Entre as situações aceleradas pela pandemia de coronavírus, a crise do transporte coletivo no Brasil foi uma das que ficou mais evidente, segundo o pós-doutor em Engenharia de Transportes Emilio Merino. Para ele, a queda gradativa no número de passageiros é um processo irreversível, resultado de uma série de fatores, como o preço da tarifa, a falta de planejamento e a falta de inovação, que compõem o que ele chama de "morte anunciada do transporte coletivo". A consolidação do transporte por aplicativo, o surgimento de bicicletas elétricas e outras alternativas agravaram ainda mais o problema.
— Antes da pandemia, o problema do transporte coletivo já estava por explodir. Com a pandemia, ficou evidente o problema gravíssimo que necessita de uma solução imediata e precisa ser encarada com muita seriedade pelo poder público. Se o poder público não interferir, não há luz no fim do túnel — sentencia o especialista, que é membro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo e conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil.
O cenário não é diferente em Caxias do Sul, onde a média mensal de passageiros que utilizam o transporte coletivo caiu 50% em relação a 2010, segundo a Visate. A concessão do serviço, que a empresa detém desde 1986, passa por um novo processo de licitação, a ser concluído até maio, quando termina o contrato que já foi prorrogado. Merino destaca que transportadores são uma categoria unida, que dificilmente disputa editais em áreas já consolidadas por outros operadores. O que, segundo ele, não é um problema, já que é importante ter um operador que conheça o sistema. Sendo assim, o processo licitatório deve ser aproveitado para ajustar as necessidades.
— O êxito estará em saber negociar aquilo que a cidade precisa. Nesse momento o prefeito precisa ser um baita negociador, porque os interesses são conflitantes: o usuário quer o melhor serviço ao menor custo, e o operador quer a melhor margem. O poder público tem que atuar não apenas tecnicamente, mas ter em vista sua função social de mediar um pacto pela mobilidade entre esses atores sociais — explica o especialista, lembrando que o usuário foi deixado de lado dessa equação enquanto não havia opção, mas destacando que hoje a realidade é outra.
Para Merino, é preciso discutir a fundo qual o transporte coletivo que Caxias quer para os próximos anos e, principalmente, conhecer plenamente a necessidade de quem utiliza o serviço. Segundo ele, é necessário ouvir o público — usuários e potenciais usuários — para saber o quanto se está disposto a pagar, qual deve ser a lotação tolerável, como devem ser as paradas de ônibus, quais são os trajetos mais úteis, por exemplo.
— Precisa ser feito um estudo bem minucioso da demanda que estabeleça indicadores realistas para Caxias, com respeito às peculiaridades da cidade. Caxias é sempre um estudo de caso diferenciado. Existe uma realidade que é mais fácil extrapolar de Porto Alegre para Pelotas, Santa Maria, por exemplo. Mas Caxias tem suas peculiaridades, sejam geográficas, sejam de comportamento dos usuários.
Merino menciona estratégias como viagens sob demanda, descontos progressivos conforme a quantidade de passagens adquiridas, tarifas diferenciadas fora do horário de pico e novas modalidades integradas como alguns dos benefícios que podem atrair novamente os usuários para o serviço. Além disso, ele cita que, com uma das maiores fabricantes de ônibus no mundo com sede na cidade, o transporte público de Caxias poderia ser um grande laboratório de tendências para a Marcopolo, através de um convênio com o poder público, para que a modalidade pudesse ser tão atrativa ao ponto de virar primeira opção.
— Só com um bom serviços vamos conseguir recuperar usuários. Se o passageiro puder pagar praticamente o mesmo valor por uma corrida de aplicativo sem precisar subir três andares de escada praticamente um caminhão, para subir no ônibus, por exemplo, ele vai pagar. Atrair um grande público, inclusive de classe média, é um caminho que a prefeitura vai ter que começar a planejar — indica.