O secretário municipal do Turismo, Enio Martins, percebe com olhos entusiasmados o potencial turístico de Caxias do Sul e sonha — mais do que isso, planeja — ver a cidade respirar turismo, aproveitando roteiros, empreendimentos e belezas naturais que já existem por aqui. Aos 52 anos, o turismólogo formado pela PUCRS fala com amor e entusiasmo sobre o lugar que o acolheu há quase 30 anos atrás.
Natural de Bagé, ele chegou em 1994 a Caxias, em meio a uma das maiores nevascas já vistas na cidade. Ao descer do ônibus, o jovem concursado da extinta CRT escorregou na neve e caiu. Bem-humorado, achou graça do tombo e se divertiu caminhando sobre o chão congelado.
— Eu fiquei maravilhado com aquela neve. Pensei: vim para o lugar certo. Eu amo esse lugar onde eu fui acolhido. Tenho prazer em vender esse lugar, mesmo diante de todas as dificuldades. Sei que temos muito a fazer, mas a gente vai fazer. Caxias ainda vai ser a menina dos olhos do turismo na região — declara.
A lente otimista com a qual enxerga o mundo vai de encontro ao discurso enraizado na cidade de que, por aqui, não há atrativos turísticos.
— Às vezes, o próprio caxiense acaba não conhecendo a cidade, então acha mais fácil dizer que não tem turismo. E isso me revolta muito, porque nós temos turismo, sim. Talvez não tenhamos o conhecimento de tudo aquilo que nós temos como proposta, como oferta dentro de Caxias do Sul
Para contornar a falta de informação, um dos projetos da secretaria é a criação de uma plataforma digital, com site e aplicativo para celular, permanentemente atualizado com as atrações locais, onde o usuário possa montar roteiros personalizados.
— Hoje em dia, todo mundo tem celular. Aquele que tem mais noção e que quer buscar ali uma alternativa, com esse guia faz a sua rota, pode escolher um museu, depois uma vinícola, uma cervejaria, vai no Château Lacave, depois nos Morangos Hidropônicos. Vai no interior de Galópolis, de Ana Rech, no Vale Trentino. Quer cultura gaúcha, vamos a Criúva. Tem o entretenimento noturno, que é um potencial turístico e nenhuma cidade da região bate — enumera.
A ideia do aplicativo foi uma das 25 ações que Enio deu início ao longo dos 11 meses em que esteve à frente da pasta de Turismo durante o governo de Flávio Cassina. Em meio à pandemia, buscou manter aquecido um dos setores mais afetados pela crise, criando projetos como Visite nosso Quintal, de incentivo a roteiros no interior. Lançada em setembro, a ideia já faz com que alguns empreendimentos tenham agenda repleta de visitações, de segunda a segunda.
Defesa pela posição estratégica da cidade
Embora cite exemplos de cidades turísticas da região, Enio defende que não haja concorrência entre os municípios, mas que cada um aposte no próprio potencial, tornando a Serra gaúcha ainda mais atraente como destino turístico.
— Quando você vai na Europa, não visita um único país, mas vários que estão no entorno. Você não vai fazer uma viagem para conhecer um único lugar. Esses dias uma pessoa de Santa Catarina ligou para a secretaria perguntando por que permanecer em Caxias. Eu disse que, além de termos uma diária de hotel menor, estamos no centro, no coração da Serra, que inclusive te permite vir de avião. O turista que vem e paga para fazer turismo e lazer não avalia o preço. Ele quer fazer o aéreo, quer sair da sua cidade e descer no destino. Mas, para ele permanecer, precisa ser acolhido pela comunidade
Para envolver a população no processo, além de treinamentos com profissionais de áreas estratégicas, o secretário também quer implantar as noções de turismo nas escolas.
— Precisamos atentar para isso na base. Caso contrário, seremos cidadãos caxienses perdidos no espaço, cheios de ofertas turísticas, abrindo a boca e dizendo que não tem. Quem diz que não tem turismo, não conhece a sua casa. Nós temos que trabalhar também de dentro para fora. Precisamos encantar. Turismo é a arte de encantar. No que depender de mim, será o nosso lema. Que as pessoas sintam amor por Caxias e que a gente possa encantar quem nos visita.
Atenção ao setor de eventos
O secretário também pretende dar atenção ao segmento de eventos. Além de criar uma lei de incentivos fiscais, a secretaria busca flexibilizações que atendam o setor durante a pandemia.
— Os profissionais estão clamando por uma oportunidade. E eu creio que é possível, sim, que eles sejam realizados dentro dos protocolos daquilo que é exigido. Se tem um casamento que não pode acontecer com uma festa, mas uma missa pode acontecer com os devidos afastamentos. Um casamento também é uma reunião religiosa. E depois se os convidados se dirigirem para um restaurante aonde vai acontecer a festa que vai se adequar ao funcionamento do restaurante, o casamento está realizado. Talvez não possa uma banda, mas um músico tocando sax, por exemplo, é mais um profissional que a gente consegue contemplar. A pessoa da decoração, o florista, são vários profissionais e a gente não pode virar as costas. Esta também é uma bandeira nossa — afirma.
