação que começou em 2003, mas teve seu marco em 2009. É desde este período que Samanta mora da localidade. De perto, acompanha a realidade da maioria dos cerca de 2 mil moradores da região. Samanta, que já presidiu a Associação dos Moradores, aprova o projeto da prefeitura, mas faz ressalvas:
"Nós temos deveres também, mas podemos fazer uma parceria como receber o lote e infraestrutura e as famílias pagarem uma mensalidade"
SAMANTA NASCIMENTO
Líder comunitária
— Tem algumas lacunas. Não basta apenas nos dar o título, precisamos de saneamento, ruas abertas. Temos morros que as vans não descem, porque, quando tentam, quase tombam — relata.
A partir da regularização fundiária será possível que os moradores tenham o direito de receber o título do imóvel.
— Sonhamos com isso, mas também em estarmos amparados no que é básico. Tudo teria que constar já nesse projeto porque depois a Câmara não irá mais voltar atrás. Nós temos deveres também, mas podemos fazer uma parceria como receber o lote e infraestrutura e as famílias pagarem uma mensalidade de acordo a realidade de cada uma— defende.
No Monte Carmelo, há lotes que são de propriedade do município, mas outros que são particulares. Por conta disso, há espaços que são motivo de disputa por reintegração de posse. O caso tramita na Justiça.
Detalhes do projeto
O texto da proposta do poder executivo diz que o município possui, em malha urbana, em torno de 30% de área com possibilidade real de regularização. Um terço destas está incluída na chamada Zona Especial de Interesse Social. Isto significa que são áreas já caracterizadas por vulnerabilidade social como o Euzébio Beltrão de Queiroz e a comunidade no entorno de Santa Bárbara de Ana Rech, como exemplifica o secretário de Urbanismo, João Uez, que está a frente do projeto.
Sobre o ITBI, a ideia é que em terrenos de locais com dificuldades sócio-econômicas, não será cobrado o imposto para o registro da matrícula. A prerrogativa vale para localidades como loteamentos os Vitória e Centenário II. Já em áreas onde as famílias não são enquadradas em limites mínimos de renda, o imposto será cobrado. Este é o caso, por exemplo, de condomínios da Linha 40.
— Esta será uma lei que se adequa à realidade da comunidade e não o contrário — diz Uez.
Arquitetos sugerem adequações
No Legislativo caxiense, o projeto ainda passará por comissões até chegar a plenário para votação final. Nesta semana, o Coletivo Meio e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), núcleo Caxias, realiza visitas a gabinetes de vereadores para que sugestões sejam acatadas antes da votação. Em rede social, o coletivo convida a comunidade a entrar em contato com o vereador em que votou e com presidentes de bairros para que melhorias como pavimentação, iluminação pública, redes de água e esgoto sejam garantidos.
Segundo a arquiteta e urbanista e professora universitária, Terezinha de Oliveira Buchebuan, 52, não basta o acesso à terra se não há garantia de benefícios básicos.
"Moradia não se restringe à habitação em si, porque traz consigo direitos que qualquer cidadão deveria ter"
TEREZINHA BUCHEBUAN
Arquiteta e Urbanista
— Moradia não se restringe à habitação em si, porque traz consigo direitos que qualquer cidadão deveria ter. Em Caxias há uma grande parcela de pessoas que não têm acesso nem ao abrigo. Estamos com um número crescente de moradores em situação de rua pós-pandemia, porque provavelmente não têm mais entrada no mercado de trabalho. Outras pessoas também ocupam locais de risco por não terem onde morar — explica Terezinha.
Conforme Terezinha, o projeto da prefeitura é positivo, mas ajustes como o Fundo de Regularização Fundiária destinar parte de recursos ao Fundo da Casa Popular (Funcap) teria que ser considerado.
Também integrante do coletivo, Manuela Rettore, 28, salienta que o Funcap deve ter novamente um percentual sobre o orçamento do município, como acontecia antigamente. A legislação é de 1.952, mas o Funcap foi reformulado em 2000 e houve algumas alterações ao longo dos anos.
— Essa legislação precisa voltar a ser implementada no município e gostaríamos também de acrescentar a lei de assistência técnica ao Funcap, para que não seja apenas sobre regulamentação, mas sobre infraestrutura — ressalta Manuela.
Basicamente, com o Funcap é possível construir habitações populares. A lei de assistência técnica assegura às famílias de baixa renda assistência para o projeto e a construção de habitação.
Modificações são aceitas
Conforme Uez, as sugestões dos arquitetos, também recebidas pela pasta na quarta-feira (14), poderão ser acrescentadas no projeto em forma de mensagem retificativa à Câmara. Outra opção é que o decreto que regulamente a lei traga os itens defendidos. No Legislativo, os vereadores poderão apresentar emendas à proposta inicial. Uma reunião entre os parlamentares e técnicos da secretaria do Urbanismo deverá ocorrer no próximo dia 21 para que sejam debatidos todos os itens da nova regularização fundiária do município.
Confira os cinco principais pontos da nova proposta:
- Para regiões que se enquadram nos critérios de vulnerabilidade social, está prevista a isenção do primeiro ITBI sobre o imóvel originado por meio da regularização fundiária. O texto do projeto cita que a opção está “tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.
- O Reurb de Interesse Social (Reurb-S) é representado pela população predominantemente de baixa renda. Já o Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) é ocupado por população não qualificada e o Reurb Inominada (Reurb-I) significa que quem não possui registro até 19 de dezembro de 1979, poderá regularizar a situação.
- Na classificação de Reurb-E, sobre bem público, a aquisição de direitos reais ficará condicionada ao pagamento do valor da unidade imobiliária regularizada, sem considerar o valor das benfeitorias realizadas pelo ocupante.
- Os terrenos de interesse social, enquadrados na Reurb-S, e que têm residências de até 70 metros quadrados com um andar terão a certificação de edificação junto à regularização do terreno. Esse item valerá para construções finalizadas há mais de cinco anos.
- As edificações localizadas em Áreas de Preservação Permanente (APPs) não serão passíveis de regularização, exceto aquelas localizadas em lotes regularizados através de Reurb-S na faixa de zero até 30 metros. Nos casos da Reurb-E, 15 metros até 30 metros. Além disso, os imóveis situados em Zona de Ocupação Controlada (ZOC) e Zona de Interesse Ambiental (ZIAM) deverão ter análise e parecer da Secretaria Municipal do Meio Ambiente.