Problemas ocasionados por terrenos baldios mal cuidados e sem cercamento são tão comuns em Caxias do Sul que a reclamação sobre dois lotes com mato alto na Rua Félix Spinato, no bairro Cinquentenário, seria apenas mais uma entre tantas outras formalizadas no Alô Caxias (telefone 156). A diferença é que a comunidade usou o transtorno a seu favor e obteve uma importante vitória na legislação municipal com potencial para beneficiar toda a cidade.
O presidente do Legislativo, Flávio Cassina, promulgou na terça-feira (12) a lei que obriga proprietários a fazer a poda e roçada de lotes onde a vegetação ultrapassa 50 centímetros de altura. Antes, o limite máximo permitido era de um metro. Essa redução, que passa a valer em 60 dias, parece pouca coisa, mas vai exigir mais atenção dos gestores da própria prefeitura, pois muitas das áreas críticas são públicas e a manutenção é de responsabilidade das secretarias e autarquias detentoras dos espaços, caso dos dois lotes da Rua Félix Spinato.
A área em frente à praça do bairro é do município e contraria as regras do Código de Posturas: não há cercamento, falta calçada e a última roçada foi executada há meses. Não é de hoje que esse cenário incomoda a vizinhança, mas a ausência de cuidados reforçam a sensação de insegurança num bairro já visado por assaltantes. O espaço do município já serviu de depósito para guaritas de vigilância vazias. Foram essas guaritas, aliadas ao mato alto, que atraíram usuários de drogas e facilitaram a prostituição.
O problema dos lotes na Félix Spinato e de outras áreas parecidas foram listadas num levantamento realizado entre 2016 e 2017 pelo grupo de segurança Cinquentenário em Alerta. O movimento é voluntário e organizou o bairro para troca de informações sobre situações que facilitam crimes, o que inclui terrenos com mato alto.
Não é de hoje que autoridades policiais e a população reforçam o perigo que ronda áreas verdes sem o devido zelo, consideradas território para o consumo de drogas, para assaltos e outros tipos de crimes. Com a pesquisa em mãos, o grupo procurou a vereadora Paula Ioris (PSDB), que topou levar adiante a proposta e protocolou um projeto de lei em abril do ano passado na Câmara de Vereadores.
O prefeito Daniel Guerra (PRB) vetou a proposta por identificar no projeto o chamado vício de iniciativa, pois o assunto não seria de competência do Legislativo. Como o veto foi derrubado na sexta-feira, dia 1º de março, pela maioria dos vereadores e Guerra não se manifestou, coube ao presidente do Legislativo oficializar a alteração no Código de Posturas.
"É fácil para um ladrão se esconder"
A alteração no Código de Posturas agrada especialmente os participantes do Cinquentenário em Alerta. Elton Gausmann, coordenador do movimento contra a criminalidade no bairro, diz que há vários exemplos em Caxias do Sul de terrenos mantidos limpos e aparados.
— Em áreas bem cuidadas, os moradores, a polícia e os agentes de segurança privado têm visibilidade. Dá para ver se tem alguém ali, se algo diferente ou errado está acontecendo. Num terreno com mato alto, é fácil para um assaltante se esconder — compara Gausmann.
Além de esconderijo para ladrões, ele lembra que lotes com lixo e sem roçada contribuem na proliferação de ratos, baratas e animais peçonhentos.
Os moradores do Cinquentenário tentam há mais de dois anos solucionar os problemas nos lotes da Félix Spinato. Em novembro de 2017, a prefeitura havia anunciado que estudava alguma destinação para a área ou o cercamento. Nada disso avançou e só uma roçada foi realizada desde então.
— A prefeitura obriga a todos a cumprir o Código de Posturas, mas ela mesmo não o cumpre. Dá para jogar um corpo aí nesse mato e só vão descobrir pelo cheiro. E isso ocorre em toda a cidade, em áreas públicas e particulares — ressalta Gausmann.
Paula Ioris, autora do projeto de lei, diz que a mudança está dentro de um contexto mais amplo de segurança.
— Há coisas no dia a dia que influenciam: uma praça limpa chama público, uma praça suja atrai vândalos. Parece uma bobagem, mas não é — enfatiza a vereadora.
FISCALIZAÇÃO
A fiscalização não deve mudar com a nova regra na lei. O trabalho é da Secretaria Municipal do Urbanismo. A reportagem tentou esclarecer como é realizado o monitoramento de áreas e o que acontece quando um fiscal identificar uma propriedade que não está enquadrada nas regras do Código de Posturas. Contatada na tarde de segunda-feira, a secretaria indicou que só se manifestaria sobre o assunto por escrito, mas não enviou as respostas aos questionamentos até o fechamento desta edição.
OBRIGAÇÕES BÁSICAS
Conforme o artigo 178 do Código de Posturas, donos de terrenos ou lotes com ou sem edificação são obrigados a:
1 - Cercar ou construir muros de acordo com as especificações contidas no Código de Posturas.
2 - Manter a propriedade limpa e drenada.
3 - Não deixar a vegetação natural (mato) com altura superior a 50 centímetros (a altura máxima passará a valer em 60 dias. Por enquanto, a regra é altura máxima de um metro).
4 - Construir calçadas.
Multa: segundo o Código de Posturas, a infração do disposto do artigo acarreta multa no valor de 75 VRMs (R$ 2.523), com prazo de até 30 dias para regularização. Se as exigências não forem atendidas, será aplicada uma segunda multa no valor de 150 VRMs (R$ 5.046).
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