A secretária de Urbanismo de Caxias do Sul, Mirangela Rossi, reconhece que os parâmetros da legislação sobre regularização fundiária possuem uma abrangência geral e não são suficientes para atender a todos tipos de regularização. Na visão dela, seria necessário criar regras específicas para cada situação, o que exige mudança na lei. Essa alteração, porém, deveria partir de uma mobilização da sociedade e de políticos. Ela ressalta que o foco do Urbanismo é a regulamentação do solo e, posterior a esse objetivo, vem a legalização gradativa da edificação.
— Se você tem a segurança que o patrimônio é teu, com a documentação do solo, tudo vai se modificando aos poucos e mesmo a edificação vai se consolidando. É claro, como tem muito loteamento irregular e diversos formatos, precisaríamos criar diretrizes para loteamentos específicos, não dá para usar parâmetros gerais para tudo — aponta Mirangela.
Sobre casos de edificações que avançaram sobre áreas públicas ou foram construídas sem projeto, ela ressalta que o problema é grande em Caxias.
— Temos um universo muito grande de loteamentos irregulares e se não conseguimos ter uma rua oficial no tamanho ideal, vai se consolidando conforme dá. Existem muitas vias que são regulares, que têm regramento de largura, mas que foram se consolidando em outro formato.
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Em relação às propostas sugeridas pelo advogado Rodrigo Balen, que sugere a criação de uma minuta para amparar casos em que o cliente precisa regularizar o imóvel com urgência para garantir financiamento, Mirangela tem ressalvas.
— Não temos mecanismo para isso. Lembro do caso de uma pessoa que tinha a matrícula do imóvel, com uma área de tal tamanho. Mas no local estava maior e foi solicitada a regularização. Foi pensada na possibilidade de gerar o ITBI da área na matrícula com o comprometimento de regularizar o imóvel posteriormente. Era é uma possibilidade, mas não temos mecanismo para isso. Por isso, trava o processo e tem que regularizar o imóvel antes — diz a secretária.
De 78 casos de interesse específico na cidade (loteamentos particulares), 45 estão em fase inicial de legalização, 23 estão em fase intermediária e 10 estão em fase final, segundo Mirangela.
Quando há interesse público em áreas ocupadas, a secretária enfatiza que existem alternativas.
— Se tem decreto de utilidade pública, dificilmente vai se regularizar aquele imóvel. Mas se é só uma previsão de alargamento de rua, é possível estabelecer um Habite-se restritivo. O que isso quer dizer: se regulariza o imóvel que está ali, daquela forma, mesmo que exista uma previsão de alargamento e vá comprometer parte daquele imóvel. O documento é especificado, é gravado na matrícula do imóvel, com uma restrição. A partir do momento que houver qualquer ajuste naquele empreendimento, ele vai ter que ser alterado por causa do gravame no Plano Diretor.
MP vê avanço nas soluções
O promotor de Justiça Ádrio Gelatti acompanha o tema há anos e percebe que os processos internos estão sendo aperfeiçoados na prefeitura. Ele cita a lei 7911/2014, que criou o Programa Regulariza Caxias e deu início a uma reestruturação dos processos administrativos.
— Existem gargalos ainda? Sim, existem. Mas, na minha avaliação, a prefeitura está avançando nas soluções, o que exige, às vezes, mudança de cultura dos servidores.
Gelatti também vê restrições nas propostas de Balen.
— A questão pretendida não segue as regulamentações próprias para regularização de edificações, e tem que avaliar como impacta na cobrança de tributos e questões técnicas e de segurança. A discussão, no entanto, é salutar para avaliar eventual melhoria na tramitação dos processos e na regulamentação e sua burocracia própria.
NÚMEROS
O tamanho da regularização fundiária em Caxias:
:: 235 parcelamentos de solo reconhecidos (locais consolidados)
::78 casos de interesse específico (particulares)
:: 108 casos de interesse social (quando o município é demandado a regularizar)
Por que é tão complexo?
Doutor em Direito Constitucional e mestre em Políticas Públicas, Manoel Valente Figueiredo Neto estuda a regularização fundiária há anos. Como registrador da Segunda Zona de Imóveis de Caxias do Sul, ele explica por que o sistema é tão complexo.
Por que é tão difícil obter a aprovação de um loteamento regular?
A aprovação de determinado loteamento depende do cumprimento dos requisitos estipulados na legislação federal, estadual e municipal. Esses requisitos podem significar custos que compõem a infraestrutura de loteamentos e que são da responsabilidade do loteador. Muitas vezes, a depender da análise de custos e preços de vendas, o loteador pode vir a, erroneamente, chegar à conclusão de que não compensa financeiramente proceder a aprovação do loteamento. E, assim, situações irregulares se originam e perpetuam, necessitando de uma intervenção dos poderes públicos para evitar que ocorra lesão de direitos para terceiros de boa-fé.
Por que é tão complicado regularizar um lote adquirido em um loteamento irregular? Que tipo de exigências acabam travando o processo?
O loteamento é tecnicamente considerado como irregular quando executado sem aprovação da prefeitura, quando executado com aprovação da prefeitura, mas em desacordo com o projeto, ou quando executado de acordo com o projeto aprovado, mas sem obediência ao cronograma de obras. Especificadamente no prisma do sistema jurídico, o loteamento urbano será considerado irregular se não tiver sido registrado, para qualquer tipo de venda, a partir da vigência da Lei Federal 6.766 de 1979. Normalmente, as exigências dos requisitos de cumprimento de infraestrutura pelo loteador acabam travando o processo de aprovação do loteamento pelo Poder Executivo Municipal. No caso das demais exigências, percebe-se que um dos requisitos que ganha relevância é o fato de que não é possível o registro de loteamento em decorrência da existência de ações cíveis e protesto de títulos do anterior proprietário do imóvel, sendo necessária a comprovação, pelo loteador, de patrimônio suficiente para a garantia da dívida.
O que complica a regularização de um imóvel erguido num lote irregular?
Para a regularização de uma construção deverá existir a regularização do imóvel que ela se situa de um modo geral e anterior. Assim, uma construção erguida num lote dependerá, via de regra, da regularização anterior daquele lote. Não se pode, juridicamente, por exemplo, averbar a construção de um imóvel em um lote que nem matrícula imobiliária tenha. Assim, para que um terceiro de boa-fé não seja lesado e evite "dor de cabeça" futura, mostra-se viável ele se informar se o lote possui matrícula imobiliária.
Há medidas que poderiam ser implantadas na cidade para simplificar esse processo?
As medidas que podem ser adotadas na cidade para simplificar o processo de regularização devem partir de ação conjunta do Poder Executivo Municipal, Legislativo e Judiciário, em compasso com a sociedade civil organizada.
O cartório tem estimativa de quantos edificações irregulares existem em Caxias?
Não tem como precisar quantos imóveis irregulares existem em Caxias do Sul, por se tratar de situação de fato que foge ao controle. Deverá ser feito um estudo com responsabilidade e comprometimento para se chegar próximo a esse dado. Mas, para fins de políticas públicas de regularização fundiária, utilizando-se do recurso metodológico da estatística que se chama amostragem, é impactante a quantidade de imóveis irregulares existentes em Caxias, quando se analisa a discrepância entre a quantidade de imóveis que existem nos cadastros municipais com as que possuem matrículas imobiliárias e que se encontram aptos a surtir efeitos no mundo jurídico, como servir para comprovação patrimonial junto a alguma instituição financeira.