Na adolescência, Matheus Alberto da Silva Boeira colou no quarto de casa um adesivo sobre os perigos do crack. Em algum momento, traiu sua própria convicção e foi fisgado pela droga. Um tiro na nuca, o corpo queimado e uma história encerrada aos 24 anos no Vila Ipê, em Caxias do Sul.
Por ter o nome associado ao vício, ele virou mais uma vida riscada na lista das banalidades que quase ninguém dá importância. Mas Matheus tinha uma família que se importava com ele. É a família que suporta o esmagador peso da dor, do vazio compartilhado entre poucos. Joceli da Silva, 49, mãe de Matheus, tenta ser resiliente, mas não há receita para confortar a perda de um filho. Se a cidade não olha para essa mãe, o que dirá de outras dezenas afetadas pela epidemia de crack, problema esquecido na cidade.
— Dizem que foi ele quem procurou essa vida, disseram para mim esquecer, mas uma mãe não esquece. Dói tanto em mim que fico imaginando a dor dos outros — sofre Joceli.
Matheus era usuário de drogas desde o final da adolescência. Começou na maconha, evoluiu para cocaína e se agarrou ao crack. O comportamento foi desencadeado a partir da mudança da família do bairro Sagrada Família para um apartamento novo no Santa Fé em 2009, época em que a problemática do crack dava o tom de campanhas inéditas no Brasil.
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Ao lado de outras companhias, o rapaz foi decaindo aos poucos a ponto de passar dias seguidos sem voltar para casa e a família varava o bairro atrás dele. Era muito triste ver o filho inteligente e cheio de planos jogado na rua, passando frio e usando drogas. Mas bastava o grito dele no portão do prédio para que Joceli estendesse os braços na esperança de confortá-lo e guiá-lo para outro caminho. E quantas tentativas. Matheus ficou em clínicas conceituadas de Caxias graças ao plano de saúde pago pela mãe e o tratamento nunca vingou. Uns 30 dias antes de ser morto, ele manifestou mais uma vez o desejo de buscar uma recuperação.
As coisas, porém, haviam mudado. Por ser maior de idade, ele já não tinha mais o plano de saúde como dependente de Joceli. A mãe procurou uma clínica conhecida da família, que baixou o preço da diária para R$ 300, dinheiro que ela não tinha.
Em meados de julho, Matheus ficou quatro ou cinco dias sem aparecer em casa. O coração de Joceli palpitou e chegou a notícia de um corpo queimado numa casa a menos de um quilômetro da moradia da família. Intuição de mãe é insuperável, mas Joceli precisou esperar 37 dias para um exame confirmar o que ela já sabia. Difícil descrever a cena de uma mãe se despedindo de um filho num caixão que nunca pode ser aberto, num velório que nunca aconteceu.
Joceli pensa em ir embora, talvez morar com outro filho fora do Estado, mas o coração está dividido. O netinho de 1 ano, filho de Matheus, também precisaria de sua atenção. A mãe imagina que a problemática do crack hoje é muito pior e não vê uma solução para Caxias. Sugere aos pais que tomem as rédeas e mostrem a realidade para convencer seus filhos a não entrar nisso.
— Antes de acontecer comigo, eu não criticava os usuários, mas eram invisíveis para mim. Muitos não têm ninguém, eles não são invisíveis, são humanos e doentes. É o egoísmo da gente, só vemos quando é do nosso lado — desabafa Joceli, sem contar o choro.
O assassinato de Matheus está sob investigação.