Conceição da Linha Feijó, na Estrada da Uva, no bairro Desvio Rizzo, em Caxias do Sul, é uma típica comunidade do interior: com belas paisagens, silêncio e tranquilidade. Contudo, ao longo dos anos, os moradores viram o cenário em que vivem mudar ao ser tomado por visitantes durante os finais de semana, principalmente, aos domingos. No local, há a famosa Gruta em Louvor à Nossa Senhora de Lourdes. Inaugurada em 11 de fevereiro de 1943, em rochedo, onde há uma cachoeira, às margens do Arroio Belo. Os moradores se queixam das aglomerações, e ainda mais da baderna e sujeira que os frequentadores têm deixado na localidade.
A comunidade foi, inclusive, alvo de fiscalização no domingo (13) devido ao número de pessoas que estavam no local durante a Operação Dispersão. Para chegar até a gruta, onde fica a parte de baixo da cachoeira, é preciso seguir por um trilha que passa por propriedades particulares, sendo que uma das casa está ao lado do acesso. Ou seja, os visitantes passam por dentro do jardim da moradia. Antes de acessar a rampa que leva à gruta, um aviso pede que os visitantes usem máscara. Outra placa indica o horário de visitas das 8h às 18h e solicita que não sejam feitas oferendas ou deixado lixo no local. O caminho segue e mais uma placa pede respeito ao espaço.
Perfil dos visitantes mudou nos últimos anos
Antes a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes recebia pessoas que estavam em busca de momentos de fé, oração e religiosidade. Ao longo dos anos, o perfil dos visitantes mudou e isso tem incomodado os moradores. Eles têm a identidade preservada, e estão cansados do descaso da população com o local:
— Era um lugar sagrado e agora tudo mudou — lamenta uma moradora.
Outro vizinho complementa:
— Estamos vivenciando um momento novo com relação ao lugar onde moramos. Antes quem frequentava a Gruta eram pessoas levadas pela fé até o local. O que está acontecendo nos últimos anos, principalmente em período de verão, é que um número excessivo de pessoas desce lá. Não somente com o objetivo de visitação ou peregrinação como era, muitos acampando, jogando lixo na natureza, bebendo e fazendo baderna, com equipamentos de som.
Quando os visitantes vão embora ficam para trás garrafas plásticas e de vidro, latas de cerveja e refrigerante, caixas de cigarro, embalagens de comida e sacolas.
— Sempre teve movimento, mas eram pessoas que desciam até a gruta para rezar, agradecer, ficar em tranquilidade. Agora aos domingos, principalmente, vem muita gente. Eles fazem churrasco, tem caixas de cerveja, cadeiras, som alto e tomam banho no rio, que nem é próprio para isso — conta outra vizinha.
Outra pessoa da localidade conta que não respeitam o horário, não usam máscara, não há estrutura e as pessoas consomem bebida alcoólica e entorpecentes:
— As pessoas não vão lá rezar. Virou um balneário. Descem de biquíni, com boias, rádio a todo volume e gritando. Os carros na estrada de acesso ficam impedindo o acesso de quem vive ali. Não usam máscaras e colocam os moradores, que acabam não saindo de casa, em risco.
Para manter a limpeza do espaço, os moradores têm contratado alguém para recolher o lixo.
— Assim como vem gente boa, vem quem quer baderna. Eles não usam máscara, fazem barulho e isso tem nos incomodado porque moramos em um lugar tranquilo e vira uma baderna. Eles vão embora e deixam para trás um rastro de sujeira — afirma uma moradora.
Outra vizinha lamenta a destruição do espaço:
— Tem tanto lixo que numa das vezes encheu um caminhãozinho com o que eles deixaram de sujeira.
Os moradores tentaram controlar o acesso com uma cancela:
— No inverno conseguimos limitar um pouco, mas agora fica impossível. É muita gente e, às vezes, nem conseguimos chegar até as casas porque tem carro por tudo. Não queremos fechar o acesso, apenas que saibam estar na natureza sem danificar o local em que vivemos.
Outro morador ressalta que tentam manter o espaço limpo, mas estão perdendo o controle:
— A segurança é a própria sorte. Temos que com nossa iniciativa manter a roçada, o arroio livre do lixo, bem como toda a área ao redor.
Ele conta ainda que os moradores promoviam eventos para arrecadar recursos, mas em função da pandemia não têm conseguido fundos para manter o espaço:
— Não tem surgindo muito efeito nos últimos tempos. Pois, é muito lixo e entulho, mato crescendo que precisa de manutenção constante. Os acessos onde o pessoal estaciona, onde fazem churrascos e ficam resíduos, está nós deixando chateados.
