A greve do magistério estadual, deflagrada no dia 5 de setembro para protestar contra o parcelamento de salários determinado pelo governador José Ivo Sartori (PMDB), evidencia uma situação atípica e que causa preocupação antecipada quanto ao planejamento para o próximo ano: o período em que ocorre a paralisação e a falta de perspectiva de fim do movimento, fatores que podem levar ao atraso do término das aulas. Sem concluir o ano letivo, por exemplo, alunos que estão terminando o Ensino Médio podem ter problemas para obter o certificado de conclusão dos estudos, documento necessário para ingressar no Ensino Superior.
Levantamento da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (4ª CRE) em Caxias do Sul aponta que são seis escolas totalmente paralisadas e 30 parcialmente. Para projetar o impacto dos dias sem aula, o Pioneiro calculou como ficaria o cenário de recuperação das aulas, considerando que nesta segunda-feira a greve completa 35 dias.
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Caso as aulas fossem retomadas nesta segunda-feira, dia 9 – o que não deve ocorrer por falta de acordo –, o calendário letivo se encerraria na segunda quinzena de janeiro. Isso se as atividades prosseguissem imediatamente após o término oficial do ano, previsto para 20 de dezembro e se, incluídas aulas nos feriados de Natal e Ano Novo, excluindo-se apenas os domingos. No entanto, caso a greve se estenda por mais um mês – o que é possível, já que os professores não estipulam data para o fim da mobilização –, os alunos correm o risco de avançar os estudos até meados de fevereiro, quando o semestre acadêmico geralmente se inicia na maiorias das instituições de Ensino Superior.
– É muito preocupante. Se agilizarmos a conclusão do calendário pendente, o aproveitamento das aulas será muito baixo, isso se os alunos frequentarem as aulas que ocorrem nas datas festivas, que certamente terão um rendimento nulo. O movimento dos professores é legítimo, mas acontece em momento inadequado – observa a titular da 4ª CRE, Janice Moraes.
Além disso, em médio prazo, o início do próximo ano letivo poderá ser adiado consideravelmente. De acordo com a 4ª CRE, não existe a possibilidade de os calendários de 2017 e 2018 se emendarem pela necessidade de cumprir a quantia mínima de férias dos professores: 40 dias.
– Se eles estivessem em busca de algo possível, pelo menos, mas o pagamento dos salários no últimos dia do mês é inviável, o governo já alertou que é impossível. Se essa vai ser a condição, essa greve nunca vai terminar – pontua Janice.
Enquanto o impasse no pagamento dos salários – motivado, conforme o Estado, pela penúria nas finanças – não se resolve, os prejuízos se acumulam.
Confira a seguir o que pensam estudantes e professores ouvidos pela reportagem.
PROFESSORES ESTÃO ENDIVIDADOS
A angústia vivida pelo funcionalismo público estadual, que desde fevereiro de 2016 tem o salário parcelado, aproxima-se de um enredo cada vez mais dramático. Sem dinheiro, as contas dos servidores têm se acumulado e muitos alegam não ter nem como manter o básico para a sobrevivência, como a alimentação, por exemplo. A tendência é que até dezembro os profissionais permaneçam recebendo a parcela inicial de R$ 350, valor mais baixo pago a partir de agosto deste ano.
— A sociedade me enxerga como uma devedora, caloteira, mas ninguém vê o que tem por trás da dívida. Eu não tenho de onde tirar dinheiro para colocar comida, água, luz dentro de casa. É óbvio que eu preferia estar trabalhando, mas estou em greve para lutar pelos meus direitos e dos meus colegas. A gente nunca trabalhou de forma parcelada, dedicamos anos das nossas vidas, além de dinheiro, para fazermos cursos e, agora, é este reconhecimento que recebemos — desabafa a professora Ivonete Caxambú, 43 anos, que há sete trabalha na rede estadual de ensino de Caxias do Sul.
A angústia vivida pelo funcionalismo público estadual, que desde fevereiro de 2016 tem o salário parcelado, aproxima-se de um enredo cada vez mais dramático. Sem dinheiro, as contas dos servidores têm se acumulado e muitos alegam não ter nem como manter o básico para a sobrevivência, como a alimentação, por exemplo. A tendência é que até dezembro os profissionais com salário superior a R$ 1,5 mil permaneçam recebendo a parcela inicial de R$ 350, valor mais baixo pago desde agosto deste ano.
— A sociedade me enxerga como uma devedora, caloteira, mas ninguém vê o que tem por trás da dívida. Eu não tenho de onde tirar dinheiro para colocar comida, água, luz dentro de casa. É óbvio que eu preferia estar trabalhando, mas estou em greve para lutar pelos meus direitos e dos meus colegas. A gente nunca trabalhou de forma parcelada, dedicamos anos das nossas vidas, além de dinheiro, para fazermos cursos e, agora, é este reconhecimento que recebemos — desabafa a professora Ivonete Caxambú, 43 anos, que há sete trabalha na rede estadual de ensino de Caxias do Sul.
Com a voz embargada ao relatar a sua situação, a docente, que já acumula dívida de quase R$ 6 mil no banco, precisou submeter a família a uma rotina completamente nova. Mãe de dois filhos, Ivonete, não consegue mais fazer rancho no mercado ou ter momentos de lazer:
— Quando fiz minhas formações e os cursos de aperfeiçoamento, nunca pensei que iria passar por uma situação tão constrangedora. Meu sonho sempre foi ser professora e, quando consegui isso, tive um dos dias mais felizes da minha vida. Hoje, convivo com um sentimento de culpa por ver meus filhos tristes. Mas sei que a culpa não é minha.
