É inevitável que a caricatura do colono continue o representando com o tradicional chapéu de palha, roupas surradas e vocabulário incorporado ao dialeto italiano, com o famoso sotacón. Sabe-se que boa parte dos agricultores da Serra Gaúcha não abrem mão mesmo do chapelão e da roupa folgada, propícios para quem lida na roça enfrentando sol, chuva e qualquer intempérie que eventualmente prejudique a brotação do seu sustento. Mas hoje, quando são abertos os portões da 31ª Festa da Uva, 85 anos após a primeira edição, é preciso refletir e perceber os novos horizontes que se enquadram ao novo colono: ele também é um homem estudado, que desvenda tecnologias para melhorar a qualidade da produção e se profissionaliza para atender melhor seu cliente.
São muitas mãos que constroem a safra da uva nas propriedades de Caxias do Sul. Mas quando o trabalho acontece entre mãos amigas, da mesma família, a fruta cresce com outro gostinho: o da tranquilidade. Isso porque agricultores como Itacir Pasqual Boff, 59 anos, de São Martinho da 2ª Légua, não perdem o sono pensando quem irá cuidar do agronegócio quando não tiver mais saúde para isso. Ele conta com o suporte de dois sucessores, os filhos Ismael e Izaías, de 29 e 27 anos. Eles não só ajudam seu Boff e a esposa Adiles, 57, a colher uva nos 12 hectares, mas dão verdadeiras aulas todos os dias aos pais sobre o que aplicar ou não nas videiras, quais os métodos mais eficazes para garantir a sanidade das plantas e o que pode acrescentar qualidade à plantação. É a experiência dos pais somada ao intelecto dos filhos, que já rendeu prêmios de qualidade de safra na Festa da Uva e permitiu viagens técnicas para regiões agrícolas na Argentina e no Chile. Ismael é engenheiro agronômo e Izaías é enológo e cursa especialização em Vitivinicultura.
- Eles sabem muito mais do que eu. Dá gosto de aprender com eles. Além de estudados, participam da liturgia da missa na nossa capela, estão envolvidos com as entidades dos agricultores, lutaram para colocar internet aqui no interior - orgulha-se Seu Boff.
Foi do convívio com os guris, que acenaram desejo de seguir no campo ainda adolescentes, que surgiu a ideia de aderir ao cultivo protegido de videira, chamada informalmente de parreirais cobertos. Neste caso, usa-se cobertura plástica impermeável, que oferece controle de danos por adversidades climáticas e também da maturação das uvas. É investimento alto, já que cada hectare exige pelo menos R$ 50 mil em tela e estrutura, mas que garante um pouco mais de rentabilidade à família.
- É claro que este ano é atípico, mas ganhamos o dobro do valor da uva pela qualidade quando está em parreiral coberto - explica Izaías, que já convence os pais a montar uma vinícola na propriedade no interior de Forqueta.
Nos Perini, o jeito é se reiventar
A família Perini dispensa luxo no ambiente de trabalho, e é só bater um papo para perceber que eles esbanjam sabedoria. Em uma casinha de madeira simples, instalada na beira de uma estrada de chão sinuosa, esposa e filhos de Sérgio, 52, colhiam, separavam e embalavam a uva para venda na tarde da última segunda-feira. Executavam a tarefa repetidamente, sem cerimônia, mesmo com os mais de 30ºC que marcava no meio da tarde. Outro ingrediente misturava-se ao calor e ao esforço: a poeira que levantava a cada carro que usava a estradinha. Enquanto isso, Sérgio chegava "da cidade" com roupa "de festa", bastante arrumado para quem lidaria no campo. Mesmo que o traje fosse aprumado, ele não deixou de conferir o trabalho em ritmo acelerado da família. Sérgio pode tranquilamente resolver os compromissos no centro de Caxias e se ausentar, porque sabe que, ao voltar, encontrará os filhos comprometidos com o negócio agrícola.
- É importante que eles estudem e queiram ficar. Tem sempre algo que a gente aprende com eles. Vão sofrer menos que nós, os colonos mais antigos - projeta Sérgio.
Dois dos três filhos dele optaram passar pelos bancos de faculdade. Marlise, 19, está no quinto semestre de Agronomia pela UCS, e Josué, 20, cursa o quinto semestre de Agronegócio na Faculdade Murialdo. Eles já contribuem diariamente para a colheita dos Perini.
- Gostaríamos de ampliar os negócios, de instalar cobertura nos parreirais, para não trabalhar como hoje, que dependemos exclusivamente do clima - afirma Marlise.
Diante da quebra da safra, que assola famílias que neste ano amargam 65% de perda, os Perini decidiram se reinventar: apostam também na piscicultura e na criação de frutas cítricas.
- O colono precisa se reinventar. Não pode desistir, te que incentivar os mais novos a estudar - aconselha a esposa de Sérgio, Teresinha, 42.