— A partir do momento que se fala em pandemia associamos que se deve evitar aglomerações e pronto! Certo? Vidas estão indo diariamente e essa nossa rotina já vai completar um ano. E ainda tem pessoas que não enxergam o problema. A logística aplicada não faz nenhum sentido. Por exemplo: idosos estão proibidos de sair de casa, crianças sem frequentar escolas, mas o público jovem pode aglomerar na Serra aos finais de semana. Então, fica difícil entender..."
O relato acima é de uma moradora do Centro de Gramado, que tem a identidade preservada. Ela se refere às aglomerações no município, que é um dos principais roteiros turísticos da Serra. O flagrante mais recente ocorreu no último domingo (6). Imagens feitas por um morador da cidade mostram a Rua Coberta lotada. Os turistas estão próximos, alguns sem máscara, em um momento em que o Governo do Estado endureceu medidas para combater a disseminação do coronanavírus.
A turismóloga e professora de inglês, de 40 anos, conta que a intensa circulação de pessoas impacta a rotina de quem vive na cidade:
— Nós, moradores, abrimos mão de muita coisa para nos preservar, enquanto isso os turistas do Brasil inteiro vem para a Serra desfrutar, aglomerar, e fazer o vírus circular, como se tudo estivesse normal. Quando, na verdade, estamos longe do normal — indigna-se ela.
O sentimento é o mesmo de uma comerciante. Os moradores pediram anonimato, porque dependem do turismo para manter a economia da cidade, mas ao mesmo tempo temem pela saúde de quem amam:
— Com hotéis, restaurantes e espaços públicos lotados, Gramado parece estar imune ao coronavírus. Só quem vive aqui sabe o pavor que é sair de casa. A Rua Coberta e a Rua Torta devem ser espaços onde o vírus não circula pela quantidade de pessoa grudada uma na outra — diz uma comerciante de 39 anos.
O sentimento é o mesmo de quem trabalha diretamente com turismo na região. Uma guia de turismo, de 50 anos, mora em Canela, mas circula com frequência em Gramado:
— Tentamos respeitar os protocolos, mas sabemos que muitos não respeitam as medidas. Falta consciência do turista. É rotineiro ver os visitantes sem máscaras para fazer fotos. É só uns segundos? É, mas não pode tirar. Respeita o morador da cidade. Se tiver conscientização e cuidado com o outro não precisa fechar nada, mas tem que ter essa mudança de comportamento de todos.
Um motorista de 29 anos, que trabalha com turismo, diz que se sente inseguro. Ele transporta passageiros de Porto Alegre para Gramado, e vice e versa. Para ele, a cidade não pode parar, mas é preciso intensificar a fiscalização.
— Querendo ou não, estou na linha de frente, arriscando levar esse vírus para dentro de casa. Tomo todos os cuidados, como medir a temperatura dos passageiros, uso de máscara e álcool gel, mas trabalho sempre com o frio na barriga, sabendo que um dia ou outro vou acabar pegando esse vírus. A cidade não pode parar, dependemos do turismo, mas falta fiscalização — desabafa.
Moradores restringem circulação
O movimento intenso de turistas acaba impactando a vida de quem vive na cidade. Um jornalista de 51 anos, morador do bairro Carniel, ressalta que não é contra a presença de turistas, mas acredita que é preciso aumentar a fiscalização:
— Não sou contra a vinda de turistas para cá, só que acho que as pessoas têm que se cuidar mais. O poder público tem que ter fiscalização nas ruas para as pessoas não saírem como se tudo já tivesse acabado.
Ele destaca que evita circular pela cidade em função das aglomerações.
— Os moradores restringiram bastante a circulação pela cidade, eles evitam de sair de casa. Eu vou de casa para o trabalho e volto para casa. No máximo, passo pelo mercado e deu, não fico mais andando pela cidade. Não vou para o centro de Gramado aos finais de semana, não vale a pena te expor ao risco, porque as pessoas não se cuidam, não adianta — relata o jornalista.
