A 3ª Promotoria Criminal de Caxias do Sul denunciou Ana Claudia Didolich por injúria racial na última terça-feira (23). Ela teria ofendido dois senegaleses no centro de Caxias do Sul, no último dia 27 de setembro. O promotor Belmiro Pedro Marx Welter não quis falar sobre o caso, mas informou que a denúncia foi encaminhada à 3ª Vara Criminal de Caxias, que julgará o caso.
Conforme a ocorrência policial registrada pelos senegaleses Papa Mbaye, 25 anos, e Amadou Dia, 37, a denunciada os teria chamado de "macacos" e gritado para que voltassem a seu país durante uma confusão ocorrida na calçada da Avenida Júlio de Castilhos, em frente à Praça Dante Alighieri.
De acordo com o delegado Vitor Carnaúba, do 1º Distrito Policial de Caxias, Ana Claudia foi indiciada por injúria qualificada com base no relato de testemunhas. O inquérito foi remetido ao Ministério Público no dia 18 de outubro. A mulher foi ouvida na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), ainda em 27 de setembro. Na época, acusou os senegaleses, que trabalham como vendedores ambulantes, de tentarem roubar seu celular e seu cachorro.
— Não tinha prova disso, nada que indicasse isso naquele momento — afirma o delegado.
O crime de injúria consta no artigo 140 do Código Penal. Quando a ofensa se refere à raça, cor, etnia, religião, origem ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência (parágrafo 3º), a pena prevista é de reclusão de um a três anos e multa.
Um vídeo que mostra parte da confusão envolvendo a denunciada e os senegaleses circulou pelas redes sociais no próprio dia 27, antes de ser excluído. Nas imagens, era possível observar Ana Claudia discutindo com um grupo de senegaleses na calçada da Avenida Júlio de Castilhos. É possível ouvi-la acusando os africanos de terem tentado roubá-la.
No círculo de pessoas, também aparece um homem com uma arma na mão — seria um policial civil de folga, conforme testemunhas. Em seguida, um dos senegaleses se distancia do grupo e aponta o dedo para a mulher. "Você é racista", ele grita, enquanto ela aparece negando a acusação.
Em outro vídeo, que teria sido gravado na sequência, a discussão se intensifica, já com a presença da Guarda Municipal e de policiais militares. A mulher aparece dizendo que gostaria de registrar "um BO (boletim de ocorrência)", antes de entrar em uma viatura da Brigada Militar.
Procurada pela reportagem, Ana Claudia negou as acusações:
— Eu não sou racista, tenho relações de amizade e profissionais com pessoas de todas as raças e me considero vítima de calúnia, difamação e perseguição política. Tudo será devidamente esclarecido.
"Ela começou a chamar a gente de macaco", afirma senegalês
Mbaye e Amadou Dia, supostas vítimas de Ana Claudia, trabalham como vendedores ambulantes na Avenida Júlio. Segundo relata Mbaye, Ana Claudia Didolich havia passado por eles já na manhã do dia 27. Ela teria parado com o cachorro que mantinha na coleira perto do ponto da calçada onde estavam as mercadorias dos senegaleses quando, de acordo com Mbaye, o animal começou a urinar nos produtos.
— Falamos para ela tirar (o cachorro), aí deu a primeira confusão. Ela começou a falar que o cachorro dela tem mais liberdade que nós, que paga impostos, essas coisas. A gente achava que era uma coincidência, que tentamos reclamar e ela levou a mal — lembra Mbaye.
Outro vídeo, gravado por uma testemunha que não quis se identificar, mostra Ana Claudia discutindo com algumas mulheres que teriam presenciado a cena. Mbaye afirma que Ana Claudia passou pelo mesmo ponto ao meio-dia e retornou pela terceira vez à tarde, quando teria sido registrado o vídeo que foi publicado nas redes sociais. O senegalês conta que, desta vez, a mulher começou a filmar os ambulantes com o celular. Ele diz que não se importou, mas Amadou Dia teria tentado impedi-la de gravá-lo. Foi nesse momento que Ana Claudia os acusou de roubo.
