Pelo menos 130 famílias que vivem no loteamento irregular Vila Verde II, próximo ao bairro Planalto, em Caxias do Sul, devem ficar sem ter onde morar neste início de 2018. Por outro lado, os proprietários do terreno vislumbram a recuperação da área, após nove anos de batalha judicial. O Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul decidiu manter a decisão de primeira instância que acatou o pedido de reintegração de posse do terreno de três hectares, o equivalente a três campos de futebol.
De todo o processo, restará o custo social da remoção de cerca de 400 pessoas. Segundo a associação de moradores do loteamento, 70% dos residentes são menores de 16 anos. Correndo contra o tempo, as famílias tentam um acordo com os proprietários para negociar a compra da área ou pleitear uma transferência para outra região, o que envolveria o poder público.
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Os moradores não são precisos quando relembram a data da ocupação, que começou entre 2008 e 2009. Conforme o presidente da associação de moradores, Aparício Ferreira Leal, os primeiros invasores haviam sido retirados de pontos irregulares em loteamentos próximos e se deslocaram para a área que imaginavam estar "livre".
— Surgiu a ideia de que aqui era uma área que não apresentava proprietário e o pessoal foi vindo. Era um parente que avisava outro e fazia uma casinha. O pessoal pagava aluguel, sabe como é — relembra Leal.
O líder comunitário reconhece que a maioria dos moradores sabia sobre a situação da área quando optou por construir uma moradia.
— Meu irmão morava aqui e indicou um espaço disponível. Na época, meu marido estava desempregado. Eu tenho um filho de três anos. Com criança pequena, não tínhamos como pagar aluguel e nos sustentar — conta a agente de atendimento Priscila Fontoura dos Santos, 25 anos, que se mudou para o Vila Verde II há quase três anos.
Ela e o marido, o motorista Jonas Opa, 26, pagavam R$ 450 de aluguel no bairro Cidade Nova, além de outras despesas.
— Foi bem no forte da crise. Eu era metalúrgico, perdi o emprego. Graças a Deus conseguimos sobreviver e hoje já estamos empregados de novo — relata Opa.
As histórias dos moradores são parecidas. No fundo, evidenciam o problema do direito à moradia, agravado pela falta de políticas públicas para o setor.
— Eu não tinha para onde ir, pagava aluguel e fiz uma casa aqui. Foi um colega de trabalho que indicou para mim — revela o carpinteiro Airton José dos Santos, 48, que mora no Vila Verde II há cerca de sete anos com a esposa e quatro filhos.
Para Santos, a decisão foi simplesmente passar de uma situação irregular para outra.
— Eu estava pagando R$ 400 de aluguel, perto do aeroporto. Era invasão também — lembra.
Há mais de um ano, ele e a esposa estão desempregados. Santos sobrevive de bicos e se apoia na esperança de que a situação do loteamento será regularizada eventualmente.
— Sempre achei que não iam tirar nós. Se me tirarem daqui, não temos para onde ir, está complicada a coisa. Espero que nos deixem aqui.
Moradores agora querem audiência pública
Os moradores do Vila Verde II teriam 15 dias para deixar a área voluntariamente a partir da decisão judicial do dia 20 de dezembro do ano passado. O prazo foi interrompido pelo recesso judiciário e voltou a contar desde segunda-feira passada, dia 22 de janeiro. Ou seja, o limite para deixar a propriedade venceria no dia 5 de fevereiro.
Caso a decisão não seja cumprida, os proprietários podem fazer uma nova solicitação, e, em caso de nova recusa, devem solicitar a reintegração de posse, o que culminaria com a retirada dos invasores por um oficial de Justiça, provavelmente com o apoio da Brigada Militar.
Conforme o presidente do bairro, os moradores não contestam a decisão da Justiça, mas pedem que haja um olhar do poder público sobre a situação.
— A propriedade nós perdemos, concordo. Vamos embora, mas para onde? — questiona Aparício Ferreira Leal.
— Não temos onde ir, esse é o nosso medo. Desde o início do processo, a gente já entrou com o intuito de negociar. A gente não vai negar que eles são donos de fato. Mas com certeza eles devem ter casa, apartamento — defende Priscila Fontoura dos Santos, que também integra a associação de moradores.
De acordo com o diretor jurídico da União das Associações de Bairros (UAB) de Caxias, Lucas Diel, que assumiu a defesa dos moradores, além de protocolar um pedido para a prorrogação do prazo de saída, ele pretende sensibilizar o governo municipal com uma audiência pública sobre o tema.
— São pessoas simples, que não têm local para morar. Muitos deles foram vítimas de estelionatários que acabaram vendendo os terrenos, são pessoas de baixa instrução.
Diel afirma que, apesar de o município não ser parte na ação, o poder público tem responsabilidade sobre o problema, já que a expulsão poderia motivar inclusive novas invasões:
— A Justiça faz o papel dela, que é a reintegração. Mas aquelas pessoas saem dali e vão ter que ir para outro lugar. Há uma obrigação social de atendê-las.