Carro, ônibus, bicicleta: quando se fala em mobilidade urbana é comum associar o tema a um meio de transporte. No entanto, para o coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Caxias do Sul, Pedro Inda, o ponto central do assunto não é o meio, mas quem o utiliza, já que o conceito está relacionado à capacidade que a cidade tem de levar as pessoas até onde elas precisam. Para ele, o desafio está em priorizar a pessoa, não necessariamente a maneira como ela vai se locomover pela cidade. Por essa lógica, ele destaca que o foco inicial da discussão sobre mobilidade deveria estar nos passeios públicos — onde todas as pessoas que se movimentam em uma cidade, seja de carro, de bicicleta ou a pé, vão passar em algum momento.
— Se o passeio não tem uma qualidade mínima de estrutura, sombreamento, iluminação, e se tu não tem nada de interessante para olhar ao longo do percurso, não tem transporte coletivo ou individual que te dê uma boa mobilidade, porque seja o meio que for, o trajeto começa e termina por ali — destaca o professor das disciplinas de planejamento urbano do curso.
Inda relembra que é natural que haja uma prioridade ao transporte individual nas cidades brasileiras já que, ao longo da estruturação do sistema de mobilidade, a partir da década de 1940, o carro se tornou o grande vetor de desenvolvimento econômico do Brasil, que apostou na indústria automobilística como forma de transição entre um país agrário para um país industrial.
— Isso faz com que a estrutura se volte ao carro, com bons espaços para estacionamento, o sistema viário prevendo que o carro ande com mais rapidez, até uma questão de status, em que o carro identifica teu padrão econômico. Isso vai criando toda uma narrativa ao longo das décadas que vai te dizendo para comprar um carro porque vai ser melhor. Isso contribui para deixar o ônibus em segundo lugar, já que ele fica com o espaço que sobra, a parada que é feita de qualquer jeito, quando tem parada — complementa.
O professor menciona que tornar o transporte coletivo preferencial, como costuma ocorrer na Europa e nos Estados Unidos, é um processo mais fácil quando as cidades são mais antigas, onde a estrutura já foi feita para pedestres, antes da popularização dos carros.
— Faz mais de 50 anos que no Brasil as cidades ficaram muito confortáveis para o carro. Mudar esse paradigma é a grande dificuldade. Algumas cidades conseguiram fazer isso recuperando estruturas para os pedestres, que já existiam, e limitando o uso dos carros. Aos poucos, a população foi se ajustando.
Falta de continuidade na raiz do problema
Inda afirma que a precariedade dos passeios públicos está relacionada a um hábito enraizado na cultura do brasileiro, de colocar projetos em funcionamento antes da conclusão, assim que eles atingem a mínima funcionalidade. Nesse processo, inaugura-se a casa ou o prédio assim que ela for habitável. A calçada fica para depois, que às vezes nunca chega.
— Não são concluídos os passeios, a arborização, toda a infraestrutura onde o pedestre caminha, onde as coisas se tornam agradáveis ou não. Nós, como sociedade, precisamos começar a nos preocupar com aquilo que não é apenas a minha parte interna, privada, mas a minha parte que compartilho com os demais, que é o conceito de civilização.
Essa falta de continuidade, em uma proporção maior, está no centro dos problemas de mobilidade das grandes cidades brasileiras, segundo o Inda. Ele cita que Curitiba só é destaque na área porque o projeto do arquiteto e urbanista Jaime Lerner foi desenvolvido ao longo dos anos, mesmo com a troca de governos. E menciona as estações de transbordo do transporte coletivo de Caxias, que começaram a ser implantadas no governo de Pepe Vargas, continuaram com José Ivo Sartori, mas foram abandonadas após o fim do governo Alceu Barbosa Velho.
— Era um modelo bem atual, que a gente nunca conseguiu ver ele funcionando de fato. Não vou dizer que o projeto era perfeito, mas a gente nem tem como avaliar porque ele nunca foi concluído. A gente tem capacidade de fazer coisas ótimas no país. A nossa falta de capacidade talvez seja essa, de terminar o que a gente começa.
Inda destaca que, além da necessidade de concluir projetos, é preciso encontrar equilíbrio:
— Claro que a mobilidade precisa ter um bom sistema de transporte público, tem que permitir que o carro também circule, não pode ser proibido. Quando as coisas ficam muito radicalizadas elas perdem o sentido. São boas para debater, mas não são práticas. Mas também não pode ser como tem sido até hoje, que a gente só pensa em mais asfalto e mais espaço para carro.