Benício nasceu antes do tempo planejado. Com 33 semanas de gestação, decidiu que nasceria nas primeiras horas do dia 21 de março. Enquanto a equipe médica trazia o menino à vida, nada mais lá fora importava. Ninguém que estava naquela sala de parto sequer pensava no vírus invisível que têm colocado médicos e enfermeiros de sobreaviso. Nem mesmo a mamãe Camila e o papai Rodrigo Alves mostravam-se preocupados com o temor de um contágio de covid-19. Todas as atenções estavam centradas no bebê. A 1h25min, enfim, nascia Benício, nome que tem como um dos significados a palavra abençoado.
— Meu parto ocorreu bem diferente do panejado, porque estava marcado para o final de abril. Na noite do dia 20 de março, senti o maior medo da minha vida, pois não sabia o que estava acontecendo, eu apenas sangrava. Conclusão: cesárea de urgência — revela Camila Rodrigues Alves, 31 anos, supervisora administrativa.
A essa altura, Caxias do Sul já vivenciava as restrições de diversas atividades por conta dia primeiro decreto assinado pelo prefeito Flavio Cassina.
— Além da situação de emergência, o misto de medo e angústia, pois as notícias e mudanças causadas pela covid-19 já haviam iniciado, eu estava trabalhando em home office há dois dias e minha filha Isabelli, de sete anos já estava sem aulas — conta Camila.
Como Benício nasceu prematuro, Camila teve de ficar internada no hospital por três dias, enquanto que o menino ficou seis, entre a UTI e a UCI. O sorriso de um bebê recém nascido, é sempre um alento para o coração dos pais. Mas nem tudo está tranquilo durante esse estranho tempo de coronanvírus.
— Tem sido tudo completamente diferente do que esperávamos, nesses seis dias entre idas e vindas ao hospital nosso cuidado era o máximo, usávamos máscaras e higienizávamos as mãos a cada porta que abríamos do hospital. Minha maior frustração era deixar meu filho lá sabendo do caos que esse vírus estava causando. Trocamos as lembrancinhas, quadro da maternidade e as visitas, por EPIs, literalmente. Não há como não ficar meio neurótica com a situação — desabafa.
Ainda sem o colo dos avós
Seguindo as orientações médicas, Rodrigo e Camila decidiram dispensar a faxineira e Benício não tem recebido visita nenhuma. E quando alguém tem de sair, sai com as devidas precauções de higienização. Neste sábado (11), o menino completa 21 dias, sem sequer ter sido paparicado, beijado e abraçado pelos avós ou dindos.
— O mais doloroso são as avós e os avôs que só o conhecem por videochamada, porque são do grupo de risco. Então, achamos por bem, neste momento, nos afastarmos deles, também por aconselhamento médico. Nunca na minha vida pensei que meu filho não teria um colinho de avó acolhedor nos seus primeiros dias de vida. O choro é inevitável no final de cada ligação — revela Camila.
Desde a alta do hospital, Benício teve que ir à pediatra apenas uma vez.
— A pediatra Maria Cristiana Chies está atendendo um paciente por vez, e a secretária desce até o hall de entrada do prédio para abrir, e só entra a mãe com o bebê. As próximas consultas serão mensais para pesagem. Se tivermos dúvidas, a doutora Cris disponibilizou o celular pessoal para que trocássemos mensagens — diz.
"Eu preciso fazer um parto de quando em vez pra me sentir viva", diz obstetra
Quantos partos uma médica obstetra pode fazer em 50 anos de profissão? Incontáveis, de se perder de vista. A obstetra Dilma Tessari anda fazendo partos de filhos daqueles bebês que ela trouxe à luz anos e anos atrás. Para ela, uma criança nasce quando quer nascer. Cada parto é uma história diferente, defende Dilma, que traz suas implicações particulares, por isso, entende que devem ser feitos em hospitais.
— Durante esse período de prevenção à covid-19, eu tive apenas uma gestante, até porque tenho feito menos partos. Mas as pessoas têm de entender que os partos continuam a acontecer, porque é uma área do hospital que nunca para, mantém sempre o mesmo ritmo, independente do que aconteça — sentencia Dilma, que trabalha como obstetra desde 1970.
A médica entende as inquietações de mães e pais que andam preocupados com a covid-19, mas diz que eles precisam se adaptar à nova realidade.
— De alguma forma, eu tento trazer os pais a uma realidade atual. Não adiante conduzi-los a um reino de fantasia (risos). Não gosto de entrar na onda do lamento, porque preciso que eles entendam a realidade desse momento — defende.
Dilma entende que pais e mães andam incomodados com o fato de os familiares não poderem visitá-los nos hospital, nem mesmo em casa. Mas, antes de mais nada, é preciso proteger as crianças e os pais de qualquer situação adversa. Importa mais a vida do que o lamento, importa mais o olhar que traz vida do que o temor da morte.
— Eu gosto de fazer partos, porque a gente se revitaliza. Eu preciso fazer um parto de quando em vez pra me sentir viva. O nascimento sempre segue o seu ritmo, pode perturbar as comemorações, mas não o seu curso — filosofa Dilma.
Nota do Ministério da Saúde com orientações às gestantes
Conforme nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde, a covid-19 não parece se associar a risco de maior gravidade em gestantes, bem como as taxas de complicações e de evolução para casos graves (aproximadamente 5% dos casos confirmados).
O documento cita ainda, que as gestantes que apresentarem síndrome gripal, deverão ter suas consultas e exames de rotina adiados em 14 dias e, quando necessário, serem atendidas em local isolado das demais pacientes. As consultas de acompanhamento deverão ser reagendadas em tempo hábil, de modo que não haja prejuízo ao seguimento pré-natal.
Para as demais gestantes, a recomendação é que seja preservado seu atendimento, com continuidade das ações de cuidado pré-natal, além de serem orientadas a manterem medidas preventivas como evitar aglomerações e realizar as melhores práticas de higiene.
Atendimento nas UBSs segue normal, mas com medidas de preventivas
Em Caxias do Sul, o atendimento às gestantes segue sendo feito normalmente, conforme explica o Fernando Vivian, diretor técnico da Saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde.
— O município segue com o agendamento das consultas e estamos mantendo o atendimento. Mas temos reforçando para as gestantes, que não procurem os hospitais sem ter uma eminência de parto, ou algo que justifique o atendimento emergencial — afirma.
O médico revela que nem todos os momentos da gestação precisam de um acompanhamento tão frequente.
— Sempre que possível, vamos avaliar caso a caso. Porque, quanto menos pessoas estiverem circulando, será melhor para todos — argumenta.
Fernando revela ainda que em todas as unidades básicas de saúde há um número de telefone que está sendo disponibilizado para que as gestantes possam tirar dúvidas quanto ao seu atendimento, ou alguma situação atípica com relação aos seus bebês. Ações como essa visam reduzir ao máximo a necessidade da mãe ter de sair de casa.
Caso as gestantes não tenham o telefone da UBS mais próxima da sua casa podem ligar para o telefone do Alô Caxias, 156. Ou clique aqui para conferir o telefone de cada UBS.
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