Quem se acostumou com o caos no Largo da Estação Férrea em Caxias do Sul nas noites de fim de semana encontrou um cenário surpreendente na última sexta-feira. Dez dias após a proibição de estacionamento de veículos entre 23h e 6h na Rua Augusto Pestana entrar em vigor, o trecho da via entre as ruas Coronel Flores e Marechal Floriano, no bairro São Pelegrino, estava praticamente vazio, como poucas vezes se viu desde que o lugar se consolidou como o principal ponto boêmio da cidade.
Às 23h, quando o Pioneiro chegou ao local, uma guarnição da Brigada Militar começou a autuar os poucos veículos estacionados — um dos policiais relatou que passou a avisar os motoristas da restrição por volta das 21h30min. Quem desrespeitou o horário foi multado pela Fiscalização de Trânsito. Na primeira hora da operação, três veículos foram guinchados.
— Eu achei horrível (a proibição), isso é um estacionamento. É só porque as pessoas não sabem usar. A gente saiu para jantar, não estava em festa, e não tem onde deixar o carro — relatou uma mulher que estacionou perto da esquina com a Coronel Flores e por pouco escapou do guincho.
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A restrição foi justificada pela prefeitura e pela Brigada Militar como forma de coibir, especialmente, o som alto dos carros estacionados, principal reclamação de moradores da área. Frequentadores da Estação, porém, consideram que a medida traz mais transtornos do que benefícios.
— Não sei por que eles proibiram aqui (no trecho da Augusto Pestana). Aqui não mora ninguém, só nas outras ruas — questionou uma jovem que não quis se identificar.
— Tem de ter um lugar para que o pessoal que vem nas festas deixe o carro sem perigo de roubo. Acho que tinham de tirar só os carros que têm som, que é o que incomoda — sugere a estudante Karem Martina, 17.
As duas jovens estavam entre os poucos grupos que restavam na via, sentadas em frente à Casa das Máquinas, do lado direito da Augusto Pestana, o oposto aos bares.
Para frequentadores dos estabelecimentos das redondezas, a proibição de estacionamento ajudou a organizar a área e realmente combateu o problema do som alto, apesar de prejudicar o restante do público da Estação.
— O espaço ficou legal, mas dificulta para quem vem de boa fé aqui — avalia o estudante Eduardo Vely, 20, que estava em um bar na Augusto Pestana e teve de mudar o carro de lugar antes da 23h.
— Ficamos ali fora os 40 minutos que deu para aproveitar — relata.
Moradores pedem ações pontuais para combater barulho
Reclamações devido ao som alto, à baderna e ao lixo deixado no chão do Largo da Estação Férrea são frequentes entre os moradores do São Pelegrino. Para o presidente da associação de moradores do bairro, Vanderson Lopes, a atitude do município atende uma demanda antiga, mas é preciso aguardar para avaliar se dará resultado.
A professora Kelly Reis, 33, vive na Rua Olavo Bilac, atrás da Estação e paralela à Augusto Pestana. Ela afirma ter percebido diminuição no volume das músicas que escuta de casa durante a madrugada, o que significa que os carros de som teriam se deslocado um pouco para adiante nos últimos dias.
Quando o Pioneiro esteve na Estação na sexta, verificou que boa parte do movimento usual da Augusto Pestana havia passado para Rua Coronel Flores. O público maior disputava espaço com os carros da via, mais movimentada do que a outra. Carros com som alto também começavam a aparecer por volta da meia-noite.
Kelly afirma que o único período em que realmente notou melhorias em relação ao barulho foi entre julho e agosto, quando uma operação da Polícia Civil apreendeu alguns equipamentos com som acima do permitido.
— Quando a Brigada passa, eles (os motoristas) baixam o som e depois sobem de novo. A Civil veio com um carro discreto e fizerem a apreensão (dos equipamentos). Infelizmente aconteceu só uma vez. Causa um efeito, mas depois eles veem que nada acontece e voltam. A gente que mora aqui já decorou as músicas, a sequência delas. São sempre as mesmas. Se tivessem o equipamento apreendido, ia pesar no bolso — defende.
A secretária do Urbanismo, Mirangela Rossi, diz que a prefeitura vai avaliar os resultados da proibição. Se for verificado que o problema passou para a Coronel Flores, a via também pode perder o estacionamento.
— Inicialmente, tínhamos dado um prazo para conhecimento, agora as pessoas estão informadas das rondas e fiscalizações esporádicas para avaliar como está acontecendo. Conforme se apresentar o quadro, é possível estender essa proibição para a Coronel Flores — projeta.
O projeto de revitalização do Largo da Estação, em elaboração, também prevê uma restrição maior de estacionamento na área.
"Tem de se achar uma área para esse público", acredita empreendedor
Dono do Mississippi Delta Blues Bar, que há 12 anos ocupa um dos prédios do Moinho da Estação, Toyo Bagoso apoia a proibição do estacionamento na via.
— Já que as pessoas não sabem usufruir do lugar de forma certa, tem de se proibir, infelizmente — diz.
Mesmo assim, ele acredita que a medida não deve resolver o totalmente o problema do som alto e do acúmulo de lixo na via após as madrugadas.
— Quando fizeram isso da outra vez, tiraram o estacionamento de um lado da rua, dava um ar maior de segurança, não tinha tanto carro de som. Mas as pessoas migraram para outro lugar. A presença de uma viatura também resolveu o problema de brigas, assaltos, mas a conscientização, de não quebrar garrafas, não deixar lixo na rua, esse cuidado não se teve. Se proíbe o carro, mas ontem (sexta) tinha gente bebendo em pé, no meio da rua, obstruindo o trânsito e a polícia olhando — relata.
O empresário diz que a situação desencoraja os empreendedores que atuam na área. Para ele, é necessário pensar em medidas mais amplas para proteger o patrimônio histórico, já que hoje os imóveis ficam a mercê de pichações e do público que urina na rua.
— Estamos num sítio histórico, sempre somos cobrados. Qualquer reforma, tem de respeitar muitas coisas. Por outro lado, existe um descaso, um descuido — lamenta.
Ao mesmo tempo, Toyo acredita que é preciso empreender políticas públicas para que os jovens que queiram ficar na rua tenham onde fazê-lo.
— Deveria existir uma preocupação com o entretenimento, levar a cultura aos bairros. Como não existe isso, todos acabam vindo para o Centro. Poderia se achar uma área para esse público, colocar banheiros químicos, legalizar os ambulantes e colocar policiamento — sugere.
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