Pela primeira vez em mais de 30 anos de disputa, a prefeitura de Caxias do Sul demonstra clara intenção de negociar a dívida milionária com a família Magnabosco. As possibilidades passam pela oferta de imóveis públicos como abatimento do valor da indenização, maneiras de obter descontos consideráveis e até mesmo um longo parcelamento de uma conta que passa dos R$ 650 milhões. O município considera o valor estimado da dívida, não calculado oficialmente pela Justiça, como impagável.
Ao assumir o cargo em janeiro, o prefeito Flávio Cassina já havia sinalizado o interesse por um acordo. Agora, a tarefa está com o procurador-geral do município, Sérgio Augustin. O primeiro passo será marcar uma reunião com os representantes jurídicos dos Magnabosco, que alegam não terem sido contatados até o momento. Augustin não definiu uma data, mas diz que os detalhes do encontro serão definidos em poucos dias.
— Por orientação do prefeito, tenho a tarefa de conversar com a família, que se diz receptiva. Vamos ver se conseguimos fazer a negociação. Eles disseram que estariam dispostos. Hoje, se não for parcelado, se não for com entrega de patrimônio, a dívida é impagável.
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Ao mesmo tempo em que tentará compor um acordo, Augustin revela que um grupo da Procuradoria-Geral do Município (PGM) continua estudando os aspectos jurídicos do processo.
A última esperança de reversão da dívida foi enterrada no ano passado, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o município deveria permanecer como réu no caso depois de ter sido condenado em todas as instâncias. Com isso, novamente foi aberto o caminho para a execução e cobrança da dívida, suspensas em razão desse julgamento no STJ. Outros dois processos ainda tramitam em instâncias superiores. Os moradores do Primeiro de Maio também foram condenados, mas a opção dos Magnabosco é cobrar a indenização do município.
— Estamos sendo transparentes. Queremos fazer um acordo, mas criamos um grupo de estudo, com procuradores e estamos vendo se há alguma saída jurídica. Porque (a ação rescisória no STJ) foi o último recurso, a última tentativa. Estamos vendo se há outra possibilidade, se esgotaram todos os recursos, só nos resta negociar.
Embora não tenha um plano estabelecido no papel, o município acredita que poderia, por exemplo, negociar os valores em troca de índices construtivos (que funciona como moeda no mercado imobiliário) e entregar imóveis sem uso. A redução do valor da dívida, porém, seria fundamental. Para isso, a negociação usaria como base as negociações tradicionais entre credores e devedores, em que os descontos são concedidos para garantir o pagamento.
— Não tem como tirar esse valor todo do orçamento, que já tem destinação. Vamos tentar marcar porque o interesse também é nosso. Não chegamos a valores para que pudéssemos parcelar, tem que ver que desconto vão nos dar. Não será fácil um acordo, envolve muito dinheiro — admite Augustin.
Num cenário em que as partes cheguem a um acordo, Augustin ressalta que o resultado ainda precisaria passar por aprovação do Legislativo.
Advogado da família diz que prazo para acordo está esgotando
O advogado que representa a família Magnabosco, Durval Balen, diz que nenhum contato por parte do município havia sido feito até a tarde de ontem. Enquanto isso, os juros sobre o valor da dívida continuam aumentando.
— Desde o início do processo referi que a família esteve aberta para conversação, para se chegar a um denominador comum. Quando essa nova administração assumiu, disse que viriam procurar a família. Passados mais de 60 dias da posse, até agora, essa procura não aconteceu. Isso demonstra que as declarações não passaram de meras falácias — comentou o advogado.
Para ele, o resultado da não comunicação é ruim para o município, porque uma negociação pressupõe que as partes abririam mão de algo para chegar a um possível acordo. A questão é que, segundo Balen, o prazo está se extinguindo:
— As portas sempre estiveram abertas, agora estão se fechando.
Ainda estão pendentes de decisão dois processos relativos ao caso, o que poderia sugerir que a prefeitura estivesse aguardando decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o Recurso Especial que tramita desde meados de dezembro de 2016. Esse processo tem como relator o ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin e ainda não tem data para ser julgado. Outro processo que aguarda decisão é sobre um recurso interposto pela prefeitura no Tribunal de Justiça que trata dos juros da dívida.
Conforme o advogado, o caso agora é uma questão de cálculo, já que o precatório foi emitido ainda em 2015, e de tempo até o julgamento do STJ, pois o bloqueio de valores está suspenso em função desse processo. Os termos para pagamento da dívida, estipulados pelo TJ, foram de entrada de 15% do valor total e restante parcelado em cinco anos.
Sobre a possibilidade de acordo, Balen comenta que ouvirá a proposta da prefeitura e levará à família que é quem, em última instância, decide:
— Ou o acordo sai agora, ou não sai mais.
OS PROCESSOS:
:: A decisão do STJ, de novembro do ano passado, que manteve o município como um dos responsáveis pelo pagamento da indenização à família Magnabosco referente à área onde atualmente é o bairro Primeiro de Maio, abriu caminho para a cobrança da dívida milionária.
:: A dívida foi desmembrada em dois processos diferentes. No primeiro, já transitado em julgado, a Justiça bloqueou R$ 65 milhões das contas do município para pagar precatórios aos Magnabosco em 2017 _ o valor original total era de R$ 304 milhões. Esse pagamento foi suspenso em razão da ação rescisória, já concluída, e de um recurso especial do município que pede o cancelamento dos precatórios. O recurso especial ainda não foi julgado no STJ está pronto para entrar em pauta.
:: Se o município ganhar esse recurso especial, o precatório é cancelado. Contudo, a cobrança futura aumentaria a dívida ainda mais, uma vez que haveria juros e correção monetária contados a partir da inscrição dos precatórios em 2015. Quando se trata de precatório, os juros não correm, apenas a correção monetária.
:: A outra parte da dívida, que ainda está sendo discutida, refere-se a uma discussão sobre os juros da dívida e tramita no Tribunal de Justiça, já em fase recursal porque o município perdeu e recorreu, com possibilidade de uma resolução ainda neste mês. Originalmente, esse valor era de R$ 87 milhões e baixou para R$ 73 milhões após a defesa reconhecer que havia uma cobrança a maior. Este valor atualizado está em cerca de R$ 200 milhões, conforme advogado da família.
:: Somados, esse valores hoje estariam perto de R$ 820 milhões (incluindo juros e correção monetária).