Enquanto as forças políticas disputam a hegemonia na escolha das bandeira no Modelo de Distanciamento Controlado, segue aumentando o número de pessoas agendando a retirada de sua cesta básica na Fundação de Assistência Social (FAS). Apesar dos esforços de todos os setores da economia, seja com redução de jornada e salário, seja com a continuidade das atividades por vias remotas, vendas online e trabalhadores em home office, o desemprego segue aumentando.
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Em seis meses, Caxias do Sul perdeu 6.872 vagas, enquanto que o número de cestas básicas entregues pela FAS aumentou 10 vezes, chegando a 8.045 em junho. Em Caxias, há 24.130 famílias inscritas no Cadastro Único, do Ministério da Cidadania. Dessas, 8.732 recebem o Bolsa Família, que teve, nos últimos meses, o incremento do Auxílio Emergencial. Esse é o extrato de pessoas em vulnerabilidade social registrados de forma oficial. No entanto, há uma parcela que fica fora da estatística porque não está cadastrada.
— A vulnerabilidade social não se verifica apenas na falta do alimento. Muitos chegam até nós com dificuldades de pagar o aluguel, ou vem atrás de uma roupa, ou de um auxílio funeral, ou ainda um acompanhamento e orientação familiar. E as demandas não param de chegar — revela Ana Luiza De Bona Castelan Esquiam Viganó, diretora da Proteção Social Básica da FAS.
De economistas a sociólogos, de empresários a sindicatos trabalhistas, a pergunta que todos se fazem é a mesma: "Como sair desse cenário desafiador?" A resposta mais comum tem sido a reabertura gradual da economia, adotando as medidas de prevenção possíveis e já conhecidas. Tudo isso, claro, enquanto a vacina não estiver pronta. Mas há um espaço precioso entre a volta de todos os setores, com segurança sanitária, e a efetiva melhora das condições de vida da população. É nessa faixa que entram os programas e projetos sociais como forma de garantir as mínimas condições.
Em Caxias, há 33 entidades cadastradas na FAS fazendo a sua parte para aplacar as múltiplas necessidades que têm se acentuado. Mas há, para além dessa estatística oficial, um sem fim de pessoas que tem se dedicado a mudar a realidade do seu entorno. Um desses projetos solo, que encontra no percurso outras pessoas com sede e vontade de ver a vida do próximo melhorar, está a educadora física Liane Alt Seger. Em vez de perceber a necessidade apensa do seu filho, ela refinou seu olhar para o que era um problema e pensou em uma solução.
— Com sete meses, meu filho fez uma cirurgia cardíaca no Complexo Santo Antonio, em Porto Alegre. Foi ali que vi a primeira dificuldade das mamães em vulnerabilidade social. Depois de trabalharem o dia inteiro, elas tinham de voltar ao hospital para cuidar de seus bebês, que estavam na UTI. Eu vi que as enfermeiras se organizavam para doar roupinhas limpinhas, um sabonete e um shampoo. Vendo essa realidade, pensei então em montar um projeto social — conta Liane, 47 anos.
Neste sábado ( 1º agosto), o projeto Amor Perfeito completa dois anos. Não tem sede ainda e as roupas ficam em armários na casa de Liane. Lá são montados os kits com as roupas de bebê, em bom estado, lavadas e perfumadas, prontas para serem usadas. Liane gosta de frisar que são se trata de um projeto de assistencialismo, porque tem regras para participar do grupo.
— Temos recebido roupas, de doação, muito boas mesmo. As roupas são embaladas com cheirinho de bebê e estão prontas para serem usadas. Entre as regras, uma delas é que só atendemos um bebê por família, o que acaba por ser uma forma de educar as mães com relação a ter mais filhos. Outra coisa bem importante, elas têm de devolver as roupas nas mesmas condições em que eu entreguei a elas. Por incrível que pareça, nesse período de dois anos, eu só tive dois casos de pessoas que não devolveram as roupinhas — revela Liane.
Carentes de amor
Para participar do projeto, é preciso fazer contato por meio do Facebook, na página Projeto Amor Perfeito. A partir desse primeiro contato, Liane e as demais voluntárias que auxiliam o projeto fazem uma avaliação com cada família. Nesses dois anos, Liane tem percebido que, para além das roupas, grande parte das mães precisa é de atenção, cuidado e orientação.
— Eu percebo que elas querem se abrir, querem conversar. As mães são carentes de informação, carentes de tudo. São carentes de amor. Algumas delas são até mães solteiras e não tem suporte nenhum. É por isso que não fazemos assistencialismo. Não é só doar a roupa e deu. Antes da pandemia, eu estava organizando para dar a elas alguns cursos profissionalizantes, e vamos retomar essa ideia depois que tudo isso passar — explica Liane.
Receber e doar
O princípio básico do projeto Amor Perfeito é receber e doar. Ou seja, quem recebe o kit com as roupinhas o devolve quando não servirem mais ao seu bebê, para que outra mãe possa utilizá-las. E haveria outra forma de se explicar de forma mais prática o amor perfeito, que é baseado em dar e receber? É por isso que Liane conduz a cada uma das que se beneficiam do projeto a doar-se para ajudar o próximo.
