Ao chegar ao Fórum, a primeira mudança foi percebida do lado de fora. Por volta das 12h45mim desta quarta-feira (23), as portas ainda estavam fechadas. Os jurados ingressaram por uma entrada lateral, já que apenas às 13h o espaço abriria para o público. Assim que se identificavam, tinham a temperatura medida e passavam álcool gel nas mãos, antes de passarem pelo detector de metais. A audiência do réu Jhonatan Lucas da Silva Fragoso de Lemos, 21 anos, foi a primeira em Caxias do Sul desde o dia 9 de março, quando a pandemia começava a parar o país. Às 17h40min, ele foi condenado a nove anos de prisão por tentativa de homicídio em novembro de 2018.
Na sala do júri, o espaço destinado aos jurados ganhou duas mesas para que fosse respeitado o distanciamento físico de cerca de dois metros. O juiz Sílvio Viezzer estava na sala, de máscara, pouco antes das 13h. Logo em seguida, também de máscara chegou o defensor público Cláudio Luiz Covatti. O promotor João Francisco Ckless Filho foi o último a ingressar na sala.
Nas cadeiras disponíveis ao público, fitas amarelas marcavam os pontos onde não se podia sentar. Três pessoas ocupavam cada fileira para manter o distanciamento necessário. Contudo, em razão da pandemia, o julgamento não foi aberto ao público.
Às 13h13min, o juiz cumprimentou os 26 jurados convocados e, em seguida, começou o sorteio. Dezessete minutos depois, os sete titulares - seis homens e uma mulher - foram selecionados e ocuparam o espaço destinado ao júri. Na primeira mesa ficaram três jurados e, na segunda, quatro. Em cima de cada uma estavam protetores faciais e tubos de álcool gel.
O julgamento também não contou com a presença de nenhuma testemunha.
O JULGAMENTO
Réu do processo, Jhonatan de Lemos ingressou na sala às 13h34min. Usando máscara, ele foi conduzido por um agente penitenciário da Susepe que também usava máscara e estava de luvas pretas. Lemos, que está no presídio desde novembro do ano passado, acusado de tentar matar um rapaz em novembro de 2018 motivado por uma dívida de R$ 9 relativa ao consumo de drogas, sentou atrás da mesa do defensor, em respeito às medidas sanitárias.
Às 13h41min, começou o interrogatório do réu. Ele alegou que é de São Miguel do Oeste (SC) e veio para Caxias do Sul para trabalhar na colheita de maçã. Afirmou, também, que no dia do crime não estava na cidade.
- Não tenho envolvimento. Não conheço essa pessoa, eu não estava em Caxias.
A vítima, cuja identidade é preservada pela reportagem, não foi localizada durante as diligências e não compareceu ao julgamento. A tentativa de homicídio, segundo a denúncia envolve três membros de uma facção criminosa. O ataque aconteceu na noite de 3 de novembro de 2018, quando um rapaz foi atraído para uma praça no bairro Jardim Eldorado e alvejado com diversos tiros. Gravemente ferido após ser atingido por seis tiros, a vítima conseguiu fugir correndo e procurar atendimento médico.
Ele foi ouvido por policiais no dia seguinte, ainda no hospital, e apontou Lemos como o atirador. Segundo o relato, o réu contou com o apoio de Denovan Shwank Esteves para o crime. Esteves foi assassinado cinco dias depois. Segundo a Delegacia de Homicídios, foi o próprio Lemos que matou Esteves. Quando foi preso, o investigado teria confessado aos policiais este homicídio e alegado que o motivo foi um furto de um botijão de gás.
O júri também foi a estreia do promotor João Francisco Ckless Filho, em Caxias do Sul. Ele veio de Passo Fundo, onde também atuava na Promotoria do Júri, no dia 4 de agosto.
O promotor questionou porque o réu admitiu ter matado Esteves. Ele alegou que foi obrigado pela polícia a confessar o crime. O promotor pediu que o réu mostrasse se tem tatuagens no corpo. Em seguida, passou dois vídeos que estariam no celular de Lemos. Ele seguiu negando envolvimento no crime.
