De um lado, o discurso de apaziguar Caxias do Sul dentro da legalidade. De outro, críticas aos supostos favorecimentos de pequenos grupos em prejuízo da grande maioria. São as visões distintas sobre as escaramuças iniciadas no governo do prefeito cassado Daniel Guerra que antecedem o mutirão de conciliação de ações judiciais agendado para a quarta-feira, dia 11, no Fórum.
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Como são várias tentativas de acordo envolvendo interesses privados e públicos, o questionamento é como saber se as decisões serão equilibradas para o município em disputas financeiras e patrimoniais. Além dos processos de reintegração de posse de, pelo menos, 60 imóveis públicos, o mutirão discutirá, por exemplo, o congelamento da tarifa de ônibus urbano, que resultou numa ação milionária contra a prefeitura, o desgaste em torno da proibição da Parada Livre na Marquês do Herval, item que embasou o impeachment de Guerra, e a licitação de escolha da entidade para administrar a UPA Central 24 horas.
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Favorável às conciliações, Rudimar Brogliato, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Subseção Caxias do Sul, explica que os objetos do mutirão envolvem o direito disponível, isto é, quando é possível ocorrer uma transação. Ele frisa que muitas da ações abertas na gestão passada não têm sentido para prosseguir e poderiam causar prejuízos aos cofres municipais em razão de honorários, custas e indenizações.
— O gestor público não pode reduzir um imposto num acordo porque ele está previsto na lei. Mas o caso da Parada Livre, por exemplo, é em cima de um ato político da administração anterior. Se as conciliações serão vantajosas ou não, é preciso analisar caso a caso. Para isso, existem órgãos fiscalizadores — reitera Brogliato.
O jurista cita o Tribunal de Contas (TCE), o Legislativo e o Ministério Público (MP) como instituições responsáveis em identificar se o município não sairá em desvantagem. Embora não possa comentar sobre casos que são de atribuição de outros colegas, a promotora de Justiça Janaína de Carli reforça que o MP sempre acompanha acordos que envolvem o interesse público.
— Não há impedimento para conciliações. Depois que as partes se manifestam, o processo vem para o MP dar o parecer.
Antes de serem oficializados, os acordos precisam ser homologados pelo juiz responsável.
"Estamos fazendo aquilo que é possível reconsiderar"
O mutirão dá visibilidade a desentendimentos iniciados na gestão passada, mas é apenas parte dos acertos costurados entre prefeitura e diversos segmentos que estavam com as relações conturbadas com o Executivo caxiense.
Muitas situações não judicializadas vêm sendo resolvidas de forma administrativa, caso da devolução das chaves da antiga sede do Sindicato dos Servidores Municipais de Caxias do Sul (Sindiserv), realizada em ato solene com a participação do prefeito Flávio Cassina, na sexta-feira passada. O governo Guerra havia exigido a devolução do prédio em 2018, utilizado antigamente como sede pelo sindicato, sob a justificativa de ter outros projetos para o espaço.
— Estamos fazendo aquilo que é possível reconsiderar, dentro da legalidade. O governo anterior entrou em conflito com toda a cidade. Vai levar anos para recompor a relação harmônica. Em dois meses de governo, estamos apenas resolvendo conflitos, projetos travados ou deixados de lado pelo prefeito cassado — ressalta o vice-prefeito Edio Elói Frizzo.
O procurador-geral do município, Sérgio Augustin, complementa:
— O que estamos tentando fazer é uma gestão melhor do patrimônio. Seja do Estado, da União ou do município, é possível de fazer uma permuta, uma venda. Veja o posto da Coocaver (erguido em área pública). Hoje não rende nada para o município, rende para o particular. Vamos pegar e trocar por uma área que possa render algo para o município, como receber uma área para uma futura obra da terceira perimetral. A prefeitura está aberta para regularizar e fazer cessão de uso de imóveis, negociar um por um, ver se tem interesse público.
Embora a atual gestão insista que os gestos servem para pacificar a cidade, fazer melhor gestão do patrimônio público e corrigir eventuais injustiças, o porta-voz do governo de Guerra, Júlio César Freitas da Rosa, enxerga um retrocesso pela questão envolvendo a cedência de imóveis públicos para fins particulares.
— As pessoas não querem ver as questões legais, acham que com jeitinho tudo se resolve — critica (leia mais aqui).
SAIBA MAIS
:: O mutirão de conciliação ocorre no 3º andar do prédio do Fórum (bairro Exposição) nas salas do Juizado Especial da Fazenda Pública (Jefaz) e da 2ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública. Foram reservados horários entre 9h e 17h20min de quarta-feira, dia 11. As audiências foram agendadas a pedido da Procuradoria-geral do município (PGM).
:: Estão agendadas audiências para 37 processos em que a prefeitura aparece como ré ou autora da ação. Vinte e nove ações foram abertas entre 2017 e 2019, período da gestão de Daniel Guerra. Os outros oito processos envolvem gestões de José Ivo Sartori e Alceu Barbosa Velho, boa parte relacionada a questões de execução fiscal.
:: Parte das audiências envolve a disputa por imóveis públicos entre movimento comunitário e município. Horários: 9h20min, 9h40min, 10h40min, 11h, 11h20min, 11h40min, 13h40min, 15h20min. Os casos podem ser conferidos aqui.
:: Os acordos serão submetidos posteriormente ao parecer do Ministério Público e do juiz da Jefaz e da 2ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública, João Pedro Cavalli Junior.
