Com o prolongamento das medidas de distanciamento em função da pandemia causada pelo novo coronavírus e sem data prevista para retorno das aulas presenciais, segue uma série de peguntas: Como ficará o calendário escolar? As aulas vão avançar até 2021? Será preciso recuperar conteúdos? Frequência e avaliações serão cobradas pelas instituições da mesma maneira que antes?
O Conselho Estadual de Educação publicou um parecer no início deste mês em que orienta as instituições de ensino sobre a reorganização do calendário escolar e o desenvolvimento das atividades em razão da covid-19. Entre as determinações, está a que prevê que as escolas elaborem um plano de ação pedagógica complementar aquele que foi feito em março, logo após a suspensão das aulas. O conselheiro Ruben Werner Goldmeyer, um dos relatores do parecer, explicou em transmissão ao vivo, no último dia 17, que as escolas também foram chamadas a fazerem um diagnóstico das atividades domiciliares para identificar os diferentes níveis de aprendizagem dos alunos e poder minimizar as defasagens.
Além disso, os estabelecimentos devem começar a instituir programas de recuperação para evitar o abandono escolar e para que cada estudante desenvolva o que é esperado em cada estágio de ensino. O parecer também diz que que cada escola pode determinar a forma de contabilizar a presença dos alunos nas atividades e como serão as avaliações. Podem ser consideradas atividades online, trabalhos e pesquisas, entre outras.
Na rede particular, não há muitas dúvidas, a não ser sobre recuperação de conteúdos não apreendidos pelos estudantes. A Caminho do Saber, da rede particular, diz que está fazendo o controle da frequência dos alunos por meio das atividades, realizando as avaliações e vai conseguir cumprir o calendário, inclusive está em período de férias escolares.
– Não temos muito o que recuperar. O que vamos fazer é uma avaliação diagnóstica para sentir o nível de cada aluno e, depois, fazer um plano individualizado para cada estudante conforme o nível que ele estiver – diz a diretora Maristela Tomasi Chiappin.
Segundo ela, os contatos entre os professores e os alunos já começaram. A ideia é que os docentes descubram a dificuldade que cada um teve em cada conteúdo e seja feita a adequação. A diretora diz que as situações serão tratadas individualmente, mas lembra que as crianças em fase de alfabetização não podem ser reprovadas. Ou seja, alunos da Educação Infantil ao 2º ano do Ensino Fundamental serão aprovados neste ano independente da vontade dos pais. Porém, a aprendizagem tem que ser alcançada. Daí, a ideia de um reforço individual, caso necessário.
– Entendemos que deva ser uma preocupação de toda escola garantir o aprendizado e não somente o ensino. Até porque pensamos a curto, médio e longo prazo, como vai ser a vida acadêmica desse aluno na série seguinte – pondera.
Além disso, no Caminho do Saber, a construção de como se dará o ensino após a pandemia será feita em conjunto com os pais, segundo Maristela:
– Nós vamos dar as duas possibilidades para as famílias, de retornar no presencial ou não, porque vamos permanecer com as aulas virtuais. Chegamos a fazer uma enquete com os pais, já faz algum tempo, e, na época, 38% queriam o retorno da aula presencial.
A disponibilidade e acesso à internet, que é um diferencial entre os públicos das redes privada e pública, surge novamente quando se discute o calendário escolar neste ano. A secretária municipal de Educação de Caxias, Flávia Vergani, conhece os dois cenários e pondera que, se por um lado, os recursos permitem à rede particular realizar aulas remotas como se fossem em sala de aula, portanto, cumprindo o calendário, por outro lado, nas séries inicias, a dificuldade enfrentada é a mesma para qualquer uma das redes: a faixa etária dos alunos que torna praticamente impossível mantê-los em uma aula virtual por um turno inteiro.
Na rede pública, 2020 não caberá em 2020
As 81 escolas de Ensino Fundamental da rede pública municipal de Caxias (algumas com pré-escola e outras com ensino para jovens e adultos) só vão concluir o calendário letivo no ano que vem. A projeção é feita pela secretária de Educação Flávia Vergani:
– Vamos avançar sim para 2021, a não ser que haja uma mudança na legislação.
A gestora se refere à discussão que ocorre em âmbito nacional de transformar 2020 e 2021 em um único período de 1,6 mil horas aula. Ou seja, a ideia é contabilizar as horas aula atingidas neste ano e compensar o que faltar no ano que vem para chegar ao total equivalente aos dois anos letivos de 800 horas aula obrigatórias em cada um. Por exemplo, se em 2020 se alcançar 700 horas aulas, seria preciso cumprir 900 em 2021.
– O que temos certo, por enquanto, que encerra 2020 com 800 horas. Não temos dúvida que, em 2021, precisaremos trabalhar, além do presencial, com estudos remotos para complementar as aprendizagens que ainda não foram realizadas. É uma defasagem que, até recuperarmos, vai levar uns quatro anos – ponderou a secretária.
