Após completar um ano de idas e vindas entre a prefeitura e a Câmara de Vereadores, o projeto que vai regular o serviço público de transporte seletivo por micro-ônibus ou miniônibus em linhas regulares de táxi-lotação em Caxias do Sul ainda tramita no Legislativo. Atualmente, a proposta do Executivo está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Depois do parecer sobre a legalidade ou não da matéria, o texto será encaminhado à Comissão de Desenvolvimento Urbano, Transporte e Habitação (CDUTH) que ainda pode fazer alterações antes de enviá-lo a plenário para votação. Embora a lentidão na tramitação seja corriqueira, a prefeitura espera que a matéria seja aprovada o quanto antes, já que o município depende da nova lei para lançar licitação para concessão do serviço.
Após inúmeras discussões e divergências de posicionamentos entre Executivo, Legislativo e entidades representativas do setor, a versão atual do projeto esclarece pontos que estavam sendo questionados, como valor da tarifa, quantidade de veículos em operação e a possibilidade de concessão por pessoas físicas, entre outros. Este último item, por duas vezes, foi motivo de anulação de processos licitatórios pela Justiça porque não traziam essa previsão. O Judiciário apontou que os editais infringiam o princípio da isonomia da livre concorrência. Na prática, significa dizer que a justiça entendeu que os critérios listados direcionavam o processo, beneficiando alguns candidatos e prejudicando outros.
Desde 2010, os permissionários atuam com licenças provisórias expedidas pela prefeitura até que novo processo licitatório seja concluído. A nova lei, portanto, é a chance de regularizar um serviço que, passadas quase duas décadas do lançamento do primeiro edital (1999), funciona com base em prorrogações de contratos que já expiraram.
– A minha expectativa é que os vereadores se sensibilizem com a situação da população e aprovem rapidamente essa legislação. Que não sejam as divergências políticas que nos façam emperrar um projeto como este que é para a maioria da população, não para gestão A ou B – apela Cristiano de Abreu Soares, secretário municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade.
Valor é ponto crítico
O texto determina que o número de veículos seja, no máximo, 15% da frota de ônibus urbanos, o que em dados atuais seria de 48, mais do que o dobro dos atuais 21. Estabelece, ainda, que os micro-ônibus tenham GPS ou tecnologia similar e botão antipânico para ser acionado em casos de acidente ou perigo. Traz, ainda, as penalidades de multas às quais os concessionários estarão sujeitos em caso de cometimento de infrações. Os valores variam de oito a 30 valores de Referência Municipal (VRM) – cada VRM corresponde a R$ 32,18.
O ponto mais controverso, porém, é o preço da tarifa. O projeto diz que deverá ser, no mínimo, 20% mais alta do que a do transporte coletivo. Se fosse hoje, passaria dos atuais R$ 3,60 (10% inferior a dos ônibus) para R$ 4,74, sofrendo um reajuste de cerca de 32%. O cálculo será feito pela Secretaria de Trânsito, que acha o percentual elevado. Para o secretário, a passagem deveria se aproximar mais da cobrada nos coletivos (R$ 3,95) para que o serviço seja atrativo aos usuários. Tudo em função do transporte por aplicativo, que abocanhou fatias do público que se deslocava de táxi e também em táxi-lotação.
O PROJETO
:: Os micro-ônibus ou miniônibus terão de ter capacidade para 20 pessoas sentadas, porta com acessibilidade, ar-condicionado e calefação.
:: A vida útil dos veículos deve ser de até 10 anos.
:: Todos os veículos devem ter sistema único de rastreio por GPS ou tecnologia similar e botão antipânico (acionado mediante situação de insegurança ou aviso de acidente).
:: O número de micro-ônibus em operação será de no máximo 15% da frota de ônibus urbanos, o que em dados atuais seria de 48 veículos.
:: A frota deverá ter veículos de reserva na quantidade mínima de 10% do total da frota operante.
:: A concessão terá prazo de 10 anos, prorrogável por igual período.
:: Os concessionários deverão ser selecionados por meio de licitação.
:: Poderão concorrer pessoas físicas, que deverão ser motoristas autônomos proprietários de um só veículo e que deverão exercer a atividade, mesmo que tenham condutores auxiliares (no máximo três) cadastrados. É vedada a subcontratação, locação e terceirização. Não é permitida a presença de cobrador no serviço.
:: Será permitida participação de empresas em consórcio, desde que constituam uma empresa de propósito específico.
:: A tarifa deverá ser, no mínimo, 20% mais alta do que a do transporte coletivo. O cálculo será feito pela Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade. Se fosse hoje, a tarifa do táxi-lotação que é R$ 3,60 (10% inferior a dos ônibus) passaria para R$ 4,74.
:: Caso o cálculo da tarifa fique inferior a 20% da tarifa dos ônibus, a diferença entre a passagem calculada e o apontado pelo percentual deverá ser destinado ao Fundo Municipal de Transporte (Funtran).
O QUE DIZEM
"Se ela (tarifa) for muito diferenciada, com os aplicativos, vamos ficar fora do mercado. Não tem como competir. Não teria motivo para ela ser tão elevada. O intuito é que seja cômodo para a população e que venha a suprir as nossas necessidades. Paramos no tempo com todo esse imbróglio e precisamos nos adequar. Num passado onde não existia o aplicativo, tínhamos a possibilidade de um preço mais alto do que o do transporte coletivo, mas hoje não."
Sidnei de Andrade, presidente interino da Associação Caxiense de Táxi-Lotação (ACTL).
"Se é para o transporte seletivo substituir o coletivo, não tem porque ter o coletivo. O seletivo não tem essa missão, tem de ser linhas alternativas. A Assutran entende que o transporte seletivo está entre o táxi/aplicativo e o coletivo. Temos de incentivar que as pessoas usem o coletivo para ter um valor menor. O seletivo é para aquela pessoa que pode pagar um pouco mais. Se não, é uma concorrência desleal."
Cassiano Fontana, presidente da Associação dos Usuários de Transporte de Passageiros (Assutran).
"Houve uma evolução nos transportes com a chegada dos aplicativos, que tornaram o táxi-lotação menos atrativo. Temos o desafio de tornar esse transporte interessante. Se deixarmos a tarifa igual à do coletivo, ou muito próxima disso, há o risco de o táxi-lotação a competir com o coletivo. Na verdade, gostaríamos que fosse complementar e não concorrente. Por outro lado, se mantemos a tarifa alta, não tem adesão do usuário."
Cristiano de Abreu Soares, secretário de Trânsito, Transportes de Mobilidade.