O defensor público questionou onde estava o réu e quando ele chegou à Caxias. Ele alegou que chegou três dias depois do crime, sem ter como provar a alegação. Às 14h04min, o réu foi dispensado para que começassem as manifestações do promotor e do defensor.
PROMOTORIA X DEFESA
O promotor começou a fala agradecendo a acolhida em Caxias. Depois de um tempo, tirou a máscara, com a permissão do juiz, e manteve mais de dois metros de distância dos demais. Ele falou do novo normal que marca a retomada dos júris. Com máscaras, distanciamento e álcool gel. Em seguida, usando o quadro, o promotor detalhou a denúncia. Inclusive, o depoimento da vítima. Também narrou a morte de Esteves, cinco dias depois da tentativa de homicídio. Lemos também é denunciado por essa morte.
Os crimes foram similares. Esteves foi levado para uma praça e executado. O crime foi filmado, e com as imagens, a policía chegou até Lemos, que havia sido identificado inicialmente como Carlos, que é irmão dele.
- Não vivemos mais o júri romântico. Enfrentamos a criminalidade. O réu disse que era amigo de Denovan, mais de uma vez, e confessou a morte do amigo. Amigo da onça.
Ele voltou a analisar as imagens, que foram mostradas à vitima e na qual ele se reconheceu no momento em que é baleado. O promotor lembrou de quantas vezes uma pessoa é presa e se identifica em nome de irmãos que não têm envolvimento com o crime.
- Não há dúvida que se trata do Jhonathan. O delegado que investigou o caso garante que o próprio réu disse que o irmão nunca veio a Caxias.
Para finalizar, o promotor falou da banalização da vida.
- Tentar tirar a vida de alguém é inadimissivel. Atirar por R$ 9 é repugnante e repulsivo. A vida não vale nada.
O promotor encerrou por volta das 15h24min. Durante um breve intervalo, as mesas foram higienizadas com álcool. O defensor público Cláudio Luiz Covatti iniciou a fala por volta das 15h37min. Assim como o promotor, optou por tirar a máscara. Ele abordou o número de processos prontos para o júri que atrasaram com a suspensão dos juramentos.
- Teremos trabalho por dois anos.
Sobre o caso, afirmou que não vai ao júri para questionar o trabalho de instituições como Brigada Militar, Policía Civil ou Susepe, mas há casos em que a conduta das pessoas precisa ser abordada.
- O promotor ressaltou que o MP defende a sociedade, mas o defensor público faz o mesmo. Defende a sociedade. A vida é o bem mais precioso, não há dúvidas disso, e a vida do réu também tem valor. A verdadeira luta pela vida tem sido travada na pandemia pelos pacientes e pelos profissionais de saúde que resguardam as vidas - lembrou ele.
Em seguida, ele voltou a abordar a defesa da sociedade e do público. O defensor mostrou um vídeo de 43 segundos para explicar a função da Defensoria Pública para demostrar que os profissionais seguiram trabalhando em meio à pandemia.
- É importante que no júri se tenha consciência que cabe à Defensoria defender. Mas, acima de tudo, fazer a melhor defesa dentro do que o processo permitir.
Covatti falou que todos são humanos e, como tal, tem falhas:
- Às vezes, a defesa vai chegar em situações contraditórias. O réu é um cidadão, mas confessou um crime. Vamos por partes. O processo é outro. Aqui é uma tentativa de homicídio. Vamos nos ater a esse processo? Se ele fosse de facção não teria um advogado acompanhando o processo?
O defensor admite que há elementos que não tem como rebater, como a arma localizada com o réu, mas lembra que Lemos alega que é inocente.
- Ele disse que chegou a Caxias dia 6 de novembro e que veio trabalhar na colheita de maçã.
Até por volta das 16h05min, a defesa seguiu o pronunciamento e o veredito saiu às 17h40min, com a condenação de Jhonatan.