Não é somente dentro dos portões do frigorífico JBS do bairro Ana Rech, em Caxias do Sul, que a possibilidade de contaminação por coronavírus gera apreensão. Moradores de áreas do entorno também temem entrar para as estatísticas de casos confirmados da doença devido ao surto identificado na unidade. O medo não é só pela proximidade da empresa, mas principalmente pelo fato de os loteamentos concentrarem um grande número de funcionários.
No loteamento Balardin, um dos mais próximos do frigorífico, por exemplo, os boatos de possíveis casos de covid-19 começaram há um mês. No entanto, foi somente após a confirmação da prefeitura, na semana passada, que a comunidade passou a demonstrar uma preocupação maior. Segundo a presidente do loteamento, Maria Joelma Bernardes, 33 anos, diariamente moradores do bairro perguntam se vai ter desinfecção das ruas. Ela diz já ter solicitado, mas ainda aguarda retorno. Enquanto isso, reforça os cuidados com muito álcool gel e saindo somente quando necessário.
— O pessoal tinha uma crença de que no nosso bairro não ia chegar. Todos têm muito medo, principalmente os que têm idoso em casa, tem gente com diabetes, outros têm criança. Não achei que ficariam com tanto medo — revela.
A circulação do vírus também provocou alterações na convivência entre os vizinhos, mesmo em situações inevitáveis, como uma ida ao mercado.
— Eu acho chato, mas vejo que as pessoas estão evitando os funcionários. Tem alguns que reclamam desse comportamento, mas tem gente com consciência do que está fazendo — relata Maria.
A presidente do bairro afirma ainda ter recebido relatos de colaboradores da empresa de que alguns infectados estariam circulando pelas ruas, quando deveriam estar em isolamento domiciliar. Ela afirma conhecer quatro dos 19 infectados confirmados pela prefeitura, e relata não ter visto nenhum deles circulando. Na manhã desta quarta-feira (3), a reportagem observou apenas três pessoas nas ruas de chão batido do loteamento.
Já na empresa, as operações seguiam nesta quarta-feira, com estruturas montadas junto à portaria para a realização de triagem. Entre os funcionários do controle de acesso, todos usavam máscaras de proteção e roupas especiais. Outros operários que podiam ser vistos do lado de fora também usavam equipamentos de proteção, como viseiras.
Apesar da estrutura de proteção montada, um funcionário ouvido pela reportagem, que prefere não se identificar, diz que nem sempre a temperatura é medida e que, embora todos usassem máscaras e viseiras desde o início da pandemia, somente após a confirmação dos casos as medidas de segurança se tornaram mais rígidas.
— Está tenebroso. Tenho diabetes e continuei trabalhando. Eles afastaram algumas pessoas, mas só as mais velhas — reclama.
Ministério Público pede interdição
Na manhã desta quarta (3), o Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com uma ação na Justiça pedindo a interdição da unidade. O processo foi aberto após a JBS se recusar a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Os procuradores responsáveis pelo caso receberam a resposta da empresa por volta das 20h30min desta terça-feira (2).
— Foi encaminhada uma minuta com todas as obrigações que o MPT julga adequadas, como proposta de testagem em massa e redução no número de funcionários. Eles disseram que já cumprem todas as medidas e por isso não têm interesse em firmar o TAC — explica a procuradora Priscila Dibi Schvarcz.
O secretário da Saúde de Caxias, Jorge Olavo Hahn Castro, também segue defendendo a necessidade de paralisação da empresa por pelo menos 72h. A ideia é que as operações sejam interrompidas pelo menos até todos os colaboradores serem testados e as linhas de produção passarem por desinfecção.
Nesta terça (2), o secretário e outros representantes do município visitaram a empresa para conferir os prontuários dos funcionários e analisar as medidas de segurança.
— A medida de espaçamento entre os funcionários nos pareceu adequada. O que identificamos que precisa de melhoria, como uma melhor logística na triagem, vamos mandar por relatório — explica.
No início da tarde, a assessoria de imprensa da secretaria disse não ter informações de infectados que estejam circulando pelas ruas da cidade. A JBS foi procurada, mas não retornou os questionamentos até a publicação desta reportagem.