Nada é impossível. Foi assim que Jemerson Hoffmann, o Tequila, 41 anos, descreveu a experiência que passou no último final de semana de janeiro. Corredor, o caxiense se preparou durante oito meses para superar os incríveis 84km da Travessia Torres Tramandaí (TTT), realizada no dia 28.
— Essa TTT ficou para a história. É uma prova duríssima, de longa distância. São 84km, 90% dela sendo realizada na areia. Chegou a fazer 30ºC. Então, a gente faz toda uma preparação antes. Levanta às 4h para ir correr, não almoça no intervalo e vai correr no sol para acostumar com a temperatura — revelou o atleta em entrevista ao Show dos Esportes, da Rádio Gaúcha Serra.
Superar essa distância, ainda mais sob tais condições, já seria um feito e tanto. Contudo, para tornar a história ainda mais inacreditável, Tequila passou por momentos aterrorizantes há um dia da TTT que, mesmo assim, não o impediram de participar da corrida.
SUSTO UM DIA ANTES DA PROVA
No dia anterior à TTT (27 de janeiro), há cerca de 30km de Torres, Tequila teve um acidente de trânsito onde, por pouco, escapou do pior. Na Estrada do Mar, um veículo bateu na traseira de seu carro. Com o impacto, o atleta acabou perdendo o controle do automóvel e desceu um barranco de 50m.
— Passa um filme na cabeça do cara. Eu segurei o volante e pensei: "Não vou puxar de volta porque eu posso capotar.". É uma fração de segundo. Só pensei no meu filho, na minha família e segurei no que deu. O carro desceu uma lomba, desceu outra e, quando foi para a terceira, começou a parar. Parece que tu andou 500km no barranco. Eu estava sozinho. Convidei minha família para ir comigo, mas acabaram não indo de última hora. Por sorte, eles não estavam juntos. Uma coisa de Deus. Quando o carro finalmente parou, olhei em volta e não vi sangue, mas vi meu ombro deslocado para frente. E aí, veio a dor — relatou Tequila.
O DILEMA
Após passar cerca de quatro horas no hospital, realizando exames e recebendo medicação, além de dormir menos de duas horas um dia antes da TTT, era de se esperar que Tequila desistisse de participar da corrida. No entanto, ele decidiu percorrer o trajeto de 84km.
— No hospital, o médico colocou meu ombro no lugar, fiz duas injeções para dor, exames e raio-X. Na hora, pensei: "Estou medicado, a dor vai amenizar. Vou para o hotel, me organizar, passar o recado que estou bem e que, se amanhã eu acordar e conseguir dar meia dúzia de passos, eu vou para a linha de largada.". Mas, na minha cabeça, eu pensava que ia correr. Eu tinha treinado para isso, e não era um tombinho que ia me tirar.
A CORRIDA
Se durante os oito meses de preparação a meta era conquistar uma boa colocação na TTT, Tequila teve de mudar sua estratégia para a competição de última hora. Agora, o objetivo era, inicialmente, analisar se conseguia aguentar a dor e correr com o braço imobilizado para, posteriormente, ir até onde dava.
— Fui um dos primeiros a chegar na linha de largada. Fiz um trote para aquecer, estava com uma tipoia no ombro e decidi correr. Quando dei os primeiros trotes, o ombro começou a doer, mas decidi seguir. Minha estratégia era correr, pelo menos, 15km e, chegando lá, eu colocaria um gelo, passaria um spray e iria ao próximo ponto. Cheguei no primeiro ponto, me senti bem e decidi correr mais 10km. Chegando lá, mesma coisa, decidi ir adiante. E então, decidi me organizar — disse Tequila, que completou:
— Pensei: "A TTT são 84km. Para mim, na minha mente, serão 8,4km. Cada ponto será 1km daqui para frente.". E aí, eu baixei a cabeça e fiz mais 16km. Cheguei no final do percurso e fechei uma maratona (42km). E aí, não dava mais para parar. Se tivesse que chegar só com braço, com uma perna, eu ia.
RETA FINAL
Naturalmente, os quilômetros finais de uma corrida como a TTT são os mais desafiadores. Além do cansaço e do calor, Tequila teve de lidar com a forte dor que sentia no ombro, que o fez pensar em parar. Porém, a motivação recebida de outro corredor fez com que o caxiense conseguisse superar as adversidades.
— Em determinado momento, eu deixei cair o meu envelope de remédio e não vi, e a dor começou a bater forte. Então, passei spray no ombro. Mas, no quilômetro 50, começou a pesar, porque tu sente o calor e a dor pegando. E aí, comecei a pensar se era mesmo necessário passar por aquilo, até que passou por mim um amigo que disse: "Tá todo mundo contigo, Tequila.". Quando ele falou aquilo, eu me motivei ali. E aí, cheguei no final da prova.
A EMOÇÃO NA CHEGADA
Após mais de 10 horas de prova, todo o esforço tinha valido à pena. O impossível aconteceu. Tequila cruzou a linha de chegada. Muito mais do que isso, o atleta conseguiu a façanha de ficar entre os 20 primeiros colocados na sua categoria (40 a 49 anos) e entre os 100 primeiros colocados na classificação geral.
— Quando eu cruzei o pórtico, eu percebi que nada é impossível. Não era para nada dar certo e, mesmo assim, consegui chegar ao final da prova, com pouco mais de 10h. Independente de classificação, de tempo, eu havia chegado. A gente pode o que quiser. Só depende de nós. Ter foco, força, vontade e sua fé. Demorou um pouco para cair a ficha, porque é difícil de acreditar. Depois de tudo, o que eu mais queria era chegar em casa e dar um abraço na minha família. E aí, quando cheguei, eu chorei. Por poder ver meu filho, abraçar ele, minha esposa, e dizer: "Consegui.". Porque o medo na volta é grande depois do susto — comentou Tequila.
PRÓXIMA PARADA: BOSTON
Em meio a tantos resultados positivos, Tequila atingiu o índice necessário para participar da Maratona de Boston, que acontecerá no dia 17 de abril. Agora, o próximo desafio do caxiense é garantir apoio e patrocínio para participar de um dos principais eventos de corrida do mundo.
Aqueles interessados em ajudar, podem entrar em contato com Tequila pelo Whatsapp: (54) 991393489 ou pelo Instagram @tequilatleta
PROJETO SOCIAL
Fora das pistas de corrida, Tequila é engajado em ações sociais. O corredor é idealizador do projeto Natal Solidário, que acontece há mais de 10 anos, inclusive fora do período natalino.
— Durante o ano, a gente tem feito algumas campanhas para arrecadar cestas básicas, para visitar as famílias em vulnerabilidade social e fazer um acompanhamento, se a criança está na escola, como está a evolução dela. Além disso, nós encaminhamos, às vezes, os jovens para empregos, para não ficar apenas no assistencialismo mas, sim, para tentar tirar desse ciclo. Já no Natal em si, a gente faz uma festa para as famílias, onde a gente faz a chegada do Papai Noel, que distribui brinquedos, guloseimas, alimentos para todas as crianças. Promovemos também brinquedos infláveis e atrações artísticas. Um pouquinho de cada um é muito para quem não tem — concluiu Tequila.