Entregar um filho em adoção de maneira espontânea é uma decisão difícil e dolorosa. As mulheres que tomam essa decisão precisam enfrentar preconceitos ainda muito presentes na sociedade. O principal deles talvez seja o de que se não se trata de abandono.
– Conseguir chegar ao nível de compreensão de que não tem condições de criar o filho e de que, por isso, vai entregar em adoção é muito difícil. É um ato de responsabilidade e até de desapego. Em geral, percebemos um sentimento de posse dos pais em relação aos filhos. Conseguir se desprender disso pelo bem da criança é ter uma compreensão maior do que a maioria, que acaba ficando com os filhos mesmo sem ter condições, gerando muitas das situações de risco que conhecemos de crianças nas ruas, maus-tratos e abusos. Então, essa mulher não pode ficar abandonada. Ela precisa de alguém que vai dar um suporte jurídico, informando sobre seus direitos e sobre a legislação, para ela ter certeza, porque é definitivo. Ela precisa ser cuidada, protegida, acolhida, ouvida, ajudada no seu processo de reflexão. Para isso, serve a equipe técnica do poder judiciário – explicou Jenifer Souza Silva, assistente social do Juizado da Infância e da Juventude (JIJ).
Em Caxias, o projeto existe há cerca de dois anos, mas foi lançado oficialmente em maio deste ano. Até o momento, seis casos foram atendidos – cinco deles se tornaram adoções e em um a mãe biológica desistiu durante o processo e resolveu ficar com a criança.
A baixa procura se deve a diversos fatores, segundo a equipe do JIJ: à resistência de profissionais da rede, principalmente da saúde, quanto à iniciativa, o que resulta no não encaminhamento de casos; ao receio que as mulheres ainda têm em relação ao poder judiciário, de que ele possa interferir quanto a outros filhos, por exemplo; à culpa que as mulheres sentem de estarem entregando os filhos; ao preconceito da sociedade que pode classificar o ato como abandono; e, por fim, ao desconhecimento sobre o projeto. Para resguardar as mulheres de todas essas questões, a entrega é mantida sob sigilo.
A equipe ainda encaminha as mulheres atendidas, se elas desejarem, para atendimento psicológico na rede de atenção à saúde ou a outros serviços assistenciais.
– A entrega responsável não é abandono, não é crime. Pelo contrário, é um ato de responsabilidade, de compromisso, de cuidado com aquela criança. A criança vai ficar bem e essa mulher também, porque vamos oferecer todo o cuidado que ela precisa. Então, busque o caminho correto e busque o caminho seguro que é por meio do Juizado da Infância e da Juventude – reforçou Jenifer.
Doação informal de crianças é crime
O projeto Entrega Responsável, do Tribunal de Justiça do Estado, foi concebido a partir de mulheres que desejam entregar os filhos em adoção. A previsão legal existe desde 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. O artigo 8º assegura a todas as mulheres, inclusive a gestantes e mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção, acesso à nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério (45 dias após dar à luz) e atendimento pré-natal, perinatal (momentos antes e depois do parto) e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe.
O projeto surgiu para dar suporte a essas mulheres, esclarecendo sobre os direitos que elas têm ao decidirem pela entrega da criança e também para evitar as entregas feitas de maneira informal, as chamadas adoção à brasileira e adoção direta – casos em que a mãe entrega o filho para pessoas que querem adotar, mas que não seguiram os requisitos legais de um processo de adoção. Muitas vezes, essas entregas informais ocorrem mediante ajuda de custos com pré-natal ou parto à mãe biológica ou até pagamento de fato. Essas situações configuram crimes relacionados à adoção ilegal (registrar como seu o filho de outra pessoa, entregar filho mediante pagamento ou recompensa e fraude em documentos).
