Nos últimos tempos, muitos caxienses têm sido surpreendidos, outros nem tanto, com polêmicas em diferentes áreas do serviço público. Na saúde, a proposta de gestão compartilhada no Postão 24 Horas. Na educação, a mudança nos contratos com redução de salários das professoras de escolinhas conveniadas com o município. No trânsito, a judicialização sobre o reajuste da tarifa. Em todas essas áreas, existem Conselhos Municipais, formados com representações governamental e popular, aptos a discutir, sugerir e planejar ações e, alguns, de deliberar sobre temas importantes para a comunidade, além, é claro do principal papel que é o de fiscalizar a prestação de serviços e o emprego de verbas. Mas, será que os conselhos estão cumprindo os papéis para os quais foram formados? E, mesmo que estejam, eles são ouvidos?
Ao todo, Caxias tem 26 conselhos. O número de integrantes varia conforme o colegiado e a gestão também, pode ser de dois ou três anos. O Conselho de Saúde é o único que tem poder de decisão, ou seja, para implementar programas e políticas públicas na área da saúde é preciso a aprovação da maioria dos conselheiros.
Apesar de muitos outros se dizerem deliberativos, na prática, os demais colegiados têm papel consultivo, o que significa dizer que a administração municipal pode ou não acompanhar a opinião dos conselhos. Isso resulta em uma representação aparente sem poder de decisão.
Para a União das Associações de Bairro (UAB), que tem cadeira em todos os conselhos municipais, alguns são ouvidos pela prefeitura, outros não. A entidade também critica a forma como são nomeadas as diretorias. Segundo Walter, a maioria não tem eleição e a composição seria por indicação, o que comprometeria a lisura e transparência do processo. Dos três conselhos mais representativos consultados pelo Pioneiro, dois têm eleições (saúde e educação) e um tem indicação para presidência (trânsito).
– O único conselho que a prefeitura precisa da aprovação é o de saúde. Os outros fazem fiscalização e, dependendo da situação, movimentam a sociedade para fazer pressão sobre o governo. Muitas vezes eles são ouvidos (os conselhos), muitas outras não – declarou o presidente da UAB, Valdir Walter.
Para o doutor em ciências sociais e professor do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), Marcos Paulo Quadros, os conselhos municipais surgiram como uma "forma democrática de a sociedade civil representada poder não apenas aconselhar, mas qualificar as políticas públicas." Ou seja, as necessidades da população seriam ouvidas pela administração por meio dos conselheiros para construção de soluções. O problema, segundo o cientista político, é que essa função foi desvirtuada.
– De fato, eles (os conselhos) não ganharam efetividade. E, com isso, perdem o protagonismo e acabam sendo somente consultivos, num papel simbólico mesmo – ponderou Quadros.
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OS CONSELHOS
Confira a lista dos conselhos municipais de Caxias do Sul. No site do Pioneiro, consta uma descrição sobre as atribuições de cada um deles:
– Alimentação escolar
– Assistência Social
– Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica)
– Comunidade Negra
– Contribuintes
– Cultura
– Defesa do Consumidor
– Defesa do Meio Ambiente
– Defesa e Segurança
– Desenvolvimento Rural
– Desporto
– Direito da Mulher
– Direito da Pessoa com Deficiência
– Direitos Humanos
– Educação
– Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)
– Habitação
– Idoso
– Juventude
– Patrimônio Histórico Municipal
– Planejamento e Gestão Territorial
– Políticas Públicas sobre Drogas
– Saúde
– Segurança Alimentar e Nutricional
– Trânsito e Transporte
– Turismo
Contato é frequente com o Legislativo
Se alguns dos conselhos municipais não tem tanta abertura com o Executivo, a relação com o Legislativo de Caxias parece mais próxima. Pelo menos nos assuntos aos quais a Câmara de Vereadores tem comissões em áreas afins, como a Saúde, a Educação e o Trânsito. Isso não significa que para propor uma lei, os vereadores tenham que consultar os conselhos, mas que os projetos propostos pelos parlamentares podem vir de demandas trazidas pelos conselheiros.
– Os conselhos são autônomos e fiscalizadores. Em geral, o Legislativo é demandado por eles, muito mais por meio das comissões. O Legislativo ouve, escuta, pela harmonia da relação – diz o presidente da Câmara, Felipe Gremelmaier (PMDB).
