A prorrogação do recesso escolar até o dia 30 de abril devido ao coronavírus levantou questionamentos sobre a cobrança de mensalidades integrais na rede privada de ensino. Muitos pais não concordam em pagar 100% dos valores e querem descontos, uma vez que os colégios terão redução de custos a partir da ausência de alunos em sala de aula. As famílias também apontam a queda na qualidade do ensino no formato atual, pois nem sempre é possível ter dedicação ou preparação para auxiliar os filhos nos estudos.
As escolas se amparam na lei, afirmam que o serviço está sendo prestado à distância e que o custo não é baseado apenas em despesas como luz, água e telefone, que naturalmente reduziram com os estabelecimentos fechados. Para o Procon de Caxias do Sul, o bom senso e a empatia serão fundamentais para resolver o impasse.
O movimento a favor de descontos ganhou força a partir do decreto do governador Eduardo Leite que estendeu o prazo de suspensão das aulas. Grupos de pais e responsáveis discutem nas redes sociais formas de amenizar o custo da escola e usam como exemplo os projetos de lei no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, que preveem abatimento de 30% nas mensalidades. A deputada federal Clarissa Garotinho (PROS-RJ) propôs, na Câmara dos Deputados, estender a ideia para todas as escolas particulares do país.
Para algumas famílias, a situação beira ao drama. Donos de pequenos comércios ou prestadores de serviço não essenciais tiveram queda brusca nos rendimentos. Outros perderam o emprego. Contudo, esses pais precisam arcar com contrato e bancar valores mensais que passam de R$ 800 por um único turno na maioria das escolas. O valor dobra quando o aluno tem matrícula por turno integral. No caso, estaria ocorrendo um desequilíbrio entre as partes, o que seria amenizado a partir de uma repactuação de contratos. O dilema da comerciante Manoela Bernardi, 32 anos, retrata bem a situação. Ela não pode abrir o comércio e a família depende, agora, apenas da renda do marido, que é do ramo de mecânica de veículos.
- Hoje, a mensalidade custa R$ 803, mais a parcela do Inglês. O custo passa de R$ 900. Se o governo der auxílio, serão R$ 600, não cobre a mensalidade. Caberia à escola entender o lado dos pais que hoje têm que ficar em casa. Muitos, para conseguir cuidar dos filhos, outros porque não estão conseguindo manter o estabelecimento aberto.
A mãe pondera também sobre a qualidade do aprendizado. Como é mãe de uma menina de três anos, ela acredita que as atividades por meio de plataformas digitais na Educação Infantil estão longe de ter o mesmo nível das aulas presenciais e não é possível comparar com as aulas virtuais dos alunos do Fundamental e do Médio.
- Entendo perfeitamente que a escola não tem culpa da situação atual e assim como a gente também não tem. Teríamos que trabalhar como equipe, sendo bom para ambos os lados. Seria ruim para a escola se a gente não pagasse, mas se a escola conseguisse um desconto de 50% amenizaria. São 45 dias que vamos ter nossos filhos em casa - reforça Manoela.
A farmacêutica Ana Paula Diefenthaler 44, e o motorista de aplicativo Alexandre dos Santos Lima, 51, participam de um grupo que discute a complexidade da rotina escolar dos filhos nesse período conturbado. Ana Paula diz que a escola da filha Júlia, sete, encaminha conteúdo virtual e tarefas diariamente. Há pais que admitem não ter perfil para supervisionar a educação escolar dos filhos em casa. Alguns inclusive sugeriram a antecipação das férias de inverno. A maioria, porém, optou por solicitar coletivamente uma proposta de desconto nas mensalidades e aguarda resposta da direção.
- Acho importante que aulas continuem sendo enviadas para as crianças não pararem. A nossa proposta é razoável, não é isenção total, a ideia é obter desconto proporcional sabendo que a escola não conta agora com gastos fixos de alimentação, água, luz, enfim - elenca Ana Paula.
Sinepe orienta escolas a manter valor integral
O Sindicato do Ensino Privado (Sinepe) do RS orientou os associados a não conceder descontos de mensalidades. O entendimento é de que o contrato entre pais de alunos e escolas envolve um único valor semestral, no caso de cursos técnicos e universidades, ou anual, caso das escolas. O objeto contratado não refere-se, segundo o Sinepe, a um serviço recebido no mês, mas, sim, a todo um pacote para o ano letivo e, assim, o custo da anuidade ou semestralidade é diluído em parcelas. A entidade também frisa que as aulas estão sendo mantidas por meio de atividades domiciliares. O Sinepe argumenta ainda que a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, divulgou nota técnica em que recomenda aos consumidores evitar cancelar os contratos educacionais ou pedir descontos.
Em reunião na manhã de ontem, os representantes das escolas privadas católicas de Caxias do Sul decidiram em conjunto manter a cobrança das mensalidades sem conceder descontos. A definição segue as diretrizes da associação nacional das instituições.
