Miguel De Lazzari tem 9 anos e adora passear com amigos que, embora não falem, o compreendem como ninguém. Nascido com problemas motores semelhantes ao da paralisia cerebral, o menino caxiense nunca caminhou e tem dificuldades em manter o tronco ereto. Desde seus dois anos, porém, a mãe, Débora De Lazzari, 39, recorreu à equoterapia para pouco a pouco corrigir as falhas congênitas e ganhar mais confiança e autonomia para se locomover. É na Equocenter, centro terapêutico no interior de Caxias do Sul, que duas vezes por semana Miguel monta em parceiros como o Bombom, o Chocolate e o Picolé, alguns dos cavalos treinados para ajudar a ele e a dezenas de outras pessoas que têm em comum a limitação psicomotora.
A terapia com cavalos é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina desde 1997, embora seja praticada ao redor do mundo desde o século 18. Ganhou popularidade após a 1ª Guerra Mundial, quando cientistas usaram cavalos para ajudar na recuperação de soldados feridos em combate, alcançando bons resultados. Só nos anos 1960, contudo, passaram a surgir centros de equoterapia voltados ao atendimento de adultos e crianças. Uma das fisioterapeutas que atendem na Equocenter, Priscila Boschetti explica que a terapia funciona como uma espécie de simulação de caminhada para quem não consegue andar com as próprias pernas:
– Ao marchar, o cavalo faz um movimento tridimensional (para cima, para os lados, para frente e para trás), que é muito similar ao da pelve humana no caminhar. Esse movimento provoca muitos deslocamentos em quem está em cima do animal e estimula o cérebro a fazer ajustes para manter a pessoa ereta. A cada passada o sistema nervoso cerebral recebe o estímulo e gera uma informação, que volta como uma resposta motora: ela pode ser uma reação de equilíbrio, uma ativação muscular, uma melhora da coordenação.
Para obter resultados melhores, a montaria é individual, com o profissional acompanhando ao lado. Na maioria dos casos apenas uma manta protege do contato direto com o animal, para que haja o mínimo de interferência e assim o cérebro reconheça melhor os movimentos. O treinamento faz com que os cavalos, de tão tranquilos, pareçam verdadeiros monges tibetanos. Afinal, não se trata de correr, nem de saltar. Só o que importa é a repetição:
– Como o movimento acontece de maneira rítmica e repetitiva, contínua, durante 30 minutos de montaria, acaba que essa repetição faz com que aconteça uma reorganização do sistema nervoso central, graças à chamada plasticidade neural (capacidade do cérebro estabelecer novas conexões sinápticas a partir da experiência e do comportamento do indivíduo). Essa é a grande sacada da equoterapia – acrescenta a fisioterapeuta, ressaltando que a equoterapia não se propõe a ser substitutiva, mas sim complementar ao tratamento clínico.
SOCIALIZAÇÃO E DISCIPLINA
A procura pelo tratamento não tem idade mínima, nem máxima. Seja por recomendação profissional ou por conta própria, chegam pacientes adultos ou crianças, com síndrome de down, paralisia cerebral, em recuperação de acidente vascular cerebral (AVC), autistas, paraplégicos, entre outras comorbidades que causem comprometimentos motores, mentais ou emocionais. Todos, de alguma forma, podem se beneficiar do contato com os cavalos, que vai muito além da marcha.
– Além de todos os benefícios de uma atividade física, os praticantes também ajudam a tirar e levar o cavalo para a cocheira, ajudam a dar comida. Dependendo da bandeira (do distanciamento controlado) também realizamos passeios em grupo por trilhas que eles dificilmente conheceriam de outra maneira. Tudo isso traz ganhos que também são cognitivos, emocionais e sociais – comenta a pedagoga e psicomotricista Fabiana Kintschner, proprietária que fundou o Equocenter, em 2002.
A mãe de Miguel, Débora, comenta que quase sete anos de equoterapia deram ao filho uma capacidade muito melhor de sustentar o tronco e de se equilibrar. Mas tanto quanto os ganhos físicos, é o sorriso do menino no contato com os animais que faz as aguardadas visitas semanais à Equocenter valerem a pena:
– A equoterapia já se tornou como uma segunda casa para o Miguel. Todo o convívio que ele tem aqui, seja com os animais, com outras pessoas e com a natureza, fez dele muito mais educado, esperto e feliz.
Terapia também para a mente
Além da equoterapia, a Equocenter também oferece aulas de equitação para qualquer interessado em aprender a cavalgar. A proprietária, Fabiana, comenta que durante a pandemia a procura cresceu muito, principalmente por parte de pessoas que encontraram nas cavalgadas uma forma de desestressar.
– Muitos adultos nos procuram porque não aguentam mais ficar em casa, e aqui sabem que podem desopilar ao ar livre, com segurança, além de estar movimentando o corpo – destaca.
A equitação foi a maneira que a administradora Andréia Sgarabotto, mãe da Antonella, de três anos, encontrou para dar à filha um pouco de alívio e normalidade. Andréia conta que a menina, desde que ficou sem a escolinha, no primeiro semestre do ano passado, começou a ter alterações de comportamento, tornando-se mais preguiçosa. A mãe também se preocupou com as perdas cognitivas provocadas pela falta dos conteúdos próprios para a idade, e se surpreendeu com a evolução que a pequena passou a demonstrar desde que passou a interagir com os animais.
– Além de ter um equilíbrio que chama a atenção de outras mães de crianças da idade dela, ou até mais velhas, a Antonella começou a se interessar por bichos, a conhecer os animais e tudo o que ela vê aqui pelo nome. Ela também emagreceu, porque depois de cada montaria sai toda suada – conta a mãe.
Andréia também viu a filha se mostrar mais disciplinada depois que passou a praticar equitação.
– Aqui eles trabalham muito a questão de que, aquilo que a pessoa desarrumou, ela tem de arrumar. E a Antonella começou a fazer isso com os brinquedos, em casa. Aqui ela também aprendeu a passar álcool gel nas mãos ao chegar. Ganhou mais disciplina. São coisas que a gente às vezes tenta ensinar em casa, mas não tem o mesmo preparo – observa a mãe.