Como era previsto, o Ministério Público está questionando a lei municipal de Nova Prata que autoriza a abertura de comércio e a prestação de serviços no município por violar as legislações federal e estadual de combate à pandemia da covid-19. Uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) com pedido de liminar para suspensão da lei foi ajuizada nesta segunda-feira (12) pelo procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen.
O entendimento é de que, além de ser mais flexível que o modelo de distanciamento controlado do governo do Estado, a lei tem origem na Câmara de Vereadores, o que configura vício de iniciativa. Ou seja, é o tipo de lei que deve partir do Executivo e não do Legislativo.
"Em decorrência desses atos normativos, a estratégia de combate à pandemia da covid-19, por tratar-se de um problema de saúde nacional, foi colocada sob a coordenação da União. Diante disso, as medidas restritivas a serem adotadas nos âmbitos estadual e municipal devem respeitar os balizamentos (normas gerais) emanados do governo federal. A atuação dos municípios, especificamente, apresenta-se mais limitada ainda, já que devem agir apenas a partir das orientações oriundas não só da União, mas também do Estado que integre, à luz das necessidades sanitárias do momento", destaca Dallazen na ação.
"Nem mesmo a justificativa do interesse local infirma tal conclusão, pois se trata de uma calamidade pública que é nacional, a demandar, assim, ações coordenadas e sistêmicas, sob pena de as diversas formas de atuação de cada ente federativo acabarem frustrando todos os esforços de controle da pandemia", acrescenta o procurador.
Ainda de acordo com Dallazen, o pedido de liminar para suspender a vigência da lei até o julgamento final da ADI se deve à gravidade das medidas veiculadas pelo ato normativo local impugnado:
"Coloca em risco a população em um momento em que a crise pandêmica se intensifica em todo o país, devido ao elevadíssimo nível de contagio e de fatalidades, desarticulando as medidas sistêmicas adotadas no âmbito estadual para minimizar os efeitos da circulação do vírus", finaliza.
Entidades defendem respeito ao Modelo de Distanciamento do Estado
Para o presidente da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne), prefeito de Farroupilha Fabiano Feltrin, a orientação deve ser seguir o modelo do Estado, caso contrário, o município poderá sofrer responsabilizações judiciais. A visão é a mesma do Sindicato Empresarial da Gastronomia e Hotelaria (Segh). Embora a entidade defenda o direito ao trabalho, entende que as normas estaduais e federais se sobrepõem às municipais e, por isso, devem ser respeitadas.
— A gente sabe do desespero do setor, mas leis como essa acabam caindo — destaca Marcia Ferronato, diretora executiva do Segh.
A lei entrou em vigor na sexta-feira (9), após ser promulgada pelo presidente da Câmara de Vereadores de Nova Prata, Gilmar Peruzzo (MDB). A legislação prevê a abertura do comércio em geral de segunda a sexta-feira, das 5h às 22h, e aos sábados, das 5h às 18h. A bandeira preta do governo do Estado, que foi flexibilizada para os próximos dias, prevê atendimento do comércio não essencial das 5h às 20h durante a semana e aos finais de semana.
Bares, restaurantes e lancherias poderão atender presencialmente das 5h às 22h durante todos os dias da semana — fora deste horário é permitido o delivery. A regra estadual prevê o mesmo horário, porém, somente de segunda a sexta-feira. Aos finais de semana, o atendimento deve ser das 5h às 15h. Para academias e serviços religiosos, a legislação em vigor em Nova Prata estipula o horário das 5h às 22h, assim como na norma estadual.
A proposta havia sido vetada pelo prefeito de Nova Prata, Alcione Grazziotin (MDB), que entendeu se tratar de uma lei inconstitucional. O veto acabou sendo derrubado pelo Legislativo, de onde partiu o projeto de lei. Já o entendimento da Câmara é de legalidade, com base no artigo 30 da Constituição, que dá aos municípios poder para legislar sobre assuntos de interesse local.
Pandemia é de competência das autoridades do Executivo, diz especialista
Para a professora da FGV Direito Rio, Patrícia Sampaio, o Ministério Público gaúcho tem razão questionar a legislação promulgada em Nova Prata, pois o país vive uma pandemia e compete às autoridades do Executivo cuidar da crise sanitária. Segundo a especialista em direito administrativo, matérias que dizem respeito à organização administrativa são de iniciativa privativa do chefe do Executivo. Ela acrescenta que no caso específico da pandemia, a lei federal determina que compete às autoridades adotarem medidas quanto a restrições, quarentenas e isolamento.
As judicializações envolvendo o tema ocorrem, segundo Patrícia, de uma ausência maior de coordenação entre União, estados e municípios.
— Nós vivemos numa federação, significa que temos Estados, União e municípios, cada um com suas competências. Em matéria de saúde, a competência é comum. Podem ter certas medidas em âmbito federal, em âmbito estadual e em âmbito municipal. Essas medidas têm abrangências territoriais diferentes, o que faz uma relação direta com abrangência do interesse protegido. Então, em princípio, a União cuida de matérias que são relevantes para todo o país, os Estados no âmbito dos seus territórios e os municípios no seu interesse local. No entanto, o município, como tem interesse mais restrito, o que me parece é que pode impor normas mais restritivas. O contrário, ao meu ver, não se aplica. O município não pode desconsiderar as normas mais gravosas impostas pelo Estado, porque o Estado tem um a visão mais abrangente, uma responsabilidade mais abrangente. Vale sempre a norma mais restritiva — explica.
POSIÇÕES
O prefeito de Nova Prata também entendeu se tratar de uma lei inconstitucional, mas disse que preferiu silenciar ao invés de promulgar a lei quando ela retornou à prefeitura.
— Eu silenciei porque entendo que ela é inconstitucional. A derrubada do veto não mudou meu entendimento. Entendo que o encaminhamento nesse caso de pandemia deve ser por decreto, não por lei. Eu não posso passar por cima da Constituição — diz o prefeito Grazziotin.
Em defesa da lei, o presidente da Câmara alegou que a norma não é inconstitucional.
— Entendo que nossa lei não está ferindo a Constituição, porque o artigo 30 prevê que os municípios podem legislar sobre interesses locais. Nossa lei não fere nenhuma outra lei — sustenta Peruzzo.
Procurado pela reportagem, o presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Nova Prata, Dirceu Vendramin Lovison, disse entender a dificuldade de decisão dos gestores neste momento.
— Estamos acompanhando a situação e acreditamos que a decisão da Justiça será acertada quanto à ação ingressada pelo MP Estadual — declarou.