Acompanhar uma Copa do Mundo onde ela acontece é, além de tudo, experimentar a cultura do país que a sedia. E isso junto de turistas vindos de todos os continentes. São dezenas de nacionalidades que se encontram para vibrar com o futebol e torcer por seus representantes. E, dessa vez, mais do que nunca, os estrangeiros estão precisando se adaptar aos costumes e regras dos donos da casa.
Apesar de o clima de Copa do Mundo prevalecer no entorno dos estádios, estações de metrô e fan fests, o Mundial de 2022 é diferente. Ocorre no Oriente Médio e, por isso, hábitos ocidentais, como vestir um shorts ou dar um beijo em público, por exemplo, são proibidos no Catar. A cerveja, que para muitos é um verdadeiro ritual antes de jogos de futebol, não pode ser consumida livremente nas ruas. A venda está restrita a hotéis, ao festival oficial da Fifa para a competição e a alguns pontos bem específicos da cidade.
Além disso, demonstrações de afeto são proibidas na maioria dos ambientes. Só está liberada nos mesmo locais em que a bebida alcoólica. O véu, ou a burca, não são obrigatórios para as mulheres de outros países, mas a recomendação é que todos se vistam de “maneira recatada” em público, cobrindo os ombros e com vestidos ou calças até os joelhos. E, ainda, existe a legislação que criminaliza os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.
Para conferir tais diferenças de comportamento e, claro, torcer pelo hexa da Seleção Brasileira do técnico Tite, moradores da Serra ou pessoas que têm alguma ligação com a região viajaram ao Catar. Entre amigos ou com familiares, residentes dos mais diversos pontos do mundo, os viajantes aproveitam a maior competição de futebol do planeta para conferir de perto o quanto diferente pode ser a realidade daqui e de lá.
Mais uma Copa entre amigos
O administrador de empresas Sandro Stedile Angeli e o oftalmologista Fernando Turra Gastaldello, de Caxias do Sul, chegaram a Doha, capital do Catar, no dia 20 de novembro e seguem na cidade até 3 de dezembro. A dupla, que também viajou para a Copa da Rússia, em 2018, e assistiu a alguns jogos na competição disputada no Brasil (2014), acompanhará um total de cinco partidas no Mundial.
Os amigos começaram a planejar a viagem ao Catar logo após a Copa da Rússia. Compraram os ingressos ainda antes do sorteio, e adquiriram as passagens em dezembro do ano passado. Depois disso, passaram a buscar hospedagem, mas como os hotéis estavam cotados a preços muito altos, decidiram ficar em um apartamento locado.
Angeli diz que a cidade parece um “lego”, porque tudo é montado e perfeito. As estradas têm boa sinalização e um grupo expressivo de moradores locais estão disponíveis para a orientação de turistas. De acordo com o administrador, a cidade tem boa iluminação pública e os prédios têm uma bela arquitetura. E isso se reflete também nos estádios da Copa, que são amplos e luxuosos.
— O povo é bem hospitaleiro. Eles recebem de uma forma bem diferente, principalmente quando percebem que tu és brasileiro. Então, a gente sai na rua com a camisa do Brasil, eles querem tirar foto, vibram, dizem que o Brasil vai ser campeão — conta Angeli, que valoriza a experiência de vivenciar a competição internacional:
— Para quem gosta de futebol, e até para quem não gosta, é um evento que vale a pena tentar ir uma vez na vida. O planejamento que o país faz, o que envolve de auxiliares, estrutura, logística, é impressionante.
Mesquistas e cultura
As mesquitas, locais de oração no Catar, que tem população predominantemente islâmica, chamam a atenção pela beleza. Para quem é visitante, como é o caso de Sandro, outro ponto que mereceu ser citado foi o fato de ele ter visto poucas mulheres de burca na rua. Há 10 anos em Doha, a caxiense Priscila Rech acredita que isso se deva a discrição e a uma escolha pessoal de quem prefere não se expôr.
— Uma amiga catari me disse que não ia sair durante a Copa. Até porque não se pode tirar foto de um árabe sem a sua permissão. Então, para evitar delas serem fotografadas, acabam não saindo de casa pra evitar situações constrangedoras. As famílias são muito conservadoras, elas nunca deixariam de usar a burca — contou Priscila.
As roupas, aliás, são o primeiro indicativo de estar em um país de cultura tão diversa à nossa. E ainda que estrangeiros não sejam obrigados a usar as vestimentas típicas do país, que cobrem ombros, braços e pernas, o código de vestimenta acabou se tornando um costume de quem adotou o Catar como país para viver.
— Não podemos sair com saias muito curtas e decotes. Hoje em dia, me sinto estranha usando esse tipo de roupa quando venho ao Brasil, porque nos acostumamos. Agora, por conta da Copa do Mundo, dá para ver bastante gente de shortinho. Não complicam porque sabem que é difícil de controlar, mas acredito que depois do evento tudo volte ao normal — disse Priscila.
Caminho contrário
"Durante cinco anos, a cidade parecia que estava sendo construída de novo".
O relato da moradora de Doha, Priscila Rech dá uma ideia de como o Catar se renovou para a Copa e não apenas em estrutura para receber os Jogos, mas também como forma de ilustrar nas construções a riqueza e cultura do país que tem no petróleo sua maior engrenagem econômica.
