O clima é de apreensão no bairro Primeiro de Maio, onde residem cerca de 2 mil famílias distribuídas em mil imóveis erguidos na área dos Magnabosco. Parte dos moradores vai acompanhar as notícias da sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio das informações que devem ser repassadas pelos vereadores Paulo Périco (MDB) e Paula Ioris (PSDB), que estarão em Brasília hoje. O processo envolve a doação de uma área de 57 mil metros quadrados – equivalente a seis campos de futebol – pela família Magnabosco, à então Associação Universidade de Caxias do Sul, em 1966, para construção da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E onde dez anos mais tarde, começou a surgir o bairro Primeiro de Maio.
– Nunca fomos contra pagar, mas estamos com medo de perder tudo – resumiu Daiane Vanzin, 40 anos, que reside na comunidade com a família desde os cinco anos.
Na noite de segunda-feira, cerca de 300 moradores da comunidade participaram de uma reunião com integrantes da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação (CCJL) da Câmara de Vereadores. Além da explicação de políticos da cidade, deputados que fazem lobby a favor do município enviaram mensagens exibidas num telão. Os parlamentares afirmaram que uma decisão favorável ao governo municipal seria bom para a comunidade e para o restante da cidade, pois não inviabilizaria futuros investimentos. Contudo, não houve menção ao fato de que se o município for retirado do polo passivo, seriam os moradores os responsáveis pelo pagamento de uma eventual indenização.
A maioria das famílias não teria condições de pagar somas elevadas aos Magnabosco. Numa hipótese simples, se fosse repartir em partes iguais os R$ 600 milhões de indenização cobrada pela ocupação do terreno, a dívida individual seria de cerca de R$ 300 mil para cada uma das 2 mil famílias que habitam a área de 57 mil metros quadrados (equivalente a quase seis campos de futebol).
A líder comunitária do Primeiro de Maio, Ilves Maria Teixeira, 68, afirma que houve tentativas de adquirir a área particular por meio de uma cooperativa no passado, proposta que não avançou. Ela reside no Primeiro de Maio desde 1988 e adquiriu uma casa por meio de um contrato de gaveta. Assim como os demais moradores, ela não tem escritura do imóvel.
– Quando vim para trabalhar em Caxias, fui morar no Santa Fé. Daí, apareceu a casa aqui e comprei. Foi onde criei meus filhos. Estamos apreensivos sim pelo que pode acontecer – disse Ilves.
O que pode acontecer
:: Se a ação rescisória for desfavorável ao município, parte da dívida que já havia sido inscrita em precatório, já poderia ser novamente retirada das contas municipais. No final de 2017, a Justiça havia bloqueado R$ 69,8 milhões das contas da prefeitura para garantir o pagamento de precatórios vencidos, o que incluía R$ 65 milhões do Caso Magnabosco. O valor foi desbloqueado por meio de uma liminar e só poderá ser cobrado novamente após o desfecho da ação rescisória. Esse montante de R$ 65 milhões referia-se a uma parte da parcela incontroversa da dívida, que teve decisões favoráveis à família em diversas instâncias e já transitou em julgado – esse débito já passa dos R$ 400 milhões.
:: Um desfecho desfavorável ao município também embasará futuras decisões do processo que discute a parcela controversa da dívida com os Magnabosco (que já passa dos R$ 200 milhões). Esse valor foi desmembrado da dívida original porque a prefeitura questionou a correção monetária. Somando o valor desse processo e do anterior, o valor total da dívida supera os R$ 600 milhões.
:: Se o STJ entender que o município de Caxias do Sul não pode ser excluído da condição de réu, haveria mais um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF), em que seria possível sustentar que a decisão do STJ feriu algum dispositivo constitucional.
:: Outro caminho, numa eventual derrota, seria rediscutir os juros da dívida, algo que a defesa dos Magnabosco considera equivocado.
:: Se a ação rescisória for favorável ao município, os Magnabosco podem entrar com embargos. Por outro lado, o processo prosseguiria contra os réus originais, no caso, os primeiros invasores da área particular e novos moradores. O município poderia voltar a ser réu, mas somente pelo espaço ocupado por benfeitorias públicas executadas no passado, como a construção de ruas, por exemplo. Ou seja, a indenização seria cobrada dos moradores e do município de acordo com a área usada.