É difícil precisar se é o espírito empreendedor do povo da Serra Gaúcha ou a vocação natural para o turismo que de fato elevam a qualidade de vida da região, mas a fórmula tem dado certo: pelo menos quatro municípios ocupam o topo do ranking geral do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) do Estado, divulgado pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) na última semana.
Pelo quarto ano consecutivo, Carlos Barbosa é a cidade gaúcha número um do Idese e dá exemplo para o resto do Estado como se manter bem nos índices de saúde, educação e renda. A pesquisa mostra que cada barbosense produz, em média, R$ 54 mil/ano, o que resulta em uma renda per capita mensal de R$ 4,5 mil. Ainda que não exista receita mágica, planejamento e parcerias com o setor privado como alternativa para grandes investimentos se mostram eficientes.
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A cidade, embrionada com o funcionamento do trem no século passado - hoje atrativo turístico batizado de Maria Fumaça -, tem 27,5 mil habitantes e pelo menos 725 empresas. Obteve a melhor nota nas áreas de educação e renda, e no quesito saúde, não ficou mal colocada diante dos outros 496 municípios gaúchos. Não há fila de espera para consultas, e o barbosense ainda tem acesso a serviços de psicologia, acupuntura e quiropraxia gratuitamente.
Nas salas de aula de colégios municipais, os alunos aprendem manuseando notebook e materiais didáticos iguais aos aplicados em instituições privadas. O turno integral está sendo implantado, e a merenda é preparada com produtos feitos na colônia. Há trabalho para quem tem vontade, também garantem empresários.
Os resultados despertam um sentimento de pertencimento aos barbosenses - povo de origem italiana e alemã em maioria, com sotaque carregado e que tem renda invejável aos outros cantos do Estado, conforme aponta o Idese.
- Já passamos necessidade por aqui, mas hoje temos mais trabalho, dá pra viver bem. Claro que acordamos às 5h e voltamos para dentro de casa depois das 20h. Mas não troco meu trabalho por nada - conta o agricultor João Marcos Grespan, 57 anos.
Trabalho duro
No lugar da uva e do vinho que emolduram a Serra Gaúcha, Carlos Barbosa aposta na produção de leite. Grespan é um dos 5 mil associados à centenária cooperativa Santa Clara (só do município são 151 famílias produtoras). A família trabalha com a produção de leite no método mecanizado e lida com 75 vacas de raça. Além disso, conta com suporte da prefeitura para trabalhar com a inseminação artificial nos animais.
A rotina do patriarca não destoa da que os demais barbosenses levam: desperta cedo para trabalhar duro. Os filhos fazem faculdade de Zootecnia e Agronomia e uma filha já é formada em Ciências Contábeis. Mesmo assim, nenhum deles pretende deixar a cidade.
Morando a cerca de cinco quilômetros do Centro, na Linha 19, os Grespan mesclam a comodidade de ter escola, hospital e outros serviços perto de casa, sem abrir mão da segurança do interior:
- Não me imagino em outro lugar. Esta é terra do meu bisavô desde 1875, temos até os papéis de quando ele chegou. É a nossa cidade.
Ensino é público, mas parece privado
Imagine a cena em uma sala de aula climatizada: no lugar de lápis, caneta e borracha, está o mouse. Em vez de cadernos, uma tela de 14 polegadas. A professora explica em voz alta, rabisca o quadro e volta a atender individualmente os alunos, que já dominam a tecnologia e vibram com as brincadeiras que um sistema online oferece para aprender matemática.
Pois não se trata de nenhum estabelecimento particular: as facilidades fazem parte da rotina diária em duas salas de aula da Escola Municipal Santa Luzia, distante cerca de 15 quilômetros do centro de Carlos Barbosa.
Além dos notebooks adquiridos pela prefeitura serem usados em todas as disciplinas de manhã e à tarde pelos alunos do quinto e sexto anos, outro importante diferencial tem feito com que as notas das crianças aumentem cerca de 10% ano a ano: por lá, em vez do material oferecido pelo Ministério da Educação, os alunos usam apostilas iguais à de uma rede particular. Além disso, a escola é a primeira do município a funcionar em turno integral. A intenção é estender o recurso a todas as séries, do 1º ao 9º ano, beneficiando todos os 156 alunos.
- No início, os pais preferiam ter as crianças no turno contrário para ajudar na colônia. Mas, depois, perceberam que eles estão aqui para estudar, que não existe recreação no turno integral. É ensino para valer - descreve o secretário de Educação, Paulo César Bellaver.
A merenda oferecida aos 1899 alunos de toda a rede municipal é preparada com produtos colhidos por agricultores da cidade. Na última terça-feira, Henrique Horn, 11 anos, aprendia números primos e compostos no software Aprende Brasil.
- Parece que fica mais fácil e menos cansativo aprender - resume, antes do almoço da última terça-feira, um churrasco caprichado na escola.
