Em meio ao rebanho, Juventino se parece com os demais cordeiros da idade dele. Branco e preto, ele se mistura facilmente ao pastar na propriedade onde mora, em Gramado. A diferença pode ser notada em pouco tempo: ele se distrai e fica pastando ao lado das ovelhas, carneiros e cordeiros. Alguns segundos depois, porém, o cordeirinho ergue a cabeça e busca com o olhar pela figura que não vê como pastor, mas como pai ou mãe. Isso mesmo, Juventino procura por Joaquim Ribeiro da Silva, 71 anos, o capataz da propriedade.
A história de amor entre os dois começou há dois meses. O filhote perdeu a mãe, que não resistiu a uma infecção e morreu depois do parto. Sem os cuidados de Seu Joca, Juventino não teria resistido. A rotina de mamadeiras e mimos segue desde então:
— Ele tem que mamar de duas em duas horas — conta seu Joca, enquanto mistura o leite em pó e a água morna para saciar a fome do bichinho.
Juventino abana o rabo enquanto mama. À primeira vista ele pode facilmente confundido com um cachorrinho. Depois de mamar, ele caminha ao lado do "pai" onde quer que ele vá. Em alguns momentos, os pulos altos o entregam como um cordeirinho cheio de energia. Sobre a escolha do nome, Joaquim diz que cada integrante do rebanho é batizado. Inteligentes, eles sabem quando são chamados.
— Chamo pelo nome e eles obedecem. Juventino vem aqui! — chama ele, e o cordeirinho que se afastava corre rapidamente em direção ao capataz.
Eles passam o dia juntos e contam com a ajuda dos cães Fiona e Beethoven para cuidar das ovelhas no pasto. O cordeirinho mostra personalidade quando Joaquim toca o cincerro, que é o sino usado para orientar o rebanho. Enquanto todos correm para se alimentar, e depois quando o instrumento é tocado novamente, retornam obedientes e em ordem para o curral, Juventino nem se abala. O pequeno continua ao lado de Seu Joca:
— Ele me vê como pai, não fica com eles ainda porque não se identifica. Sou eu que o alimento e cuido dele. Com o tempo ele vai ficar com eles.
Essa não é a primeira vez que o capataz "adota" filhotes que perderam a mãe. Em meio ao rebanho, ele mostra a Alemoa. A ovelha de quatro anos também viveu os primeiros meses longe dos seus. Ao ver o capataz, ela se aproxima para receber afagos. Mesmo assim, ele admite que a relação com Juventino é diferente.
— Já aconteceu outras vezes, mas ele é mais grudado. Eu me escondo por um tempo para ver a reação dele, e logo apareço porque ele chora e fica me procurando — emociona-se ele.
Como se entendesse as palavras do companheiro, o cordeirinho que estava longe ergue o olhar e corre ao encontro de Joca para receber um abraço.
— Achei que tinha te perdido agora que vai ficar famoso. Perdido meu companheiro — diz, sorridente, enquanto Juventino se expressa com um balido (som do cordeiro) que parece agradecer o carinho.
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SOLITÁRIO
Antes, Juventino dormia sozinho na porta da casa que fica na propriedade e onde seu Joca morou por um tempo. Hoje, o capataz mora em Canela e se desloca para Gramado de bicicleta todas as manhãs para cuidar das terras e dos animais, principalmente, do seu preferido.
— Preparo as mamadeiras porque passamos o dia na lida do campo. Ele gosta muito de mamar, olha como ele está forte — afirma, orgulhoso.
Na hora de dormir foi acolhido no galinheiro:
— Ele poderia se sentir solitário quando não estou, mas foi acolhido no galinheiro. As galinhas são amigas dele e dormem sobre ele para se esquentar com a lã quentinha. Eles se fazem companhia. Juventino é feliz aqui.
HISTÓRIA INSPIROU CRÔNICA
A cumplicidade e companheirismo entre o cordeirinho e o capataz inspiraram o médico e escritor Francisco Michielin a escrever a crônica "O amor em tempos de covid". Ele e a mulher, Elisabeth Menetrier, rainha da Festa da Uva de 1969, visitaram a propriedade e se encantaram com a doçura do cordeirinho. O casal acompanhou a reportagem em uma nova visita na sexta-feira (14).
Elisabeth aproveitou para dar mamadeira ao cordeirinho:
— É encantador, dá uma vontade de apertar ele e levar para casa.
Michielin também ressalta a doçura do bichinho. Ele faz uma analogia entre uma das obras mais conhecidas do autor Gabriel Garcia Márquez, sobre o amor em tempos de cólera, e a história de Seu Joca e Juventino:
— Vivemos em uma época conturbada e poder ver a relação de amor entre esses dois, o cuidado e a lealdade e compartilhar essa história faz bem.
Em um trecho da crônica, o médico escreve:
"Agradecido e reconhecido ele afastou-se de sua tribo desde o nascimento. Optou por morar perto do seu benfeitor que o salvou de morrer por inanição. Os dois se "acompadraram". O capataz, "seu Joca", o encheu de mimos e de mamadeiras. Dá gosto de vê-lo sugar com gulosa avidez. A princípio, em seus solitários balidos, dormia ao relento, encostado à porta da casa. Agora, possui o seu "apartamento" particular convivendo com as galinhas, suas melhores amigas e que fazem questão de dormir sobre ele. Nesta tocante troca de afagos e de calores, Juventino irradia e distribui amores e felicidades sem nada cobrar. Simplesmente, porque ele é uma criatura feliz.".