Segundo uma das assistentes sociais do Juizado da Infância e da Juventude (JIJ) de Caxias, Jenifer Souza Silva, o objetivo é construir procedimentos e fluxos para que a comunidade e toda a rede social e de saúde possam saber como encaminhar a mulher para o projeto, para que ela não seja cooptada por pessoas que querem adotar, mas não querem se submeter às regras, fila e habilitação adequada.
– Adoções irregulares não deveriam acontecer mas, na cultura popular, ainda são muito comuns. O projeto vêm para mostrar que a mulher que deseja entregar o filho em adoção tem uma série de direitos, assim como a criança que vai nascer – ponderou.
Jenifer observa que mesmo que as mães estejam pensando no melhor para a criança quando entregam de maneira informal, é preciso lembrar que as pessoas que adotam não passaram pela preparação que o processo legal exige. Além disso, nos casos irregulares não há o acompanhamento que é feito pela equipe de assistência social e de psicologia do JIJ às crianças e famílias adotivas. As mães biológicas também não recebem nenhum suporte.
O PERFIL
:: Em geral, mulheres entre 20 e 30 anos
:: Com outros filhos _ quatro, cinco, seis
:: Que não vivem com o pai da criança, seja em decorrência de relacionamento eventual ou de uma relação abusiva ou porque simplesmente o pai não assumiu o filho
:: Que vivem em situação de vulnerabilidade social, desempregadas ou com trabalho mau remunerado, cujo salário já serve para sustentar outros filhos
:: Vindas de uma rede familiar que já cuida ou ajuda com os outros filhos, ou seja, não pode dar suporte para a criança.
:: Apenas um dos casos envolvia mãe (e pai) que vivia em situação de rua e era usuária de drogas.
:: Nenhuma foi encaminhada pela rede de atendimento de saúde e de assistência.
COMO É FEITA A ADOÇÃO EM CASO DE ENTREGA RESPONSÁVEL
:: A mãe não pode escolher para quem quer doar o filho nem fazer a doação sem passar por um processo legal.
:: A mulher que quer entregar o filho para adoção pode manifestar a intenção ao Conselho Tutelar, ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras), às unidades básicas de saúde (UBSs) ou ao Juizado da Infância e da Juventude, ainda durante a gravidez, ou ao hospital, no momento do parto.
:: A equipe técnica do JIJ (assistentes sociais e psicóloga) avalia se há necessidade de encaminhamento para algum serviço da rede de saúde ou de assistência.
:: Se gestante, ela é orientada a fazer ou seguir com pré-natal.
:: Quando a criança nasce, fica no hospital até ser buscada pela família adotiva.
:: Depois da alta hospitalar, a mãe (ou os pais) comparece em uma audiência judicial e faz a entrega para a adoção, por meio da assinatura de um documento chamado de manifestação de consentimento. Neste momento, o juiz destitui o poder familiar. A mulher ainda tem 10 dias para rever o ato junto à Justiça.
:: Após o consentimento (antes de concluído o prazo de 10 dias), é dado início ao processo de adoção.
:: O judiciário aciona o cadastro de pessoas habilitadas para adoção (elas já passaram por todo o processo de habilitação feito pela Justiça, que inclui entrevistas com psicólogo e assistente social, entre outros) pela ordem cronológica e conforme as preferências assinaladas pelos interessados ao preencher o cadastro como sexo e raça, por exemplo.
:: Como são recém nascidos, a prioridade é permanecer na cidade de origem. Portanto, procura-se primeiramente os interessados de Caxias no cadastro.
:: Os habilitados são chamados, levam a criança sob guarda provisória, durante o período de convivência, que via de regra dura três meses. Durante esse período, a equipe técnica do JIJ acompanha a nova família.
:: Depois desse período, se tudo correr bem, é dada a guarda definitiva.
:: O processo é bem mais ágil porque não há litígio.
:: O Juizado da Infância e da Juventude fica no 5º andar do Fórum de Caxias do Sul, na Rua Dr. Montaury, 2.107, bairro Exposição. O atendimento é de segunda a sexta-feira, das 11h às 18h. Informações pelo (54) 3228-1988.