A rotina sem sobressaltos de Salete Fortuna, 58, e Darci Alves de Brito, 68, terminou sobre as britas de uma lavagem de carros, pouco depois do meio-dia de 5 de março, dia de Carnaval, em Caxias do Sul. Tio Brito, como Darci gostava de ser reconhecido, era um homem forte e destemido. Poucas horas antes de embarcar na primeira viagem que faria à praia ao lado da esposa, ele enfrentou um ladrão armado.
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O bandido queria roubar a caminhonete que um cliente havia confiado ao Tio Brito e a Salete na lavagem do bairro Salgado Filho. O casal limpava o veículo e o assaltante chegou sorrateiramente. Num gesto rápido, Tio Brito se virou, empurrou o ladrão, mas levou um tiro no peito. Resistente, o trabalhador foi para cima do bandido. Caminhou uns 15 passos e caiu sobre o corpo do assaltante. No chão, o criminoso disparou novamente, desta vez, na cabeça de Tio Brito.
O horror não sai da memória de Salete, nunca sairá certamente. Tudo mudou para a mulher.
— Teve um tiro que foi para mim, a polícia achou a bala no chão. Acredita que eu não ouvi o barulho desse tiro e nem o primeiro que acertou meu marido? Só último — conta.
Salete jamais havia ficado de frente para um assaltante, tampouco Tio Brito. Nos 19 anos na lavagem, o casal não sofrera furto ou roubo. A polícia descobriu mais tarde que o autor dos tiros e outro comparsa que ficara nas proximidades eram viciados em crack que roubavam veículos às vezes em troca de R$ 5, o preço de uma pedra da droga. Um dos presos já havia sido preso em outras ocasiões por furtos e roubo e invariavelmente alegava ser usuário de crack. Solto novamente, seguiu no vício e no crime.
Tio Brito quis impedir o prejuízo do cliente e pagou com a vida. A lavagem era o sustento do casal. Salete não quis mais voltar ao trabalho e deixou o pequeno negócio para uma filha e o genro. Ela não buscou terapia para enfrentar a dor como muitas fazem. Tenta o amparo dos filhos.
— Era meu parceiro para tudo. Ele adorava ir em baile, gostava de pilcha. A gente nunca tinha ido a praia juntos. Era a primeira vez, íamos ficar quatro dias e meio em Arroio do Sal. Minha vida mudou para pior. E pensava que esse tal de crack só deixava a pessoa boba, sem reação — diz Salete, ao reconhecer que a epidemia não tinha importância alguma até o dia fatídico.