O drama de Ivonete, que inclusive fez um apelo nas redes sociais para arrecadar dinheiro junto a amigos, assemelha-se à história de tantos outros servidores com o salário parcelado. Contratado desde 2014 e pai de duas crianças pequenas, Fernando Lopes dá aulas de filosofia na Escola Evaristo de Antoni. Ele afirma que sempre teve crédito nos bancos, situação que mudou depois dos parcelamentos de salário.
— Foi aí que começou o caos da minha vida. Foram se acumulando os cheques, meu cartão de crédito se foi, fiz empréstimo para compensar dívidas. É uma situação muito difícil e constrangedora. A vida social começou a se esvair, pois os amigos convidavam para alguma coisa, mas não podíamos ir por falta de dinheiro. Só nós sabemos os apertos após esses parcelamentos. Hoje, não tenho mais crédito, limite no banco, cheque nem dignidade. O governo não nos ampara em nada e nem quer amparar. Quero voltar a dar aula feliz, motivado, sem ficar recebendo ligações de cobradores me ameaçando — afirma.
A professora de matemática Daniela Lopes ainda enfrenta outro revés: faz faculdade e usa o salário para pagar os estudos e o transporte até a instituição de ensino.
— Estou em greve porque não tenho outra fonte de renda. Tenho um filho desempregado, moro com minha filha e ajudo a custear meus dois netos. Não acho justo ter de ir ao banco no final do mês e fazer empréstimo para poder receber meu salário. Não trabalho parcelado. Cumpro meu horário adequadamente e, modestamente, ministro minhas aulas com bastante qualidade e compromisso. No mês em que meu salário foi mais parcelado, não consegui pagar o aluguel e não frequentei a faculdade, excedendo o número de faltas nas disciplinas. Também tive a luz de casa cortada, visto que venceram duas faturas e o salário da minha filha ainda não havia entrado na conta. Estou em greve por princípios, por respeito aos meus filhos, aos meus netos e parentes que também são funcionários públicos estaduais. E, também estou em greve pelos meus alunos e porque tenho esperança de que este país possa melhorar. E só vai melhorar com educação — acredita a professora.
ESTUDANTES TEMEM PELO FUTURO
As consequências da greve do magistério também respingam em muitas famílias gaúchas e de Caxias do Sul. Sem frequentar aulas há mais de um mês, os estudantes relatam ter medo de perder o ano letivo. A preocupação é ainda maior para alunos do Ensino Médio, que daqui um mês devem realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e até agora não aprenderam todo o conteúdo. A prova é a porta de entrada nas universidades, já que os estudantes apostam na graduação para começar uma carreira.
— A gente tenta buscar os conteúdos na internet, fazer exercícios que são oferecidos online e estudar em grupos para tentar recuperar. O problema é quando aparece alguma dúvida e não temos com quem esclarecer. Sempre me dediquei aos estudos, sonhando com uma formação superior. Agora, tenho ficado noites em claro pensando no que fazer para não ficar para trás, mas tenho medo de não conseguir — conta um estudante de 17 anos que frequenta o 3º ano do Ensino Médio do colégio Imigrante e não foi identificado a pedido da família.
Indignado, o pai do rapaz, o comerciante Luis Eduardo Piazza, 53, contesta a paralisação do professores e afirma estar disposto a buscar os direitos dos filhos na Justiça:
— Esta greve já extrapolou os limites de uma briga entre governo e professores. Não são somente meus filhos que estão sem aulas, há incontáveis famílias sofrendo os reflexos desse impasse. Mas uma coisa é certa: eu não vou aceitar que uma questão política prejudique a educação deles. Essa é uma promessa feita entre a minha esposa e eu, antes mesmo de eles nascerem.
Com a formatura do filho já paga, Piazza também relata a preocupação sobre a forma como as aulas serão recuperadas.
— Eu sei o tamanho da dedicação dos meus filhos, mas sei bem como funcionam as recuperações de aulas após uma greve longa. Vira tudo uma bagunça e não há como recuperar a rotina de estudos. Lamento, profundamente, que a situação tenha chegado a este ponto — diz ele, que também é pai de uma menina de 12 anos, aluna do 6º ano do Ensino Fundamental e que também está sem aula.
A indignação de Piazza é compartilhada pelo estudante Marçal Oliveira, 17. O jovem também discorda dos rumos tomados pela greve dos professores, principalmente, por conta do tempo em que a paralisação persiste. Ele acredita que poderia haver outras formas de reivindicar os direitos, acabando com a greve e possibilitando o retorno dos estudos para os alunos. Marçal diz que teria de estar numa sala de aula, recebendo os conteúdos que precisa para prestar o Enem e o vestibular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no próximo ano. Porém, ocupa os dias buscando formas de suprir a carência de conteúdos.
— A greve já se estendeu por muito tempo e isso prejudica os alunos, pois havia uma preparação para o vestibular e o Enem sendo realizada nas escolas. Eu, assim como todos os estudantes, entendo a situação dos professores e a ideologia da greve, mas a situação acaba por desfocar o objetivo dos alunos. Vejo muitos colegas procurando pré-vestibulares, mas não são todos que têm condições de pagar e se veem numa situação que a escola não proporciona o estudo necessário. Terminar o Ensino Médio virou uma utopia — lamenta o estudante do Colégio Henrique Emílio Meyer.
ENEM: Para dificultar ainda mais o ingresso de alunos que estão concluído o ensino médio ao ensino superior, a partir deste ano, o Enem deixou de ser aceito como certificado de cumprimento de Ensino Médio.