Há pouco mais de duas semanas, a história inspiradora de Silvia Grecco – mãe que narra os jogos do Palmeiras para o filho Nickollas, 11 anos, que é deficiente visual – emocionou o mundo ao receber o prêmio Fifa Fan Award, na cerimônia The Best, promovida pela Fifa. Não é preciso ir tão longe, no entanto, para encontrar histórias comoventes como essa.
Em Caxias, Fátima Martinato, 65, conta coma ajuda do neto, Pedro El Andari De Martini, cinco, para perceber parte daquilo que acontece ao seu redor. A professora universitária e pesquisadora aposentada começou a perder a visão em 1990 em decorrência de uma doença genética, que causa a degeneração da retina — a chamada retinose pigmentar. Aos 52, em 2006, depois de passar por diversos tratamentos, inclusive em outros países, ela acabou deixando de enxergar completamente, ainda que consiga diferenciar o claro do escuro.
A ligação de Pedro com os livros começou a ser construída desde antes de seu nascimento: logo que descobriu que seria avó, Fátima começou a comprar obras infantis para o neto. Tranquila, ela é a típica avó coruja e deixa o menino aproveitar ao máximo as visitas ao seu apartamento. Fátima explica que, instintivamente, Pedro adaptou-se à sua condição, já que quando nasceu ela tinha perdido a visão há oito anos.
— Aos dois anos, ele já entendeu que eu só enxergava com as mãos. No início, quando eu “lia” para ele, inventava as histórias. Com o tempo, o Pedro começou a querer ver o livro e ali começou a me descrever como se pareciam as imagens com as palavras dele — comenta a professora aposentada.
Atualmente, o menino está sendo alfabetizado.
— Tenho cinco anos e já sei ler, tem um amigo meu que tem seis anos e não sabe. Gosto de ler revistinhas da Turma da Mônica. Ela é minha personagem favorita, porque ela dá coelhada. Gosto de ler para a vovó. Ah, eu também conto para ela como são as figuras— conta.
Tímido, mas sorridente, Pedroca — como é carinhosamente chamado pela família — fala, entre uma brincadeira de cartas e outra, que também assiste a televisão com a avó:
— Eu vejo desenho com ela e é legal também. Para ajudar, eu digo o que está acontecendo. Se tem um degrau ou uma escada, eu também aviso.
Fátima “escuta” os livros
Hoje adaptada às dificuldades que a deficiência visual apresenta, Fátima Matinato faz uso de um óculos, que funciona como um Equipamento de Proteção Individual (EPI), para evitar possíveis acidentes. Apaixonada por livros desde cedo, ela não deixou a deficiência visual impedi-la de continuar dedicando-se à literatura.
— Desde criança, sempre tive muito apreço pelos livros. Entre comprar um sapato e um livro, eu comprava o livro. Durante minha vida adulta, comprava obras para ler quando me aposentasse. Acabei me aposentando por invalidez e não pude ler, no papel, ao menos.
Ela conta que tinha uma biblioteca bem razoável.
— Acabei me desfazendo, pois me causava angústia e trabalho. Porém, até hoje estou sempre lendo. Existe um programa de computador que lê os livros para nós. Gosto de clássicos. Mas, também leio best-sellers — relata.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 39 milhões de pessoas são cegas assim como Fátima. A estimativa é que em 2020 esse número suba para 75 milhões. Ainda de acordo com levantamento da OMS, mais de 225 milhões são portadores de baixa visão,sendo incapazes de desempenhar tarefas simples no dia a dia, devido à deficiência visual.