Capital do Espumante, cidade do Centro Histórico preservado, da produção de uva, de aves, da realização de eventos que ganharam visibilidade nos últimos anos, como o Garibaldi Vintage e o Carnaval Retrô. Inúmeros são os quesitos que dão reconhecimento a Garibaldi. O que poucos sabem — ou lembram — é que o município de cerca de 35 mil habitantes já teve outra marca relevante: a estação de esqui.
Empreendimentos recentes que ocupam parte da área onde a prática acontecia, guardam brevemente, por meio do nome e de algumas imagens, a memória do que foi um dos orgulhos mais grandiosos para a comunidade. Quem ouve falar pela primeira vez nem acredita que, durante três décadas (de 1970 a 2001), o esqui foi um esporte popular entre os jovens da localidade, o "futebol" da gurizada.
Prova disso é o engajamento de um grupo formado por ex-praticantes e ex-frequentadores do Ski. Em maio de 2019 eles criaram a Associação Amigos do Esqui que, mais do que recordar a era de ouro do esporte na cidade, tem como objetivo dar vida a esse orgulho que ficou praticamente esquecido por mais de 20 anos. O plano é fabricar uma pista desmontável de polietileno, com 100 metros de comprimento e aproximadamente seis de largura, feita da matriz original doada pela família do fundador já falecido, o empresário garibaldense David Santini.
A semente desse resgate começou a ser cultivada ainda antes do grupo se formar, há cerca de 10 anos, quando um dos ex-esquiadores, Vitor Guaragni, 41, iniciou uma jornada pessoal, incansável, reunindo peças que fizeram parte da história do empreendimento. De bicicleta e apenas com recursos próprios, ele bateu em muitas portas atrás de equipamentos, publicações, e todos os objetos imagináveis que, juntos, contam a história deste lugar que não existe mais. Até uma das cadeiras do antigo teleférico - o primeiro do Brasil, construído em 1970 — ele exibe hoje em frente à fachada de casa, no Ferroviário, mesmo bairro onde ficava a "Disneylândia" garibaldense.
Na garagem, além de guardar a bicicleta que o locomoveu durante a empreitada, ele também preserva os mais de 500 itens adquiridos em uma espécie de memorial do Ski. O local intitulado Ski Bar 313 (número da residência) sedia os encontros dos amigos da época, bem como os jantares realizados nos últimos meses com o intuito de angariar fundos para a iniciativa da nova pista.
Pela porta, que fica nos fundos, o anfitrião conduz o olhar do visitante à área de 25 hectares que foi sua segunda casa na adolescência. A poucos metros do videogame Atari que o distraia em dias de chuva — com fita de ski, é claro — Guaragni, em dias de sol, vestia seu macacão e compartilhava com outros tantos adolescentes o prazer de deslizar em alta velocidade sobre os 400 metros de pista do parque vizinho, usando botas acopladas a esquis profissionais de madeira da marca Santini.
— Eu esquiava, fui instrutor e trabalhei lá no parque também, assim como minha mãe e meus irmãos. Eu me criei lá — recorda, saudoso.
O complexo ocupava 10 hectares da área, dispondo ainda de um tobogã para os não-praticantes, um restaurante e cabanas para hospedagem. Tudo com vista privilegiada para a cidade, que era menos populosa na época.
Na lembrança, a movimentação que se fazia em dias de campeonato, com falta de espaço para a quantidade de ônibus provenientes de diferentes Estados, em um tempo que esquiar na neve estrangeira praticamente não era opção. Fala-se em 100 mil visitantes ao ano; número certamente estimulado pela publicação em uma edição da Time brasileira de 1970 que enalteceu a possibilidade de esquiar no Brasil em qualquer estação do ano.
Garibaldi acompanhou o auge e o declínio do parque, além de alguns suspiros que pareciam sinalizar a retomada de seu pleno funcionamento. Não aconteceu. Em 2001, após alguns desentendimentos com a Administração Municipal, um impasse judicial acabou de vez com o sonho dos jovens esquiadores.
Abandonadas pelo dono, as construções viraram ruínas com a ação do tempo; depois, em 2015, foram completamente demolidas, dando espaço ao shopping, a um hotel e a um condomínio residencial.
Fabricação em vista
O salão do bairro Ferroviário serviu em capacidade máxima, no último sábado (7), mais um dos jantares promovidos pela associação em prol do projeto. Foram cerca de 280 fichas comercializadas.
— São quase 300 pessoas que acreditam na nossa iniciativa, ou pelo menos no matambre recheado servido — brinca o presidente, Jorge Costa de Freitas, 53.
Ele conta que, no início, a ideia foi tida por muitos como "maluca", mas agora está mais perto que nunca de tornar-se realidade. O investimento total para a montagem da nova pista deverá chegar perto dos R$ 30 mil. Para o tamanho de pista almejado, serão necessárias 10 mil peças, sendo injetadas aproximadamente mil por dia com a matriz original trazida de Recife, onde vive a família de Santini.
— A matriz original estava com uma pequena rachadura e foi para o conserto, mas logo estará conosco e iniciaremos o trabalho de forma coletiva — explica Freitas.
As peças de 15 centímetros cada encaixam-se umas às outras. O modelo de formato triangular com uma semiesfera ao centro foi criado e patenteado por Santini, inspirado por uma pista artificial que conheceu quando viajou à Itália ainda na década de 1960. Da inauguração do parque em Garibaldi até meados dos anos 1980, tanto as peças quanto equipamentos da marca David Santini eram produzidos na cidade, para abastecimento local e também das estações que ele construiu em São Roque (SP) e Petrópolis (RJ), sendo a segunda desativada há 27 anos.
Na iniciativa atual, o grupo pretende montar a pista em "blocos" que poderão ser facilmente montados e desmontados, instalados de forma pontual sobre um terreno inclinado, que permita o deslize dos esquiadores, com equipamentos que serão fornecidos pelos associados a todos que quiserem experimentar a novidade "das antigas". A associação vai buscar apoio e parcerias para realizar eventos que promovam a atividade, reunindo ainda foodtrucks e outras atrações. O empreendimento ainda não tem data para estreia, mas já tem sua finalidade mais do que clara para seus idealizadores:
— É um projeto sem fins lucrativos, um resgate feito para Garibaldi — completa o presidente.
ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO SKI
:: Presidente: Jorge Costa de Freitas
:: Vice-presidente: Claimar Agatti
:: Primeiro tesoureiro: Derli Dalmás
:: Segundo tesoureiro: Claudiomiro Libardoni
:: Primeiro secretário: Rafael Guaragni
:: Segundo secretário: Joel Brunello
:: Conselho fiscal
- Titulares: Vitor Guaragni (idealizador e fundador); Ivanor Balbinot; Francisco Tedesco
- Suplentes: Valmir Massiroli; Marcos Aurelio Deolindo; Altino Ferrando de Almeida