Sabe aquela comida deliciosa que só a sua mãe faz ou aquele prato que é a especialidade do seu pai? O bolo do seu casamento ou o lanche preferido dos seus filhos que sua esposa prepara com tanto carinho? Essa alimentação que desperta lembranças afetivas é chamada de Comfort Food. O termo que surgiu em 1966, nos Estados Unidos, hoje é uma das maiores tendências em alimentação moderna. Em Caxias do Sul, o conceito de Alimento Confortável tem mudado o dia a dia de cerca de 45 pacientes internados nos setores de longa permanência, oncologia, cuidados paliativos e pediatria do Hospital da Unimed.
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Essa relação entre a comida e o estado emocional se tornou um aliado do Serviço de Nutrição da instituição. As nutricionistas trabalhavam com o conceito de Comfort Food, de maneira isolada, ou seja, com alguns pacientes de cada profissional. Elas perceberam que podiam potencializar as atividades e criar cardápios e esquemas alimentares com comidas caseiras, que os pacientes possam comer para que se sintam mais perto de casa.
A sensação de prazer que o cheiro da comida desperta, é capaz de transportar os pacientes a momentos marcantes. Essa mudança de humor pode aliviar os efeitos de sentimentos ruins, aumentar o apetite e a vontade de se alimentar e acalmar, mesmo quando estão enfrentando dias difíceis no combate às doenças ou tratamentos dolorosos que exigem que fiquem internados e longe de casa e da família.
A Coordenadora do Serviço de Nutrição, Vanessa Dias, acredita que quando o paciente pode comer o que gosta, se alimenta melhor, mesmo quando está mais debilitado:
— Toda nossa vida gira em torno de comida. As datas comemorativas, nossas lembranças e melhores momentos estão relacionados à alimentação e muitas vezes para uma pessoa que está acamada, às vezes com poucas visitas, tudo restrito, comer se torna o evento do dia.
Sensação de bem-estar estimula pacientes
A nutricionista Tamires Tomazoni, conta que há mais de um ano passaram a ter conversas individuais com os pacientes do hospital para criar cardápios mais atrativos e que estimulem a alimentação saudável e o combate a doença, unindo ações isoladas.
— Os pacientes tinham muita dificuldade de se alimentar e a aceitação dos alimentos que faziam parte da dieta não era tão adequada quanto poderia. Então, começamos a pensar em como combinar refeições, trocar alguns utensílios que usamos, porque sabemos que o térmico, por exemplo, tem uma aparência que não é tão agradável e tem um odor diferente. Passamos a usar pratos e copos e permitir que comam outros preparos que não os que estão fixados no cardápio do dia dentro daquela dieta — afirma.
Com as mudanças, as profissionais perceberam que a desnutrição alimentar também reduziu. Para a nutricionista Andréia Falcão Cunha, essa sensação de bem-estar estimula o paciente a consumir algum alimento que traga este “conforto psicológico”, por isso ele come melhor:
— Ter uma alimentação parecida com a que eles têm em casa, muda muito o quadro dos pacientes e ajuda no tratamento. A comida faz isso. Afinal, ela tem uma carga emocional de casa, de família e de bem-estar e eles nos falam: “é igual a que eu faço”, “essa sopa é como a da minha mãe”. Dessa forma, aceitam melhor a alimentação e se fortalecem dia a dia.
A nutricionista Bianca Zini Groth também aponta que os resultados são visíveis:
— Geralmente esses pacientes estão em tratamentos longos, acabam se internando várias vezes. O retorno que temos deles é muito gratificante, porque eles nos mostram o quanto ficam felizes e agradecidos, porque a alimentação gera sentimentos e essas memórias fazem bem a eles no dia a dia no hospital.
"Eu queria muito um milk-shake", diz Rafael
O menino Rafael Castilhos Medeiros, 6 anos, não escondeu o sorriso ao ver o milk-shake nas mãos da auxiliar de nutrição. O menino disparou sorrindo com os olhos brilhando:
— Eu queria muito um milk-shake. Eu adoro! – comemora entre um gole e outro, durante o lanche da tarde.
A mãe de Rafael, Gilomara Castilhos, 26, acompanhava a alegria do filho. Ela conta que ele está internado desde o dia 14 de abril para tratar complicações de uma infecção no ouvido.
— Ele fica chateado e entediado de ficar o dia todo aqui no quarto e poder tomar um milk-shake de morango, que ele adora, faz com que o meu pequeno fique feliz. Poder comer o que gosta, acalma ele — ressalta.
O aposentado Rui Lorandi, 73, está internado há 80 dias. Ele se emociona ao falar sobre a recuperação lenta após complicações com a implantação de uma prótese no joelho direito.
— Fico emocionado com todo o cuidado que recebi aqui, todos os dias um bolinho, um pão de queijo, suco feito na hora e o carinho da equipe fez com que me sentisse mais perto de casa. A comida é um espetáculo. E estou indo embora saudável e mais gordinho, conta entre risos.
A esposa dele, Neura Rech, 63, ressalta que poder comer os alimentos e pratos preferidos ajudou na recuperação:
— Ele perdeu o apetite durante um tempo e a equipe conversava com ele sobre o que mais gostava de comer e fizeram pratos especiais para o meu marido, como salmão, que ele adora. Essa preocupação e cuidado com os alimentos é um diferencial e tem três opções de pratos preferidos para escolher no almoço. Nunca vi isso em outro hospital — ressalta.
Carinho e amor do preparo à entrega
Na cozinha,a comida é preparada com muito amor e carinho e depois é servida por quem conhece bem o gosto e as preferências de cada paciente. O primeiro passo é conhecer os hábitos e valorizar as individualidades. A sopa de agnoline, aquele chocolate quente, a torta de bolacha, a massa cabelinho de anjo, o sorvete de morango, e o café com leite que mantêm uma relação emocional no cotidiano das pessoas e podem ser considerados “comidas da alma ou ainda comida de refúgio”.
São profissionais como a auxiliar de nutrição, Amabile Arruda Reis que convivem diariamente com os pacientes, que têm a missão de levar esse conforto em forma de comida até eles:
— O carinho que recebemos ao fazer os pacientes mais felizes em meio à dor muda o nosso dia e fazer bem a eles nos faz bem também. Fico muito contente quando temos essa possibilidade de oferecer a eles algo que aceitam comer, que comem melhor, e que gostam mesmo de comer. Sei o gosto de cada um porque a maioria deles fica internada um tempo, tem alta e retorna. Conversamos bastante, então sei o que eles preferem, como gostam da torrada, do suco. É gratificante não ter que dizer não a eles, até o suplemento com fruta tem outro gosto já que é servido no copo, e parece mais atrativo.