OUTRAS AÇÕES POLÊMICAS
Além dos processos de reintegração de posse de imóveis públicos, as audiências de quarta-feira, dia 11, têm os temas abaixo
Participação popular na saúde pública (audiência às 13h40min)
No ano passado, o Sindiserv ingressou com pedido de suspensão da licitação para escolha da entidade que administraria a UPA Central 24 horas, hoje gerida pelo Insaúde. A ação do Sindiserv é baseada nos artigos 197 e 199 da Constituição Federal, os quais não permitem a atividade terceirizada na área da saúde, e a Lei 8.080/90, que regula o repasse para a iniciativa privada da saúde, apenas quando as disponibilidades do poder público forem insuficientes, entre outros argumentos. Conforme a advogada Cláudia Corrêa, houve falta de participação popular no processo de terceirização do antigo Postão e total exclusão do Conselho Municipal da Saúde do papel deliberativo que lhe cabe em procedimentos semelhantes.
— Havia pedido de suspensão da licitação e discussão da legalidade do ato. Vamos avaliar qual será a ideia da prefeitura — comenta Cláudia.
O município sugerirá a desistência da ação, pois o objeto se perdeu, uma vez que a UPA já está funcionando.
Polêmica turística (audiência às 14h40min)
O ingresso de Caxias do Sul na Região Hortênsias também se transformou em conflito judicial. A ação movida por Maurício José Flores, presidente do PDT, requer a volta para a Região Uva e Vinho, contrariando os interesses da gestão passada. Em agosto, o Tribunal de Justiça derrubou a liminar que impedia a alteração para a Região das Hortênsias _ a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico e Turismo queria manter Caxias na Uva e Vinho.
— Espera que o município entenda, com o novo prefeito, que Caxias deve ficar na Região Uva e Vinho. Primeiro porque estamos há um tempo na região (Hortênsias) e nada aconteceu. Nessa audiência, esperamos conciliar. Encerraria o processo e gera efeito positivo para Caxias — opina Flores.
Para Augustin, não há sentido em continuar a ação, uma vez que o novo mapeamento turístico vigorará até 2021. Da mesma forma, não haveria como retroceder antes desse período para a Uva e Vinho.
— Isso aí tem um prazo um período de dois anos. Vamos encerrar o litígio, não tem sentido, tem que aguardar o próximo governo. Se obtivesse uma liminar, tudo bem, mas o processo não vai se resolver até o final (do prazo) — pondera o procurador do município.
Reforma da praça (audiência às 15h)
Em 2019, Daniel Guerra anunciou a reforma da Praça Dante Alighieri e o esboço já indicava o fim de uma simbologia histórica: do alto, é possível ver que o traçado da praça forma um esquadro e um compasso, representações da maçonaria. Diante da mudança prevista, um integrante da maçonaria moveu processo para barrar as obras. Liminares da Justiça proibiram qualquer alteração sem antes passar por avaliação do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc) e aprovação da Câmara de Vereadores, movimentos exigidos por lei municipal. Augustin diz que é necessário avaliar se o município continuará com o projeto de reforma, o que é improvável. Confirmado a desistência, se extingue a ação.
Visate x município (audiências às 16h20min e 16h40min)
A concessionária do transporte coletivo urbano moveu duas ações que estão na casa dos milhões de reais: uma é referente a falta de reajuste na tarifa de ônibus em 2017, opção de Daniel Guerra, e a outra é um pedido de indenização pelas perdas da empresa ao longo de anos de concessão por supostamente culpa do desequilíbrio financeiro do contrato. Nos bastidores, a disputa judicial é comparada ao Caso Magnabosco porque pode envolver uma indenização muito elevada. A empresa aguardará a audiência de quarta-feira antes de qualquer manifestação. O Executivo acredita que é possível chegar a um acordo para encerrar os dois processos. Segundo Sérgio Augustin, a reparação pelo congelamento da tarifa de ônibus beira aos R$ 20 milhões. Ainda não há valor definido no processo de revisão das planilhas de anos anteriores.
— Nossa proposta é pelas extinção das duas ações — diz Augustin.
Parada Livre (audiência às 16h40min)
Será mera formalidade a celebração de um acordo para encerrar a ação do Ministério Público contra a prefeitura em razão do veto da Parada Livre na Rua Marquês do Herval. Como o evento já foi realizado na Marquês por determinação da Justiça, não seria necessário uma conciliação, mas somente um reconhecimento do pedido por parte do município.
Contas do IGH (audiência às 17h)
Em maio de 2019, a Secretaria Municipal da Saúde apontou a não comprovação de despesas na prestação de contas do Instituto de Gestão e Humanização (IGH), que gerencia a UPA Zona Norte. Por isso, pediu a devolução de R$ 1.962.354,38. O IGH recorreu, alegando que comprovou legalmente as despesas e anunciou que deixaria a administração em janeiro deste ano. A relação com o Executivo foi apaziguada com a gestão atual da prefeitura _ o IGH agora ficará até setembro na UPA (quando termina o contrato).
A procuradoria do município, porém, propõe que os valores fiquem indisponíveis e sejam movimentados com a autorização da prefeitura:
— Pedimos que o valor esteja provisionado num fundo para eventuais decisões. Queremos propor que o IGH aceite e só com a nossa autorização possa ser disponibilizado. Entendemos que deveria ter sido feito um fundo e não utilizado o valor — detalha Augustin.
Penhora de sede do Sindicato dos Médicos ficou de fora da conciliação
Entre os casos que seriam tema da conciliação está a penhora da sede do Sindicato dos Médicos. O litígio surgiu ainda com o prefeito José Ivo Sartori, durante a longa greve na rede municipal no período 2010/2011.
Na época, a Justiça estabeleceu multa contra o sindicato que hoje está em cerca de R$ 400 mil. A gestão de Daniel Guerra deu prosseguimento à execução da dívida. Resultado: a sede da entidade, no centro de Caxias, foi penhorada para garantir o pagamento. A procuradoria do município optou por não fazer mais acordo e esperar uma decisão final na Justiça.