Desafios da pasta
- Elaborar um Plano Municipal de Turismo: "O que nós temos contempla de 2018 a 2022, mas é completamente desatualizado. Precisamos de algo que avance e esteja alinhado com o plano nacional. "
- Conquistar o Selo Mais Turismo: "Com o Plano Municipal de Turismo alinhado, a gente consegue ir em busca da certificação que permite ações em buscas de recursos para a área. É concedido pelo Ministério do Turismo e inclusive algumas cidades até menores já têm, como por exemplo, São Francisco de Paula. Não que ela não deva ter, mas com o nosso potencial também já poderíamos ter também."
- Elaborar e implementar um plano de marketing: "Que seja moderno, eficaz e no contexto pós-pandemia. Hoje dependemos do apoio 100% da prefeitura, não temos dentro da secretaria uma área ou profissional que desenvolva essas ferramentas como reformular os materiais de mídia, folheteria, vídeos. Não temos um vídeo institucional, exceto um que fizemos com recurso próprio, alguma coisa um pouco mais amadora, mas Caxias merece algo com profissionalismo, onde a gente possa realmente mostrar a grandeza que ela tem."
- Ter um calendário de feiras e eventos: "Em que o município participe naqueles que existem na região, mas também um calendário atualizado e não só ter três ou quatro atrações anuais. É impossível ter um calendário tão pobre, tão simples, se a gente tem tanta coisa para fazer e tantos segmentos que promovem eventos. E também precisamos participar de feiras importantes do setor para vender Caxias como destino. "
- Ampliar a relação com o trade turístico, empreendedores e investidores da iniciativa privada: "Para isso é necessário reuniões, seminários, chamamentos, audiências públicas, todo e qualquer instrumento de participação democrática. Um exemplo é a parceria com o Sicredi, com quem vamos instalar, nas quatro principais entradas da cidade, dando as boas vindas, com um coração em formato de uva, sem nenhum custo para o município."
- Capacitar atores que se envolvem com a cadeia do turismo: "Através da promoção de cursos, palestras e workshops. A gente fez recentemente com o aeroporto, desde a pessoa que trabalha no balcão de atendimento até a equipe da limpeza, porque estão trabalhando no local onde chega o turista. Está na hora de Caxias saber vender, seja trabalhando em um hotel, um restaurante, um taxista ou um frentista, é preciso que sejam qualificados, recebendo noções de turismo, pelo menos aquilo que é o mais importante, poder indicar algum lugar, para que a gente não peque em indicar para comer em Flores da Cunha. Nada contra Flores da Cunha, mas quando a gente conhece melhor a nossa cidade, sabemos que temos muitas opções aqui. "
- Concessão de incentivos fiscais: "Já tramita na Procuradoria Geral do Município uma lei de incentivo ao turismo, com concessão de incentivos fiscais às empresas que são ligadas à área e que promovem eventos. Não podemos esquecer que foi o setor mais afetado pela pandemia. Evento também é turismo porque atrai pessoas de fora e movimenta a economia, com estadia de hotel, refeição, algum passeio que a pessoa faça."
- Apoiar novos negócios, melhorias e inovação: "Por meio do programa Investe turismo, uma parceria entre Ministério do Turismo, Sebrae e Embratur."
- Ampliar orçamento para a Semtur: "É um clamor que a gente faz. Hoje nós temos uma das secretarias que menos recebe investimento, que já teve orçamento de quase R$ 4 milhões em outras épocas. É claro que a prioridade é saúde, nós temos a plena convicção disso, mas se o turismo quer ser visto como algo que sirva para o desenvolvimento da cidade, não pode ter um orçamento tão escasso. Nós arrecadamos, o turismo tem que receber investimento porque os serviços de hospedagem, gastronomia, transporte, geram tributo para a cidade e a gente precisa que parte desta verba retorne para que esse setor realmente tenha o valor devido. Para este ano, o orçamento é R$ 1 milhão, inclusive para pagamento de funcionários."
- Melhorar quadro de pessoal da Semtur: "Nós temos um quadro de pessoal que não é compatível com o desafio de tornar Caxias do Sul um destino desejado. Eu não estou aqui jogando pedra na minha casa, estou fazendo um clamor para que haja esse entendimento. Trabalhamos de oito a nove funcionários incluindo administrativo, motorista. Nós precisamos de um corpo técnico. Eu sou turismólogo e a gente sabe que quando tem profissionais da área ou que tenham alguma ligação com o turismo as coisas acontecem de uma forma melhor. Seria o mesmo que eu querer atuar na área do meio ambiente e fazer engenharia. Eu vou me perder."