— Uma das regras do projeto é que elas têm de participar de obras sociais. Claro que no momento isso não tem sido possível. Mas já fizemos socialização em escolas, mesmo em bairros mais humildes, que é onde grande parte mora. Quero movimentar essa população, não só doar algo e virar as costas, mas estimular a que cada um faça a sua parte. Muitos me dizem assim: "Quero ajudar, mas não sei como." Os que me perguntaram sobre isso, coloquei no projeto para me ajudar. Tenho certeza de que há muitos em Caxias com esse mesmo desejo — diz, esperançosa.
COMO SE INSCREVER NA FAS
As famílias que precisam de atendimento devem fazer o agendamento no Centro de Referência de Assistência Social, da FAS. Informações podem ser obtidas pelo telefone da unidade de atendimento em cada região da cidade:
Centro - (54) 3027-5948 ou (54) 3028-3209
Norte - (54) 3901-1591 ou (54) 3901-1484
Sul- (54) 3029-2923
Leste - (54) 3028-3955
Oeste - (54) 3901-1492 ou (54) 3901-1480
Sudeste - (54) 3901-1487
PROJETO AMOR PERFEITO
Entrar em contato por meio da página na rede social.
Educar é ferramenta de transformação social
A professora caxiense Josiane Guimarães dos Santos dá aulas para jovens e adultos em cursos da Faculdade e Escola QI. Trabalhava em Caxias do Sul, mas foi convocada pela empresa a lidar com turmas mais difíceis e com alto índice de evasão, na região Metropolitana de Porto Alegre. Sua habilidade, não apenas técnica, mas com afeto, que procura entender os anseios e preocupações dos alunos, tem se mostrado eficiente em manter mais jovens em sala de aula. Com olhar de pesquisadora inquieta, ela resolveu realizar uma enquete com os alunos.
— Fiz a pesquisa com intuito de trazer dados mais próximos da realidade vivida pelos meus alunos. Eu queria saber a situação deles, como estava o cenário comportamental sob o aspecto financeiro nesse advento da pandemia. Queria saber quantos haviam sido desligados ou suspensos de seus empregos, quantos estavam recebendo Auxílio Emergencial, como tratavam da questão do gerenciamento financeiro das suas receitas e despesas, se haviam tido na escola, mesmo que de forma transversal, conteúdos sobre educação financeira e de que forma isso impactou a vida deles — explica Josiane, 43 anos, bacharel em Administração Comércio Internacional.
O resultado traz um panorama, segundo ela, bem próximo da realidade social, no Rio Grande do Sul. Com relação ao emprego, a pesquisa apontou que 51,9% estão "empregados efetivamente", enquanto que 16,2% estão desempregados. Há ainda, no escopo de 150 entrevistados, 12,3% que são estagiários e 7,1%, autônomos. Ainda com relação à renda, 9,7% receberam o Auxílio Emergencial do Governo Federal e 2,5% estão sendo beneficiados com o seguro desemprego. Esse extrato básico é desvelado por meio do restante da pesquisa, que procurou apontar não apenas o interesse acadêmico dos alunos, mas a forma como eles lidam com as incertezas do futuro e, sobretudo, com a educação financeira.
— É perceptível a falta de apoio financeiro e emocional de cunho familiar para que continuem estudando, visto que, em nossa cultura, o conhecimento não é ativo, não é investimento, é uma despesa. Há ainda aqueles possuem o sonho de estudar, mas não conseguem competir de forma equitativa, pois 90% dos meus alunos são provenientes da escola pública e possuem lacunas em sua educação básica, apresentando dificuldades na interpretação, na escrita e na realização de cálculos básicos, o que por vezes torna-se um limitante à entrada no mercado de trabalho e futuro ingresso em universidades públicas. É cruel ver os sonhos sendo desfeitos e a vida seguindo sem o brilho de quem tem anseio pelo conhecimento — avalia a professora.
Motivação e afeto
Josiane diz que a sala de aula é o ambiente que prepara não só o aluno para o mercado de trabalho, mas para a vida.
— Quando o aluno se sente motivado por suas competências, ocorre o reforço positivo, seu comportamento muda, o aprender deixar de ser sacrifício passando a ser prazer. E para ser um processo que desperte interesse contínuo, o docente deve estimular a criatividade, o aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser.
Este estímulo precisa ser contínuo, acredita Josiane, para que o aluno seja provocado a envolver-se com as atividades da escola, não por uma nota, mas pelo prazer do conhecimento.
— Na minha percepção, acredito ainda que devo promover neles o exercício de ver o mundo com outros olhos, mesmo diante de tantas dificuldades. Que é possível mudar nossa história quando passamos a ser agentes de transformação, a encarar as dificuldades como oportunidades, sempre com paciência, respeitando seu tempo, mas receptivos a todo conhecimento que nos é apresentado no decorrer da vida.
"Encarar dificuldades como oportunidades". Esse é o resumo da lição de Josiane, que não serve apenas aos seus alunos em sala de aula. Esse é o desafio que se impõe à sociedade, em todas as esferas. Na visão de Josiane, mais atenção à educação não é apenas uma das saídas para a atual crise do desemprego, mas também para formar melhores cidadãos.
JOVENS NO MERCADO DE TRABALHO
Pesquisa realizada pela professora Josiane Guimarães dos Santos, com 150 alunos da Faculdade e Escola QI.
Empregado efetivamente 51,9%
Estagiário 12,3%
Autônomo 7,1%
Auxílio Emergencial 9,7%
Seguro desemprego 2,5%
Desempregados 16,2%
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