Um cenário histórico na Rota do Sol agora é um resto de escombros. Todas as casas que estavam em área invadida às margens da rodovia, no bairro Cidade Industrial, em Caxias do Sul, já foram desmanchadas. É o desfecho da transferência de 189 famílias, que foram retiradas da ocupação irregular. Destas, 174 foram levadas para os novos apartamentos do Residencial Rota Nova, no bairro Matioda, em Caxias, operação concluída na sexta-feira passada (1°).
O condomínio, que faz parte do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, deve atender 420 famílias no total, pois receberá ainda 200 famílias residentes em casebres na beira da estrada, na região do bairro Santa Fé. Assim como o Santa Fé, a invasão no Distrito Industrial era antiga, tinha mais de 20 anos.
O fim da comunidade pobre é um ponto a favor dos programas habitacionais, a exemplo do reassentamento de homens e mulheres que viviam no antigo Valão dos Braga, no Fátima Baixo, endereço que sumiu do mapa com a conclusão de obras viárias e construção de prédios há dois anos.
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Agora, com primeira etapa da remoção do Rota Nova concluída, moradores e prefeitura voltam a atenção para os problemas que surgem em loteamentos populares afastados da área central: o acesso a serviços públicos. Quando o Pioneiro esteve no Rota Nova, no domingo (3), o clima geral era de satisfação. Conforme a euforia e os problemas decorrentes da mudança ficavam para trás, porém, surgiam questionamentos quanto aos atendimentos na área.
José Duarte da Silva relata preocupação com a filha, que não pôde ir à escola na semana durante a mudança.
– Disseram que teria algum ônibus para transportar as crianças, mas não sei. Até agora não temos informação – afirma.
Outros moradores expressaram dúvidas sobre o transporte coletivo e a segurança na região.
De acordo com a prefeitura de Caxias, a adaptação necessária dos serviços públicos está sendo tratada em conjunto pelas secretarias.
Pendências no Rota Nova
:: Transporte escolar
As crianças que se mudaram para o residencial e frequentam a Educação Infantil e Fundamental têm direito ao transporte gratuito para a escola. Conforme Raquel Baldasso, diretora administrativa da Secretaria Municipal da Educação (Smed), a pasta abrirá licitação para contratar uma empresa que preste o serviço para os moradores.
Ela explica que o transporte estará disponível para crianças de quatro e cinco anos que frequentam a Escola de Educação Infantil Nivaldo Kercher; e crianças que frequentam as escolas de Ensino Fundamental Dolaimes Stedile Angeli, Dezenove de Abril, Machado de Assis e Paulo Freire, na zonas Oeste e Norte.
– Os demais alunos que estejam em outras escolas vão poder ser matriculados nestas instituições no ano que vem. Caso os pais optem por outra, não teremos a possibilidade do transporte – explica Raquel.
Para que a pasta possa dimensionar a demanda pelo serviço, o edital só será publicado após a mudança de todas as famílias para o Rota Nova. A diretora administrativa da Smed garante, porém, que o serviço estará disponível em breve.
– Com certeza, será realizado nesse ano – reforça.
Para ter direito ao transporte gratuito, as famílias devem fazer o pedido na Secretaria da Educação portando atestado de escolaridade e certidão de nascimento das crianças, CPF do responsável e comprovante de residência.
:: Segurança
Uma van da Guarda Municipal está estacionada no pátio do residencial. De acordo com o secretário municipal da Habitação, Elisandro Fiuza, o serviço deve continuar até a conclusão da mudança de todos os moradores. Após, ficou acordado que as próprias famílias contratarão uma empresa de vigilância privada.
– Já foi contratado o pessoal de segurança e monitoramento. Os moradores estão bem organizados nesse sentido – aponta.
:: Transporte coletivo
Com a construção do Rota Nova, a Visate expandiu o itinerário da linha do transporte coletivo que atende o loteamento Matioda até uma nova parada na Rua Pedro Dedavid, em frente ao residencial. O ônibus, no entanto, passa pelo local somente quatro vezes por dia em domingos e feriados.
O secretário de Trânsito, Transportes e Mobilidade de Caxias, Cristiano de Abreu Soares, declara que o horário da linha não é definitivo e deve ser alterado conforme a demanda.