Os moradores cobram ações do poder público:
— Não temos um apoio do poder público que nos assegure uma coleta de lixo, por exemplo. Temos que buscar junto a alguma secretaria do município um olhar mais atento a esse espaço tão bonito dentro da nossa cidade mas, que não está tendo o devido cuidado. Precisamos de uma alternativa de acesso, manutenção da área, bem como segurança.
O que diz o município
No setor de Topografia a área pertence ao Desvio Rizzo, no entanto, como está na divisa, quem responde pelo espaço onde está a gruta é a subprefeitura de Forqueta. Na subprefeitura do Rizzo, a informação foi que os moradores teriam que procurar o Alô Caxias para solicitar providências em relação ao acesso à Gruta. Até o momento, não chegou até a subprefeitura nenhuma demanda referente ao assunto. A subprefeitura de Forqueta também foi procurada pela reportagem, e afirma que ainda não foi contada sobre as revindicações da comunidade. Nesta segunda-feira (14), uma moradora da localidade abriu um protocolo pedindo providências no Alô Caxias.
Aglomerações
Denúncias levaram a equipe de Fiscalização do município à Gruta de Conceição da Linha Feijó no último domingo. Nem mesmo o tempo chuvoso impediu a concentração de cerca de 100 pessoas no espaço. Segundo os moradores, quando o tempo está ensolarado em torno de 300 pessoas frequentam o local aos domingos. Os fiscais dispersaram o público.
O diretor de Fiscalização da Secretaria de Urbanismo (SMU) de Caxias do Sul, Rodrigo Lazzarotto, lembra que mesmo que a equipe tenha sido ampliada com reforço de fiscais do Meio Ambiente e da Saúde, o efetivo não consegue atender ao número de denúncias:
— Recebemos um número gigante de denúncias, e fazemos preventivas naqueles locais que sabemos que tem registrado aglomerações. Mesmo com reforço temos um número bem reduzido perto do que a gente precisaria ter.
Ele afirma que se as aglomerações na Gruta forem recorrentes os fiscais devem voltar ao local
— Recebemos até 30 denúncias por hora no Alô Caxias e agora que temos whats para denúncia é um número absurdo, impensável de mensagens, por minuto e nem conseguimos ler todas, quanto mais atender. Temos feito triagens das denúncias que mais se recebem e de locais que parecem mais graves. Claro que se esse local voltar a ter denúncias em série voltamos ao local — ressalta.
Como denunciar
De segunda a sexta-feira, das 7h30 às 18h15, a comunidade denuncia o descumprimento das regras pelo Alô Caxias, telefone 156. À noite e nos finais de semana, a população pode denunciar via o número WhatsApp 98418-7594 (apenas mensagens). A comunidade também pode ligar para o 150 ou preencher o formulário eletrônico Vigilância do Cidadão. Denúncias sobre festas particulares com mais de 10 pessoas devem ser feitas a Brigada Militar (BM) pelo 190.
História da Gruta
A história da Gruta, conforme relatado pelo jornalista Rodrigo Lopes da coluna Memória começou em março de 1942, quando o procurador da República Alceu Barbedo visitou à usina hidrelétrica de Luiz Rossato, um dos moradores de Conceição da Linha Feijó. A usina fornecia energia elétrica para São Marcos da Linha Feijó, e os restos do espaço ainda podem ser visto na beira do Arroio. À época, segundo os registros preservados pela comunidade, Barbedo profetizou: "Este rochedo, local admirável e poético, é mesmo um lugar próprio para se fazer uma gruta, por ser tipicamente natural".
A ideia foi aceita pelo reverendo Frei Félix e pelo então primeiro bispo de Caxias do Sul, Dom José Barea. Meses depois, em dezembro de 1942, a seca assolou praticamente as lavouras da região. Os moradores se unirão e promoveram uma série de melhorias no entorno da gruta, além de erguer uma espécie de altar em homenagem à santa. Os trabalhos foram acelerados após a posse do novo vigário da paróquia, Frei Paulino, em 31 de janeiro de 1943. A inauguração aconteceu em 11 de fevereiro daquele ano, durante a Festa de Nossa Senhora de Lourdes.
Conforme registros históricos da paróquia da localidade, uma romaria de fieis compareceu em torno da fonte de água benta naquele 11 de fevereiro de 1943. Desde então, o local é ponto de visitação, peregrinação religiosa, pedidos de graças e agradecimentos a Nossa Senhora de Lourdes e a Santa Bernadete.