— As ruas são enormes, têm cinco faixas cada uma, são autoestradas em meio à cidade, tudo é muito grande. A cidade é muito bem planejada — contou.
Junto do marido, capitão da empresa aérea Qatar Airways, Priscila se transferiu para o mundo árabe em 2012, e é por lá que cria as filhas de nove e sete anos. As meninas nasceram em Caxias, mas antes dos três meses já moravam em Doha, o que nas palavras da mãe "faz com que sejam mais cataris do que brasileiras".
As obras que fecharam ruas por meses e os eventos-testes já acompanhados de perto pela família, motivaram a decisão de tirar férias na época em que o maior evento futebolístico do planeta ocorre ao lado de casa. Já no Brasil há alguns dias, a família Rech aproveitará as festas de fim de ano ao lado dos familiares de Caxias e só retorna ao Catar quando a Copa terminar.
— Foi tudo junto, construção de hotéis, prédios e casas para os operários, era uma confusão. Algumas épocas foram bem complicadas. Fechava uma rua, abria outra. Vimos a abertura, os shows e jogos testes. Fugi da Copa, é muita bagunça — brinca Priscila.
E, no retorno, Priscila encontrará um país que buscou solucionar até a sensação de calor extremo causada pela incidência solar. Não foram apenas os estádios a ganhar ar condicionado, mas ruas e pistas de caminhadas desenvolvidas para o esporte ao ar livre em cidades que facilmente registram temperaturas acima dos 40ºC.
— O calor afasta as pessoas de sair, é muito, muito quente e os passeios acabam sendo dentro de shoppings ou agora nos parques construídos para a Copa que são refrigerados. Há um parque onde a pista de caminhada toda tem ar condicionado — contou.
Uma viagem de pai e filho
O empresário Robert Welter estava na Espanha no dia 12 de novembro quando decidiu convidar o pai, Idelmar Welter, que estava em Canela, para uma viagem. Em dois continentes diferentes, eles partiriam nos dias seguintes para um terceiro, a Ásia. Essa é a primeira viagem que pai e filho fazem em dupla, sem a companhia de outros familiares. Estão juntos em Doha, no Catar, desde o dia 21 e permanecerão por lá até o próximo dia 4 de dezembro, para assistir a alguns jogos da Copa do Mundo.
Na primeira semana, foram seis partidas, incluindo a vitória do Brasil sobre a Sérvia na estreia. Robert destaca que o ponto alto do Mundial é justamente a possibilidade de tomar decisões de ver as partidas no mesmo dia dos jogos:
— Uma coisa que é muito boa é que todos os estádios da Copa são na mesma cidade. Então, você pode escolher em qual jogo quer ir durante o dia da partida. É uma coisa que nunca aconteceu em outras Copas do Mundo, porque sempre as Seleções ficam em várias cidades diferentes e os jogos são longe uns dos outros. E sem falar na vibe, na energia que tem. A Copa do Mundo é algo impressionante.
A Copa está ainda na primeira fase, mas Robert já planeja participar de outras. O clima que envolve o evento é indescritível, segundo ele. Além disso, o empresário pontua que o Catar é um país muito organizado, com planejamento para fazer com que a mobilidade flua mesmo após os jogos. A expectativa dele é de que a Seleção Brasileira faça jus à fama de sempre favorita ao título.
— Eu espero, no mínimo, que chegue em uma semifinal. Depois disso, claro que a gente tem uma esperança de ser campeão. Como eu estou há alguns dias fora do Brasil, desde antes da Copa do Mundo, todos os lugares que fui todo mundo falava que o Brasil é favorito à Copa do Mundo. Então, não somos só nós que estamos falando e com a esperança do título.
Uma Copa “do lado” de casa
Caxiense, o consultor de vendas Maichel Mensch mora em Dubai, nos Emirados Árabes, há 20 anos e, dessa vez, vai poder assistir aos jogos da Copa do Mundo praticamente “do lado” de casa. O voo até o Catar tem duração de cerca de uma hora e há disponibilidade de fazer a viagem a cada meia hora. No primeiro deslocamento, para assistir ao Brasil na quinta-feira (24), ele encontrou o capitão do tetra, o ex-jogador Dunga.
Essa proximidade entre a residência dele e a sede da Copa também garantiu que o funcionário da Marcopolo visse a transformação da sede do Mundial para o evento. Ele diz que as principais mudanças foram em termos de infraestrutura, com a construção de estradas e melhorias no sistema de transporte público, além da construção dos estádios.
Mensch, inclusive, já ficou hospedado no hotel em que a Seleção Brasileira está e conta que se trata de um estabelecimento bem central e comum para os padrões da região.
— Pelo fato da Copa ser próxima de onde eu moro e por ter conseguido os ingressos para acompanhar todos os jogos, acompanhei mais a Seleção do que em outras Copas. Por exemplo, a da Rússia, me limitei a assistir aos jogos e ficava sabendo pelos meios de comunicação como estava a preparação. Agora, não. De fato, eu fui atrás.
Mensch conseguiu ingressos para todos os jogos do Brasil no Mundial. O primeiro, assistiu com a família — a esposa Camila Antunes e os filhos Eric e Sophia Mensch. Todos estarão também no terceiro jogo da Seleção, diante de Camarões. Nos demais, ele irá sozinho ou acompanhado de amigos.
— Tem aquele clima extremamente amistoso. É bem legal. É muito gratificante ver esse monte de cultura misturada — salienta.