Percebendo os gritos, um homem que seria um policial civil à paisana teria se aproximado da Praça Dante e apontado uma arma na direção dos senegaleses. Para Mbaye, o gesto foi a gota d'água:
— A gente não rouba, trabalhamos duro. Quando o policial sacou a arma, ela começou a chamar a gente de macaco, tentei me defender. A polícia sacou a arma sem saber o que estava acontecendo — desabafa.
Uma testemunha, que quis ter a identidade preservada, corrobora a versão do senegalês e afirma que a mulher gritou as ofensas raciais.
— Todo mundo viu que ela era racista, pelas atitudes dela. Os guris se alteraram, acabaram gritando, porque é revoltante a atitude que ela teve. Juntou muita gente revoltada contra ela e ela continuava firme naquilo que estava falando — relata.
Depois que Ana entrou na viatura, Mbaye e Amadou Dia foram à delegacia registrar a ocorrência.
— Quando a gente chegou na polícia, a única coisa que ela tinha para falar é que a gente não tinha direito de vender na rua. Mesmo assim, não é problema dela, para nos chamar de macaco — reclama Mbaye, que diz ter trabalhado em diversas empresas de Caxias nos últimos cinco anos antes de ficar desempregado e recorrer ao comércio informal.
OUTROS CASOS
:: O caso denunciado pelos senegaleses não é inédito em Caxias. Em junho do ano passado, outra situação indignou quem passava pela Rua Sinimbu, no Centro: testemunhas relataram que um homem caminhava pela via quando começou a xingar e agredir com chutes e socos o imigrante Moth Loum, que trabalhava como ambulante. Um grupo de mulheres se aproximou para defender o imigrante e chamou a polícia. A Brigada Militar não conseguiu localizar o suspeito. De acordo com o delegado Vitor Carnaúba, não foi registrada ocorrência policial.
:: No dia 13 de agosto de 2017, o senegalês Fallou Ndiaye teria sido agredido por taxistas, conforme ocorrência registrada na época. Ndiaye relatou que havia tomado um táxi no bairro Esplanada e, no fim do trajeto, o motorista pediu mais dinheiro que o combinado pela corrida. Quando ele e recusou a pagar mais, o taxista lhe ameaçou com um facão e chamou outros dois motoristas, que começaram a agredi-lo e insultá-lo. Mulheres que estavam passando teriam percebido a confusão e chamaram a polícia, que encaminhou Ndiaye ao Pronto-Atendimento 24 Horas. O delegado Carnaúba informa que não foi possível concluir o inquérito de lesão corporal porque Ndiaye não reconheceu os agressores. Em novo depoimento, o senegalês declarou ter sofrido as ofensas racistas e o caso foi encaminhado ao 2º Distrito Policial.
:: Em dezembro do ano passado, outro vídeo com agressões a um senegalês circulou pelas redes sociais. Nas imagens, o administrador de empresas Marcelo Michielon aparecia empurrando o vendedor ambulante Ismaila Diedhiou, na Rua Visconde de Pelotas. Segundo Michielon, Diedhiou se recusou a parar de comercializar os produtos em frente à casa da mãe dele e também ofendeu a mulher. Já Ndiaye relatou ser vítima constante de xingamentos da família, versão corroborada por testemunhas ouvidas pelo Pioneiro. Conforme o delegado Carnaúba, o caso de lesão corporal continua sendo investigado.
:: Carnaúba afirma que são poucos os casos de discriminação contra senegaleses registrados em Caxias. Ocorrências acusando imigrantes de algum crime também seriam raríssimas, conforme o delegado. Existem ainda situações de desavenças entre estrangeiros que chegam a polícia. Neste caso, a investigação é complicada pela dificuldade de acesso a documentos de identificação emitidos fora do Brasil.