A última década foi marcada pelo crescimento da participação feminina no mercado de trabalho formal. Em Caxias do Sul, por exemplo, saltou de 40,8% para 45,2%. Análise do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul, porém, revela que essa ampliação não ocorreu pelo aumento de contratações de mulheres, sendo impulsionada pela retração no número de vínculos de emprego em consequência da crise econômica a partir de 2014, que inicialmente afetou mais os homens.
Mesmo assim, o índice é visto com otimismo por profissionais que trabalham com recrutamento. A psicóloga Gabriela Bachi Steffli, coordenadora de gestão de pessoas da agência Inovarh, diz que características do comportamento feminino ainda são diferenciais na contratação:
— A mulher ganha espaço por ser mais perfeccionista, detalhista e humana, além de se preocupar mais com a qualificação.
Apesar de todas as qualidades, o boletim anual Mulheres e Mercado de Trabalho 2018, elaborado pela UCS com base nos dados de 2016, mostra, no entanto, que a remuneração feminina segue inferior à masculina, hoje em torno de 22,3% menor. O estudo revela ainda que mulheres recebem, em média, 80% do salário de um trabalhador do sexo masculino.
Por outro lado, as mulheres trabalhadoras costumam ter maior nível de escolaridade (participação de 60,2% na Educação Superior). Do ponto de vista da escolaridade, a inserção feminina é mais qualificada, portanto.
— No ramo metalmecânico, a defasagem se aproxima a 30%, ou seja, as mulheres que trabalham nesse setor chegam a receber 30% a menos que homens. Isso prova que é um lugar extremamente masculino _ pontua a coordenadora do Observatório do Trabalho, professora Lodonha Maria Portela Coimbra Soares.
A pesquisa "Licença maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil", divulgada nesta semana pela Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPGE), mostra que metade das mulheres com a trajetória profissional estava fora do mercado de trabalho 12 meses após o início da licença-maternidade. Os motivos para a saída são inúmeros: demissão, falta de vagas em creches ou, ainda, renda insuficiente para contratar uma babá.
Participação feminina no mercado de trabalho
Caxias do Sul
2006: 40,8%
2008: 40,9%
2010: 41,7%
2012: 42,9%
2014: 43,8%
2016: 45,2%
"Não fiquem pelo caminho"
A Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC) foi fundada em 8 de julho de 1901. Mas foram necessários quase 90 anos para que uma mulher fosse inserida como membro da diretoria _ e somente em 2008 é que uma cadeira na vice-presidência chegou às mãos femininas. Analice Carrer, 60 anos, é conhecida no meio empresarial justamente por contribuir com entidades de classe e ter liderado importantes entidades como a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Associação dos Administradores da Região Nordeste do RS (Aanergs) e a Associação das Empresas de Pequeno Porte do RS (Microempa). Estar à frente destes órgãos responde a uma missão que recebeu quando criança dos pais, na comunidade de Marcorama, interior de Garibaldi: "você precisa estar sempre à serviço da comunidade". Para chegar em uma das posições mais respeitadas do meio empresarial caxiense, no entanto, foi necessário muito foco e sacrifício.
_ Nós, mulheres, temos que nos dispor a vencer todas essas batalhas. Eu sempre fui muito focada no propósito, que é oferecer o melhor para meu cliente, para minha equipe. Nós precisamos nos sentir integrantes do processo e entender que somos responsáveis por atingir nossos sonhos_ ensina.
Analice atende principalmente ao mercado metalúrgico, moveleiro e alimentício ao comandar a Anay Fitas. Por isso, está automaticamente envolvida em um cenário bastante masculino e que nem sempre enxerga o comando de uma mulher como algo natural.
_ Este olhar desconfiado existe sempre, e vai depender da forma como você o encara. O ideal é não enxergá-lo. Ele faz com que muitas mulheres desistam, fiquem no meio do caminho. Mas é preciso coragem de enfrentar. Faço um apelo às mulheres: não fiquem no meio do caminho _ afirma.
A professora Vania Beatriz Merlotti Herédia é uma das organizadoras do livro Mulheres empreendedoras: a construção de uma caminhada, que narra o contexto do empreendedorismo feminino em Caxias do Sul. A análise da professora também reflete sobre mulheres no comando de entidades empresariais.
_ Nós percebemos na matriz industrial que a presença masculina é predominante em cargos de chefia. Caso queira chegar lá, a mulher precisa passar por muitos enfrentamentos. Precisa ter mais titulação, mais estudo e, mesmo assim, não consegue ocupar a principal matriz. Isto porque o modelo de administração que conhecemos é masculino _ explica a professora.