No ensino infantil, a cidade também não enfrenta os problemas que a vizinha Caxias do Sul tem de sobra: não há falta de vagas nas nove creches de Carlos Barbosa.
Consultas sem fila de espera
A estratégia de saúde em Carlos Barbosa funciona de maneira diferente da sugerida pelo Ministério da Saúde: não há unidades básicas de saúde (UBS) distribuídas nos bairros, apenas em cinco pontos do interior. Por se tratar de uma cidade pequena, a prefeitura optou por economizar nas estruturas dos postinhos em bairros e investir em projetos que contemplem boa parte da população.
Uma série de serviços foram inaugurados desde 2014 com esta verba, garante a secretária de Saúde, Vera Rejane Prestes dos Santos Martins. O Tratamento da Dor, que oferece terapias como fisioterapia, acupuntura e quiropraxia de forma gratuita é uma das iniciativas que promove qualidade de vida a pacientes com dores crônicas.
Também foi criado o Centro Municipal de Atendimento Psicossocial (Cemaps), que foca em atendimento psicoterapêutico. Homens que desejam realizar exames de rotina focados na prevenção do câncer de próstata não precisam passar por clínico geral ou enfrentar fila de espera: é só se dirigir à clínica do homem, espaço inaugurado no fim do ano passado, que oferece privacidade e conforto.
- Não faz sentido espalharmos unidades básicas de saúde nos bairros que são distante um, dois quilômetros. Carlos Barbosa tem o tamanho da região do bairro Cruzeiro, em Caxias. Não faz sentido ter dezenas de UBSs - compara o prefeito Fernando Xavier da Silva (PDT).
O número de atendimentos é limitado e funciona por meio de teleagendamento.
- Conseguimos montar serviços estratégicos e que são bem aceitos. Pensamos: isso vai ser útil e facilitar a vida do paciente? Se sim, seguimos adiante com a ideia - descreve a secretária de Saúde Vera Martins.
O IDESE NA SERRA GAÚCHA
:: Nova Petrópolis ocupa a primeira colocação do ranking da Educação. O município investe em música, esportes, no ensino de alemão em sala de aula, além do incentivo da pesquisa em sala de aula, que ocorre com parceria com a Universidade de Caxias do Sul (UCS), conforme a coordenadora pedagógica Cristiane Kieling.
:: Bento Gonçalves ficou em primeiro lugar no ranking no quesito cidades com mais de 100 mil habitantes. O prefeito Guilherme Pasin (PP) afirma que este era o posto que o município almejava, já que é difícil equiparar investimentos com municípios menores, do tamanho de Carlos Barbosa, por exemplo. "É o retrato do nosso esforço em investir em saúde e educação. Temos exemplo o funcionamento da UPA, que só funciona por meio dos repasses municipais e também as atividades que oferecemos para 9,4 mil crianças e jovens no contraturno escolar", define Pasin.
:: Nova Pádua é a campeã no ranking saúde. Ainda que a cidade não tenha hospital, segundo o prefeito Itamar Bernardi (PMDB), há convênios firmados com hospital de Flores da Cunha e clínicas particulares da região para que o paciente não enfrente fila de espera para atendimento médico. "Fornecemos atendimento com dermatologista, otorrinolaringologista, dentista, fisioterapia, tudo gratuito, entre outros diferenciais", afirma o prefeito. Há um posto de saúde central.
Videomonitoramento e parceria com a BM
Se há algo a melhorar em Carlos Barbosa, segundo o próprio prefeito Fernando Xavier da Silva admite, é a segurança. Ainda que os números sejam baixos se comparados a municípios maiores, a cidade registrou 35 assaltos durante todo o ano passado e 15 flagrantes de porte de entorpecente. Números que apresentaram crescimento de 20% em relação ao ano anterior.
Entretanto, não houve homicídios em 2015. Para não deixar a criminalidade subir, a prefeitura instaurou a Secretaria de Segurança, Trânsito e Logística, que será responsável por um sistema de videomonitoramento. São 21 câmeras espalhadas pela cidade, monitoradas por cinco servidores municipais.
- Enfrentamos uma burocracia por parte do Estado em reconhecer este serviço, já que é de responsabilidade dele a segurança. Está funcionando em caráter experimental, depende do governo formalizar este convênio - afirma o prefeito.
A prefeitura também paga o aluguel do espaço ocupado pela Brigada Militar e custeia outras despesas da corporação.
O CÁLCULO DO IDESE
:: De acordo com o pesquisador em economia da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Thomas Kang, a metodologia do Idese consiste em analisar indicadores disponíveis nos quesitos saúde, educação e renda. Na saúde, avaliam-se dados do Sistema Único de Saúde (SUS) na área materno-infantil, condições gerais de saúde e longevidade. Na educação, são avaliadas as matrículas na rede de ensino, o nível de escolaridade e as avaliações na Prova Brasil. A renda é uma média do PIB per capita produzido na cidade e a apropriação da renda, ou seja, o valor gerado pelo município e o que fica no município.