O Pioneiro ligou diversas vezes para dois números de celular do chefe de Gabinete da prefeitura, Julio Cesar Freitas da Rosa, ontem, mas quem atendia era uma assessora. A reportagem também solicitou entrevista via assessoria de imprensa e encaminhou e-mail ao gestor perguntando como é a relação da administração com os conselhos e se eles são ouvidos. Até o fechamento desta edição, Rosa não retornou aos contatos e não respondeu ao e-mail.
Sem aprovação do conselho, nada é implementado na saúde
A decisão que vai determinar como será o funcionamento da principal porta de entrada em urgências da cidade, o Pronto-Atendimento 24 Horas (Postão), terá de passar, necessariamente, pela análise e votação dos conselheiros municipais da Saúde. São 36 pessoas, entre trabalhadores da área (25%), gestores (25%) e representantes dos usuários (50%) do Sistema Único de Saúde (SUS). Estes últimos, eleitos diretamente nas comunidades das 10 regiões sanitárias do município. Este é um dos poucos conselhos que tem poder de decisão, ou seja, sem a aprovação do colegiado nenhum programa e política pública na saúde pode ser implementado.
– A principal atribuição do conselho é fiscalizadora, mas também trabalha na construção de projetos e planos na área da saúde. No caso do UBS+, deveria ter havido a participação do conselho desde o início, na discussão da ideia e na elaboração do projeto. O gestor não pode decidir sozinho, tem de ouvir os segmentos representados. O prefeito deveria usar o conselho a seu favor, e não tentar passar por cima, como foi o que deu a entender, até então – critica o presidente do conselho, Paulo Cardoso Alves, que representa os usuários do sistema.
Paulo se referiu ao fato de o conselho ter não ter sido chamado para a construção do programa e de ter ficado sabendo da proposta de mudança na gestão do Postão em apresentação feita pela prefeitura no dia 10 de novembro. Depois disso, o conselho foi procurado pela Secretaria de Saúde que pediu urgência na apreciação do programa.
Nos próximos dias, será realizada uma assembleia extraordinária – os encontros do conselho ocorrem, em geral, uma vez ao mês – para discutir o UBS+, que traz como uma das medidas a gestão compartilhada no Postão. A votação deve ficar para outra data.
De acordo com Alves, ao mesmo tempo em que mantém posição contrária à gestão compartilhada, o conselho defende o reforço nas unidades básicas de saúde (UBSs). Por isso, o presidente não arrisca uma opinião sobre qual será o resultado da votação. Antes disso, ele acredita que haverá um trabalho de convencimento por parte da prefeitura junto aos conselheiros, mas que já começará desgastado.
– A maior parte do projeto é excelente, porque trabalha o fortalecimento das UBSs, mas tem 10% que é muito complicado (a gestão compartilhada) – pondera.
Para aprovar o programa UBS+, que inclui a transferência dos profissionais para as unidades básicas e a gestão compartilhada do Postão, é preciso maioria simples na votação do conselho, ou seja, 19 votos favoráveis.
As plenárias são abertas ao público, que também pode manifestar opiniões, e ocorrem no auditório do Núcleo de Educação Permanente em Saúde (Neps), no 5º andar do prédio da Secretaria de Saúde do município, na Rua Marechal Floriano, 421, no Centro.
Pauta do Conselho de Trânsito tem que ir além da tarifa
Entre os conselhos com papel consultivo – em que não é preciso a aprovação do órgão para implementação de propostas – está o Conselho Municipal de Trânsito e Transportes. Apesar de ter muitas atribuições, a atuação do conselho, nos últimos anos, em Caxias do Sul, tem se restringido à avaliação da planilha de custos do transporte coletivo e à votação (a favor ou contra) o reajuste da tarifa urbana. Isso, dito pelo presidente da União das Associações de Bairro (UAB), Valdir Walter, que tem cadeira no conselho, e pelo próprio presidente do colegiado, Cristiano de Abreu Soares, que também é o atual secretário de Trânsito, Transporte e Mobilidade. Mas a atuação pode ir muito além.
O presidente da UAB critica a inoperância do conselho, que, segundo ele, "só se reúne, na época de votar o aumento da passagem." O que, aliás, deve ocorrer no mês que vem (a data ainda não foi definida).