Uma comerciante de 23 anos, que mora no bairro Várzea Grande, afirma que a fiscalização não atua fortemente na cidade. De acordo com ela, basta circular pela cidade para ver turistas circulando sem máscara e, às vezes, até mesmo passando pela fiscalização.
— Quem trabalha com comércio precisa do turista, mas estamos dando a cara a tapa para o vírus. Me protejo, lavo a mão, uso máscara e álcool gel, mas estamos em contato diariamente com os turistas e sabermos que estamos correndo o risco de contágio, mas o que vamos fazer? — questiona a jovem.
Ela ressalta que em dias de chuva o movimento na Rua Coberta aumenta:
— É bom porque vendemos mais, mas ao mesmo tempo é muita gente circulando. Se estou de folga, não saio de casa, não vou ao Centro.
Para quem trabalha na hotelaria, o momento também é complicado. Um morador do Bairro Piratini, de 38 anos, relata que a cidade começa a lotar a partir da quinta-feira.
— Aos finais de semana, a maioria das pessoas vêm passar o dia, geralmente são da Região Metropolitana e da Serra. Muita gente mora nos condomínios e não vai onde tem muito movimento.
Para ele, as pessoas agem como se a vida estivesse normal:
— Acredito que o risco (de contágio) é altíssimo, mas as pessoas perderam o medo. Quem está em uma faixa etária até 40 anos não se preocupa mais. Percebo que a vida segue normal e que quem mora nos arredores da Rua Coberta não se importa, segue normal a rotina diária.
Aglomerações se tornaram frequentes
Aos finais de semana, Gramado tem registado aglomerações nos pontos turísticos. Ainda em agosto, o Gabinete de Crise implantou um sistema que emite alerta às autoridades municipais sanitárias e de segurança quando há aglomeração. Se o número for excedente a 320 celulares, o sistema dispara uma mensagem de texto para os gestores do Gabinete e a fiscalização é acionada. O cálculo é de que a cada quatro pessoas, três tenham celular. Então, 500 pessoas podem circular pelo espaços, sem ficar paradas por mais de três minutos.
De acordo com o gestor do Gabinete, Anderson Boeira, o alarme do sistema de monitoramento não disparou no último domingo (6), o que indica que as pessoas não tem ficado mais do que três minutos paradas nos locais. Ele disse ainda que não há muito o que fazer para controlar o movimento:
— Infelizmente, a gente não tem muito o que fazer, a não ser que fosse trancar os acessos da cidade. A gente não pode proibir que as pessoas venham até Gramado.
O que diz o prefeito eleito de Gramado
Nestor Tissot (Progressistas) foi eleito prefeito de Gramado para os próximos quatro anos. Ele volta ao comando da prefeitura depois de quatro anos, sendo que já administrou a cidade entre 2008 e 2016.
Tissot tem 62 anos e enfrentou o coronavírus durante a campanha eleitoral. Ele ficou oito dias internado na UTI do Hospital Arcanjo São Miguel por conta da infecção pela covid-19. Por meio de nota, ele disse que a partir de janeiro todas as medidas tomadas pela atual administração, bem como o distanciamento adotado pelo governo do Estado, serão avaliados:
"Gramado têm no turismo sua principal fonte de renda, são 85% do Produto Interno Bruto. Será preciso equalizar nossa economia com a saúde. Obviamente, todas as vidas são importantes, e por ter passado um período internado em virtude do coronavírus tenho ciência da necessidade de um sistema público de saúde forte e eficiente. Tenho deixado claro que não faltarão recursos na área da saúde, porém preciso também lamentar as inúmeras empresas que tiveram suas portas fechadas em virtude da pandemia. Algumas ainda agonizam financeiramente. Com relação as aglomerações registradas em principais pontos turísticos, cabe ao poder público manter o distanciamento controlado, conciliando economia e saúde."