Pacientes com câncer têm procurado especialistas na Serra para esclarecer dúvidas sobre a vacina contra a covid-19, se podem ou não ser imunizados e se integram o grupo prioritário da campanha de imunização. O mastologista Maximiliano Cassilha Kneubil, que atua no Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, relata que é questionado diariamente pelas pacientes que tiveram ou que atualmente estão tratando um câncer de mama pela seguinte pergunta: devo fazer a vacina? O mesmo ocorre com a oncologista do Hospital Geral de Caxias do Sul, Janaína Brollo. Muitas pacientes em tratamento ainda não sabem que tem direito a vacina nesta fase 3 dos grupos prioritários.
Em Caxias do Sul e Bento Gonçalves, a aplicação da primeira dose começou nesta terça-feira (4), mas é necessário atenção aos critérios repassados por cada prefeitura, como idade e comprovação de determinada comorbidade emitida pelo médico há menos de um ano. Também serão vacinadas nesta fase pessoas com comorbidades e com deficiência permanente cadastradas no Benefício de Prestação Continuada. Nestes casos, iniciando pelas de 59 anos e diminuindo progressivamente até 55 anos.
Pacientes oncológicos entram nessa fase, mas são contemplados agora quem fez transplante de órgãos sólidos ou de medula óssea, pacientes que realizaram tratamento quimioterápico ou radioterápico nos últimos seis meses e quem tem neoplasias hematológicas, que são leucemias, mieloma múltiplo e linfomas. Contudo, precisam se enquadrar em cada faixa etária, o que compromete a saúde dos pacientes, que já são debilitados, conforme a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
Essa falta de clareza sobre a vacinação para quem tem câncer motivou a entidade a solicitar, por meio de um comunicado oficial, a inclusão de todos os pacientes oncológicos nos grupos com prioridade na vacinação. Isso porque, mesmo considerados como do grupo de risco para o coronavírus, apenas parte daqueles que enfrentam a doença integram a fase prioritária da imunização. A SBOC argumenta que pacientes com câncer são mais vulneráveis às complicações causadas pela doença e, por isso, têm que ter prioridade, independentemente do tipo de doença e das circunstâncias do tratamento.
Especialistas esclarecem dúvidas
Um estudo brasileiro publicado no Journal of Clinical Oncology (JCO) identificou e acompanhou 198 pacientes com câncer que desenvolveram a doença entre março e julho de 2020, sendo que 33 morreram. Isso significa uma taxa de mortalidade de 16,7%, seis vezes mais que o índice global, de 2,4%. A oncologista Janaina Brollo ressalta que as duas vacinas são indicadas aos pacientes que são identificados com tumores sólidos, como de mama, ovário, pulmão e melanoma:
— Sabemos que a mortalidade é maior em pacientes em tratamento de câncer. Nós estamos na expectativa para que os pacientes entrem agora no grupo 2. É importante vacinar esses pacientes porque os tratamentos oncológicos não podem esperar. E justamente por essas doenças de base que eles tem, fazem com que sejam mais vulneráveis. Os que estão em quimioterapia merecem ser priorizados devido ao aumento de mortalidade.
O mastologista Maximiliano Cassilha Kneubil, que atua no Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, afirma que as pacientes não sabem se tem prioridade na vacinação, e também questionam se a imunização é segura.
— A maioria absoluta das pacientes não sabe que tem direito a vacina. Quando comento com as pacientes do consultório, elas se surpreendem com a notícia. Não está claro para as pacientes quando serão vacinadas.
Ele explica ainda que, apesar de pacientes com câncer não terem sido incluídos nos estudos clínicos das vacinas aprovadas contra a covid-19, dados relacionados a outras infecções indicam que os imunizantes são eficazes mesmo nesta população, sendo que os riscos de não se vacinar são muito maiores. O mastologista afirma que, de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, pessoas com câncer de mama e outros tipos de câncer devem ser incluídas no grupo de risco à covid-19 para vacinação priorizada. Ele orienta as pacientes a pedirem aos médicos um laudo indicando a vacinação.
— Caso uma paciente esteja realizando quimioterapia e contraia a covid-19, essa mulher tem o seu tratamento prejudicado e uma taxa de mortalidade muito elevada. São pacientes que têm que ser priorizadas, e é necessário pensar nelas com carinho. É importante que elas já peçam aos seus médicos um laudo para comprovar a doença. O ideal seria que todas as pacientes que estão acompanhando o câncer fossem incluídas nos grupos prioritários — defende ele.
Pacientes desabafam sobre angústias em meio ao tratamento
O Instituto Amigas de Peito e Alma da Serra Gaúcha também pedem prioridade de vacinação aos pacientes com câncer. A presidente do instituto, Clementina de Marco Giacomelli, ressalta que há incerteza e angústia.
— A vacina é fundamental, e indico que cada paciente procure orientação nas suas cidades para ver quando serão vacinados.
Moradora de Bento Gonçalves, Graziela Greggio Cazer, 41 anos, foi diagnosticada com câncer de mama há dois meses. Ela faz quimioterapia, é asmática, teve embolia pulmonar recentemente e precisou ser internada. Ela explica que, com a imunidade baixa, encarando o câncer em meio à pandemia, surge a angústia e a espera pela imunização:
— Eu acho que o paciente que está em tratamento quimioterápico ou de radioterapia tem que ter direito, independentemente da idade. A doença já é um risco, a imunidade baixa. Com mais o vírus, essa situação cria medo e uma angústia profunda. A vacina salva vidas e tem que ser feita o mais rápido possível em toda a população. Mas, nesse momento, as pessoas que sofrem mais com doenças que estão em um tratamento tão severo e tão difícil quanto a quimioterapia e radioterapia teriam que ter a preferência — desabafa ela.
Alívio com a primeira dose
Santa Margarida Soares Nicola, 63, não pôde ser vacinada quando a imunização para a faixa etária dela começou porque estava com tosse e falta de ar, sintomas de covid-19. No entanto, esses sintomas fazem parte do dia a dia de Santa, que foi diagnosticada com câncer de pulmão em 2020. Quando recebeu o resultado, em outubro, ela estava em Santa Maria, onde passou pelo tratamento. De volta a Caxias do Sul, ela recebeu a primeira dose do imunizante nesta terça-feira, na UBS São Caetano.
— Quando eu soube fiquei apavorada. Procurei a vacinação na data, mas não pude fazer. A quimioterapia não teve o resultado esperado, e também tive embolia pulmonar. Estou aliviada com a primeira dose, porque mesmo que eu tenha medo de sentir sintomas de covid-19, o médico disse que a doença seria um risco muito maior, estou aliviada — conta ela.
Ideal seria vacinar todos, defende infectologista
A coordenadora da Infectologia do HG, Viviane Buffon, lembra que pacientes com câncer que são infectados com covid-19 apresentam mais internações em UTI, necessitam de mais suporte de ventilação mecânica e as taxas de mortalidade são maiores, quando comparadas com as de pacientes infectados sem neoplasias.
— Apresentamos uma enorme população brasileira a ser vacinada. Sabemos que não é possível produzir o quantitativo vacinal suficiente para toda a população em curto espaço de tempo por diversos fatores, entre eles os insumos. Entendo que os órgãos responsáveis buscam critérios para selecionar os grupos prioritários. O ideal seria que todos os pacientes com câncer já estivessem sendo vacinados. Conforme um estudo brasileiro publicado recentemente: "alguns pacientes com câncer enfrentam um risco maior de morte se afetados pelo covid-19, que é predominantemente motivado por idade avançada, tabagismo e presença de doença ativa e fatores de risco associados — esclarece ela.