Antes disso, há outras questões a serem definidas. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) está discutindo uma proposta de retorno gradual das aulas presenciais e protocolos de segurança. Na esfera local, o Conselho Municipal de Educação (Conseme) também avalia qual a melhor data de retomada, quais anos escolares voltariam primeiro. Em outra ação, os docentes estão sendo consultados por meio de um questionário que pergunta, por exemplo, se os professores acham que os alunos devem ser aprovados neste ano prevendo recuperação em 2021 e se concordam que as avaliações passem de trimestrais, como atualmente, para semestrais. As respostas devem ser encaminhadas até o dia 7 de agosto.
A secretária Flávia Vergani disse que o município orientou as escolas a seguirem um caderno com as habilidades, conceitos e conteúdos essenciais para serem trabalhados neste ano, o que está ocorrendo, segundo ela, inclusive com avaliações das atividades que estão sendo desenvolvidas. A Smed pediu ao Conseme que as avaliações sejam semestrais, com isso, no retorno das atividades presenciais os professores fariam um diagnóstico da aprendizagem dos estudantes referente ao primeiro semestre, uma revisão dos conteúdos necessários e aplicariam a avaliação dos primeiros seis meses, para, depois, partir para o próximo semestre.
A rede municipal tem ainda 45 escolas de Educação Infantil em regime de gestão compartilhada. Ao todo, são cerca de 44 mil alunos.
Na rede estadual, a escola Alexandre Zattera, que tem cerca de mil alunos do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, também aguarda definições sobre como ficará o calendário, frequência e avaliações. A instituição segue orientações da Secretaria Estadual, com registro das aulas programadas. É feito controle de quem participa das atividades, que são corrigidas e devolvidas para ajustes, mas não está sendo atribuída nota. Da mesma forma, não estão sendo contabilizadas faltas, no caso da frequência. Os professores fazem apontamentos que servirão para isso quando ou se houver uma determinação por parte do Estado.
Por estar inserido em uma comunidade de vulnerabilidade social, no Zattera, o acesso à internet é um desafio aos alunos. Segundo a diretora Cristiane Modena, muitos têm acesso por meio do celular dos pais quando eles chegam em casa do trabalho no final do dia. É aí que os estudantes entram no portal do Estado, o classroom, para visualizar os conteúdos.
– Desde o dia 22, estamos nesse processo de migrar para a plataforma do governo, mas sentimos alguma dificuldade ainda das famílias para entender essa tecnologia, aceitar... – avalia a diretora.
Sobre os conteúdos, Cristiane explica que já houve mudança, mesmo assim, não será possível concluir o ano letivo em 2020:
– Com certeza não. Houve já uma mudança na matriz curricular, priorizando os conteúdos mais importantes a serem trabalhados. Muita coisa terá que ser absorvida no próximo ano. Não temos como mandar muito conteúdo aos alunos, porque eles não têm condições de realizar sem o professor presencial. Então, temos noção que muita coisa vai ficar de fora. Mas, toda a equipe tem se puxado muito para fazer valer esse período, eu espero que isso aconteça, se não, dará aquela sensação de que foi um esforço em vão. Não gostaria que isso acontecesse.
Legislação
:: Determina que sejam cumpridas 800 horas aula no ano letivo.
:: Aos alunos é exigido 60% de frequência da carga horária.
Especialista diz que não há ano perdido
Segundo o professor do Curso de Pedagogia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), especialista em Educação, Délcio Agliardi, é preciso considerar que vivemos um período extraordinário, que estamos sempre aprendendo, que, naturalmente, o modelo atual traz prejuízos para as crianças, mas não há ano perdido.
– Há uma concordância entre todos os pesquisadores: nada substitui o professor, nenhum outro agente, porque o professor tem uma profissionalidade docente que emanou de um curso de formação. Uma criança acompanhada pelos pais, que tem horário de disciplinado de estudo, que o material do professor chega até ela, está em movimento de aprendizagem, porque ela se organizou para o estudo, diferente daquela que não. Mas não está na escola.
Uma das fases mais importantes, segundo o professor, é a dos anos iniciais do Ensino Fundamental, quando a criança está na etapa de alfabetização e das múltiplas linguagens em que é decisivo que o processo seja feito com qualidade.
– Esse processo, agora, tem prejuízo.
Tanto bebês quanto crianças pequenas terão um recomeço quando voltarem às creches ou escolinhas. Já a aprendizagem a partir da etapa obrigatória, que começa na faixa dos 4 anos, está ocorrendo por meio de atividades online. Nos anos finais, outra variável é a adolescência. O Ensino Médio já é afetado por questões como emprego, gravidez na adolescência, ingresso no Ensino Superior. Para Agliardi, os educadores estão cientes de todos os cenários e possuem as práticas para atender nesse período. O especialista prefere outro termo, mas acredita que o professor tenha que fazer a análise da realidade da sua turma, com metodologia do estudo pedagógico, para que a escola tenha essa análise por nível (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e por modalidade (Educação de Jovens e Adultos, educação de campo, inclusiva, EAD).
– O ser humano é um ser aprendente, então, está aprendendo muitas coisas neste período. Não tem ano perdido na vida do ser humano, o que tem são possibilidades e limitações. Uma limitação é que a escola não dará conta de todo o currículo de 2020, por isso, vai ter que replanejar. A pergunta é bem básica: nossos alunos terão condições de responder a este conteúdo em qual prazo? Cada rede terá de redimencionar o planejamento curricular.