- Paga-se a mensalidade de janeiro, mesmo não tendo aula, porque é o custo anual dividido em 12 parcelas. O pai contrata o ano letivo de 200 dias e 800 horas. Se em outubro tivermos que trabalhar a mais, não vai ter acréscimo no valor. Houve investimento para viabilizar as aulas virtuais. O que a gente coloca, claro, é que pode haver flexibilização. Se alguém não pode pagar agora, é possível, por exemplo, diluir o valor ao longo dos meses ou postergar o pagamento. Tudo está aberto a negociação - reitera a diretora do Colégio São Carlos, Fernanda Troes.
A posição do Sinepe também foi seguida pelas escolas particulares sem vínculo religioso, caso da Caminhos do Saber.
- Há atendimento individualizado do aluno, até com atenção maior do que em sala. Houve uma demanda de energia do profissional para a elaboração das vídeo aulas. As escolas investiram no suporte, em equipamentos para os professores. Na mensalidade, não há só custos variáveis, há o seguro do prédio, o IPTU. Somente a folha de pagamento pode chegar a 80% (do faturamento). Mas existe o bom senso. Entendo que é possível ver caso a caso. Há famílias sem renda que enfrentam dificuldades e também há famílias com renda que podem pagar - aponta a diretora presidente da Rede Caminho do Saber, Maristela Chiappin.
Escolinhas infantis
O Sindicato das Instituições Pré-escolares (Sinpré) de Caxias do Sul, que representa parte das escolinhas infantis particulares e que também estão sem aula, manterá a cobrança integral. O segmento manterá o recesso até o dia 30 de abril para respeitar o decreto estadual.
Confira abaixo a nota do Sinpré, assinada pela presidente da entidade, Christiane Welter Pereira:
"Em todos os momentos oportunos, o Sinpré ressaltou a importância da categoria no auxílio aos pais que irão gradativamente voltar ao trabalho. No entanto, a categoria tem por obrigação acatar e respeitar o Decreto Estadual 55.514 de 1º de Abril, que prevê o fechamento até o dia 30 do mesmo mês de todas as escolas do estado, independente de públicas ou privadas. Quanto ao pagamento das parcelas da anuidade (lei 9.870/90), cabe neste momento salientar que nossas escolas continuam com as obrigações trabalhistas, alugueis, e tributárias, que estão por hora Prorrogadas e Não Isentas. Também por orientação, as escolas estão enviando atividades domiciliares para serem feitas em casa, assim como as escolas de ensino fundamental e médio da cidade e estado. Salientamos que neste momento, nunca antes vivido, cabe o bom senso e a solidariedade tanto por parte das escolas, como por parte das famílias. Passado este período, posteriormente ao término do decreto, as escolas devem ter condições de reabrir, com o mínimo de demissões possíveis e mantendo a qualidade no ensino."
Posição do Procon
A discussão sobre a manutenção integral das mensalidades é apenas parte dos pedidos de informações que chegam diariamente ao Procon Caxias em virtude do coronavírus. Não há, porém, uma conclusão definitiva sobre o tema por ser um assunto novo. O coordenador do órgão, Dagoberto Machado dos Santos, diz que há dúvidas, por exemplo, sobre o pagamento do transporte escolar e outros serviços suspensos. Para ele, o país encara uma incerteza jurídica, pois tudo o que está acontecendo é novo e não tem parâmetro.
- No entendimento do Procon, quando se faz a grade de custo da escola, e não estou usando essa grade, não se pode repassar todo o custo para os pais. Mas, agora, é o momento de ter lucidez, de cada um se colocar no lugar de outro. É preciso transparência - aconselha Dagoberto.
Conforme ele, o Procon pode intermediar situações em que o consumidor tenha dificuldade de obter um acordo.
- Cabe o ajustamento entre as partes, a pandemia não é culpa de ninguém, mas tem de haver a flexibilização dentro da razoabilidade.
O Procon atende excepcionalmente pelo telefone (54) 99929-8190, das 9h às 18h. Outros canais para encaminhamento de denúncias e pedido de informações são os sites consumidor.gov.br e caxias.rs.gov.br/procon.
MEC suspende obrigatoriedade de dias mínimos do ano letivo
O presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória que permite às instituições de ensino não cumprir o mínimo legal de 200 dias letivos de aulas presenciais. A flexibilização permite também adiantar a formatura de estudantes de Medicina, Farmácia, Enfermagem e Fisioterapia.
Na educação básica, a carga horária definida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 800 horas da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio poderão ser distribuídas em um período diferente aos 200 dias letivos.
A medida de Bolsonaro prevê que sejam consideradas atividades não presenciais para compor a carga horária mínima. A decisão é para tentar conter os atrasos causados por conta da pandemia de coronavírus.
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