Criança com frio não aprende, não brinca, não sorri. Nas famílias mais pobres, essa é a realidade de muitas. Como as peças infantis são mais raras em meio às sacolas de doações, como as da Campanha do Agasalho (leia abaixo), entidades assistenciais apelam para que roupas e calçados de crianças sejam doados para quem precisa.
Felizmente, há iniciativas que tentam reverter este cenário há um bom tempo. A Personalità, fábrica de casacos de lã de Caxias do Sul, está encerrando a entrega de 400 casacos para crianças de diversos bairros da cidade. São peças novas, modernas e quentinhas, de uma linha infantil criada exclusivamente para este projeto, já que a fábrica comercializa só tamanhos adultos. Quem destina o uso de cada peça é a Pastoral do Pão, ligada à Diocese de Caxias. A ação está no nono ano consecutivo e, desde o primeiro ano, em 2009, até hoje, já foram entregues 3,6 mil casaquinhos e 650 cobertores. A intenção do proprietário, Ivanês Spiller, é que se ela se perpetue juntamente à história da fábrica:
— Nós tínhamos a ideia de doar casacos para idosos, mas nos passaram que a maior necessidade era de roupa para criança. A cidade inteira doa bastante, mas não para crianças. E é difícil porque a criança cresce e a peça acaba se perdendo, então tivemos mais este motivo para ajudar, já que a criança é o nosso futuro.
Além dos casacos, a fábrica entregou 80 cobertores para camas de solteiro e berços. Fabricados com retalhos de lã e tecidos, os casacos são bastante estilosos e bem acabados, além de garantir o aquecimento para crianças e adolescentes de Caxias. Quem está à frente das distribuições é o coordenador da pastoral do Pão, José Rodrigues. Na manhã de sexta-feira, quando José chegou com sacolas na Casa do Adolescente, projeto assistido pela Lefan, o clima era de euforia. Fazia pouco mais de 5ºC, e as crianças já haviam acabado o café da manhã. A maior parte delas está em situação de vulnerabilidade social e frequenta o lar no contra turno da escola. Muitas não tem pai ou mãe. Encontram lá comida, afeto e educação.
Vestindo os casaquinhos novos, as crianças estavam faceiras. Abriam e fechavam os trajes, cheiravam a roupa, espiavam para ver o do colega. Todos felizes e quentinhos, como conta o aluno Antony Pacheco Ribeiro, 10 anos.
— O meu casaco tem uma parte rosa atrás. Até falaram rindo 'o dele é rosa', mas e daí? Esquenta igual — ensina.
Antony diz que a Casa do Adolescente é acolhedora e se sente, verdadeiramente, em uma família. O casaco colorido de lã que ganhou ainda no ano passado da Personalità é a peça que mais usa no inverno, confessa. A coordenadora da casa, Irineida Maran, lembra que as 100 crianças foram contempladas com o projeto da Personalità.
— Os pais também nos pedem roupas, mas os que mais precisam mesmo são as crianças. Ganhar um casaco novo é um luxo para eles, coisa que dificilmente acontece. Somos muito gratos pela atitude — afirma.
Não é preciso de muito para doar
Não importa se você não tem uma grande oferta de roupas no seu armário: ainda assim é possível ajudar alguém na Campanha do Agasalho. Quem comprova isso são alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental Dante Marcucci, instituição situada no bairro Marechal Floriano, que acolhe também a crianças pobres. Por isso, ao perceber estudantes chegando de chinelo de dedo e bermuda, em dias de bastante frio, a professora Thamires da Silva, 29 anos, provocou a discussão em sala de aula:
— Tem coleguinhas de vocês que não têm roupa suficiente. E eles me disseram: 'tenho em casa uma roupa que não uso, posso trazer?'. Eu não tinha planejado nada, a ideia surgiu deles.
Thamires disse que a sensação entre os alunos do 4º ano do Ensino Fundamental foi de compaixão. As crianças pediram aos pais para separar peças que não usassem mais. O primeiro aluno chegou à aula com uma pequena sacola. A atitude contagiou e, dia após dia, mais doações chegavam na sala.
— São crianças com uma realidade mais complicada, e mesmo que tenham pouco, conseguiram algo para ajudar — afirma.
Everson Fin Santos, 10, sugeriu à profe que pudessem colocar as roupas em cabides para que as pessoas levassem, o que ainda será avaliado. Ele já separou um par de tênis que está apertando para doar. Atitude parecida teve Victoria da Rosa, nove anos, moradora do bairro Industrial.
— Minha avó pede que a gente separe roupas todos os anos para doar para quem precisa mais. E neste ano, fui eu quem separou as minhas — orgulha-se.
Além de ajudar alunos em necessidade, as roupas arrecadadas serão encaminhadas para entidades que atendem crianças.
A Campanha do Agasalho ainda recebe doações
A greve dos caminhoneiros impactou também na arrecadação da Campanha do Agasalho. O coordenador da campanha, Valter Franzosi, diz que a última semana foi prejudicada tanto nas doações, quanto nas entregas. Por isso, estima-se que o déficit seja de cerca de 20 mil peças em relação ao mesmo período do ano passado. A expectativa inicial era arrecadar 200 mil peças até 23 de junho.
— As pessoas não tinham como entregar as peças, e nem nós como recolhê-las. É difícil traçar um comparativo com o ano passado em função da paralisação. Atendemos algumas entidades já e tentaremos recuperar esses 10 dias de paralisação — afirma.
Já foram arrecadadas 60,5 mil peças, beneficiando 25 entidades. Peças masculinas e em tamanho infantil são as que menos chegam entre as doações. São mais de 800 pontos de coletas, entre eles ônibus da Visate, empresas, escolas, supermercados e repartições públicas. Além de roupas, calçados, cobertores e mantas são bem-vindos. No loteamento Vila Amélia, por exemplo, os moradores aguardam ansiosos a chegada das doações. Todos os itens retirados pelo presidente do bairro, Dirlei Silveira da Rosa, já estão sendo usados pelos moradores. Mesma situação do bairro Cânyon, onde mais de mil peças estão circulando pela comunidade.
— A gente faz de tudo para que ninguém passe frio. E essas roupas fazem bastante diferença porque tem gente que não tem um único agasalho quente. Quando chega roupa de cama, cobertor, então, o pessoal adora — explica o vice-presidente do bairro, Osmair Mendes da Silva.