Soares admite o baixo número de reuniões e que muitos assuntos acabam não passando pelo colegiado, mas diz que o conselho também pode, e deve, ser provocado. Ou seja, os conselheiros que, em parte, representam os usuários do sistema de transporte urbano têm de levar as demandas até a diretoria. A partir disso, Soares convocaria reuniões para discutir as questões. Entre elas, poderia figurar, por exemplo, a segurança, já que integram o conselho, além da empresa prestadora do serviço no município, a Visate, representantes dos trabalhadores e dos usuários, a Brigada Militar e a Polícia Civil.
– Ele (conselho) assessora o prefeito na tomada de decisões. O grande foco é a tarifa. Existe a obrigatoriedade de passar pelo conselho, mas a decisão final é do prefeito. Admito que acabamos não tendo tantos encontros quanto poderíamos – diz Soares.
Como é a Secretaria de Trânsito que fiscaliza as concessões do transporte urbano e outros modais, a atribuição do conselho de órgão fiscalizador acaba não ocorrendo. Pontos como a idade média da frota de ônibus, que está acima do contratado, frequência e regularidade das linhas são monitoradas pela secretaria.
– A função do conselho é discutir para onde a cidade vai pensando em trânsito e transporte. A fiscalização cabe à Secretaria de Trânsito – explica o gestor.
Pelo conselho, além da questão da tarifa, deve ser tratada nos próximos meses e, com mais intensidade, em todo o ano de 2018, a licitação para o transporte coletivo. Inclusive, relacionando-a a outros modais.
Medidas como a implantação de biometria facial para identificação de passageiros e do aplicativo google transit (com o qual o usuário monitora o trajeto dos coletivos), por exemplo, foram implementadas sem passarem pelo conselho. Para o presidente, a justificativa está no fato de serem melhorias e que não reverteram em mais custo para o usuário. Ele também argumenta que a análise do conselho está mais atrelada a propostas polêmicas. Um exemplo que será levado à apreciação do colegiado é a proposta de um vereador de mudar o dia do passe livre de domingo para segunda-feira. Outro, é a criação de novas centrais de integração de linhas.
Conselho de Educação não interfere na gestão
Entre os 26 conselhos de Caxias, há aqueles em que as questões de gestão não entram na pauta, como o Conselho Municipal de Educação. Segundo a vice-presidente do colegiado, Rejane Maria Daneluz Raimann, que responde atualmente pelo conselho, a principal atribuição é a de acompanhar a habilitação das escolas e dos profissionais que prestam serviços para o município no âmbito da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Mas, não a de discutir nem a de emitir parecer sobre a forma em que a prestação de serviço se dá ou que os professores são contratados, por exemplo. Situação essa que levou à greve as professoras das escolinhas conveniadas ao município na última segunda-feira.
– Não vejo campo para o conselho atuar. Ele só vê a habilitação dos professores. Não existe intermediação nesse caso – disse Rejane sobre a discussão que envolve a mudança no modelo de convênio com as escolinhas por parte do Executivo e a demissão e recontratação das professoras com redução de salários.
Para Rejane, essa decisão cabe à administração municipal e não está ao alcance do conselho.
– Esse caso deve ter sido discutido na comissão de Educação Infantil, já que há representação das instituições, mas não compete ao conselho garantir a recontratação dos mesmos profissionais, nem a questão salarial. Mas, sim, que seja garantida a qualidade do atendimento nas Emeis (Escolas Municipais de Educação Infantil) – reiterou Rejane.
A comissão a qual a gestora se refere é uma das duas existentes no conselho: a de Educação Infantil e a de Ensino Fundamental, duas modalidades de ensino administradas pelo município, que reúnem um total de 85 escolas municipais e 45 conveniadas em Educação Infantil.
Todas as instituições são fiscalizadas pelo conselho, que autoriza ou não o funcionamento, conforme avaliação de documentos e de licenças – algumas delas, emitidas por outros órgãos da administração, como a Vigilância Sanitária.
Isso porque as escolas têm que renovar os cadastros todos os anos, isso inclui alvarás e documentos dos profissionais. Nesta etapa, sim, após contratação, poderá haver interferência do conselho de educação caso as instituições não estejam habilitadas não poderão firmar convênios com o município.
– A preocupação é proporcionar melhor qualidade. Sempre se pensa no estudante em primeiro lugar, observando questões funcionais para uma educação saudável – considera.
A diretoria do conselho é escolhida por meio de eleições. E as reuniões são semanais, sempre às terças-feiras de tarde na sede do conselho na Casa da Cidadania.