– Esse foi o plano inicial. Conforme as coisas forem acontecendo vamos medir a demanda e a frequência horária vai aumentar – garante.
"É outro mundo"
Homens e mulheres que já moram no Rota Nova estão felizes. Afinal, saíram de uma situação precária. Thiago Fogaça da Luz, 30 anos, foi um dos contemplados pelo programa de moradias populares.
– É outro mundo – resume Fogaça sobre sua nova situação.
Ele vivia com a esposa Ketlin e os filhos Vitor, 12 anos, e Isabelle, cinco, em uma casa de madeira sujeita a alagamentos, conforme apurado pelo Pioneiro em julho. Enquanto organizava os pertences da família, a filha Isabelle brincava no chão, empolgada com a nova casa.
– O que eu mais gostei foi a geladeira! – exclama Isabelle.
Fogaça havia comprado os móveis da cozinha quando soube que seria contemplado pelo programa.
– Comprei há um ano e meio e liguei ontem. Os móveis da cozinha também, agora dá para investir em outras coisas – alegra-se.
José Duarte da Silva, 50, é outro morador que conseguiu trocar a casa onde vivia com a esposa Ângela e a filha Simone, 14 anos, por um dos novos apartamentos.
– É uma moradia excelente – comemora Silva, cuja residência anterior corria o risco de desabar.
Quem ficou de fora, apelou a aluguel
Se até a semana passada a vida estava indefinida para pelo menos 14 famílias que viviam na invasão do Cidade Industrial, a situação era diferente na segunda-feira (4). O grupo não se enquadrava nos critérios da Caixa Econômica Federal e não foi contemplado pelo projeto Rota Nova.
Na semana passada, o Pioneiro mostrou os casos de dois homens excluídos do reassentamento por terem famílias muito grandes e que enfrentavam a iminência do despejo. Marcelo Ferreira, 34, residia às margens da estrada com a esposa e cinco filhos. Ele conta que conseguiu alugar uma casa no bairro Cidade Industrial e receberá auxilio da prefeitura por três meses para pagar pelo local.
– É uma casa do tamanho dos apartamentos, com dois quartos – relata.
Neri Gonçalves Oliveira, 44 anos, encontrou a mesma solução.
– Foi no sufoco, não estava conseguindo encontrar lugar nenhum – conta o pai, que mora sozinho com os cinco filhos.
Oliveira e Ferreira receberão o auxílio de um salário mínimo por três meses. Após esse período, eles deverão se mudar para uma casa no loteamento Campos da Serra, na região do São Luiz da 6ª Légua, financiada por meio do Fundo da Casa Popular (Funcap).
– Eles dizem que constroem em três meses. Sinceramente, se tudo der certo, acho melhor até que ir para o apartamento – relata Oliveira.
De acordo com a Secretaria de Habitação, todas as famílias que ficaram de fora do programa Rota Nova foram atendidas.
Projeto de arborização da Rota do Sol
Os escombros às margens da Rota, no Cidade Industrial, darão lugar a muito verde. É o que promete a prefeitura. Conforme o secretário municipal de Habitação Elisandro Fiuza, será aberta uma licitação para a contratação de uma empresa que limpará a área.
– Todo esse processo deve durar de seis a oito meses. Planejamos fazer uma revitalização da área, com o plantio de árvores – explica.
Após o termino da revitalização, o secretário afirma que a responsabilidade de manter o terreno e evitar novas invasões será do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer).
Remoção do Santa Fé já começou
A segunda etapa da remoção de moradores das áreas irregulares na Rota do Sol começou na segunda-feira (4). Cerca de 200 famílias serão transferidas do Santa Fé para o Rota Nova, concluindo a ocupação do condomínio.
O secretário Fiuza diz que o processo deve durar duas semanas.
– São casos mais complicados do que no Cidade Industrial, com casas todas juntas. Tem que fazer um desmanche com segurança, mais manual – aponta.
Fiuza explica que o processo seguirá os passos das mudanças já realizadas, com auxílio dos caminhões da prefeitura e os encaminhamentos necessários para todas as famílias que não se enquadraram nos critérios do Rota Nova para aluguel social ou outros programas habitacionais.