A pequena cidade de Serafina Corrêa entrou para a história. Foi o primeiro município da Serra gaúcha a constar na a triste estatística de mortes por coronavírus. Na tarde de quarta-feira (15), enquanto o governador Eduardo Leite revelava, através de uma videoconferência a partir de Porto Alegre, quais seriam as novas posturas de prevenção à covid-19, em Caxias do Sul, Etelvino Mezzomo, de 64 anos, estava sendo cremado, em uma cerimônia que contou apenas com a presença da esposa Jussara Bordin Mezzomo, de um primo e de um irmão.
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No dia seguinte da morte de Mezzomo, que era bastante conhecido na comunidade de Serafina Corrêa, os comerciantes amanheceram reabrindo suas lojas que permaneceram oficialmente fechadas, por decreto municipal, desde o dia 23 de março.
— Uma morte gera uma reflexão maior. Porque não foi só uma perda para a família Mezzomo, mas para a comunidade. Eu conhecia muito bem ele, era meu amigo. Nós tivemos uma notícia ruim, por causa da morte dele, mas ao mesmo tempo tínhamos uma pressão dos nossos comerciantes, então a partir de hoje (quinta-feira, dia 16) estamos liberando nosso comércio, com restrições de atendimento, para que não hajam aglomerações — justifica Valdir Bianchet, prefeito em exercício de Serafina Corrêa.
Apesar da palavra do prefeito, até o final da tarde de ontem ainda não estava disponibilizado o novo edital com as regras para o município de Serafina Corrêa. É por isso que grandes lojas de departamento, como o caso da Benoit, não abriram, sequer para receber pagamentos.
— Só podemos reabrir quando tivermos o documento. Em um mês normal, vendemos em média R$ 450 mil, mas até o final de abril, não sei se vamos conseguir chegar a R$ 50 mil — revela a gerente Cristiane Reolon, 45, que completa ainda, que apenas na loja de Serafina Corrêa, três funcionários já foram demitidos, desde março.
HOTÉIS ABERTOS
Os hotéis em Serafina Corrêa estiveram fechados desde o dia 18 de março até o dia 5 deste mês. Ontem haviam dois hóspedes registrados no Hotel Via Gênova. Geralmente, em dias de semana, o hotel teria mais de 10 pessoas, na maioria deles, representantes comerciais e empresários.
— Eu acho que depois dessa morte, que é uma pessoa bem conhecida de todos aqui em Serafina, as pessoas vão levar mais a sério. Porque eu vejo muita gente levando na brincadeira, levando seus filhos para brincar nos parques, por exemplo — revela a recepcionista Larissa Auane Pierozzan, 20.
Entre os cuidados de higiene que o hotel está adotando, além da limpeza habitual, está a restrição de talheres de uso comum, daqueles utensílios que a pessoa se serve de pão, ou de presunto e queijo. Esse cuidado é para que o hóspede use apenas facas e garfos que só ele vai manusear.
LIÇÃO DE VIDA
Durante a manhã desta quinta-feira, dia 16, haviam poucas pessoas circulando pela cidade. Alguns pequenos comércios, como é o caso da Loja Lucas, que vende roupas, tecidos e miudezas, os proprietários estavam limpando e organizando a loja.
— As pessoas precisam ter responsabilidade e educação. Se tiverem isso, dá pra todos se cuidarem e ainda seguir a vida trabalhando — explica José Carlos Lussi, 63 anos, proprietário da Loja Lucas, ao lado da esposa Ineliva Lussi, 63.
José Carlos tem se dedicado a plantar árvores silvestres em um pedaço de terra que comprou, anos atrás, pesquisa a respeito das propriedades curativas e nutricionais das plantas, e ensina que o segredo da vida é deixar um legado e não bens para os filhos.
— Deus nos deu o dom da vida. Mas e na hora da morte, o que importa mais? Não adianta deixar prédios de herança, o mais importante é deixar um legado para quem fica.
José Carlos não tirou a máscara um minuto sequer, durante a entrevista, mas através do seu olhar foi possível enxergar o amor pela vida, de alguém que quase perdeu a esposa por conta de problemas de saúde. Emocionado, ele insistiu, com urgência:
— Pra que desperdiçar a vida comprando bens, se no final o que mais importa é o legado de vida.