Naturais de Parwan, no Afeganistão, os irmãos Mohamed Rahemi, 33 anos e Mohammadullah Ahmadi, 20, ficarão no Brasil. Eles vieram para Caxias do Sul disputar os 100 metros rasos do Atletismo nas Surdolimpíadas, e agora técnico e atleta não desejam, não podem e não retornarão ao país hoje governado pelo Talibã.
Levados pelo comitê organizador das Surdolimpíadas e receosos de estarem em condição ilegal no Brasil, os afegãos foram recebidos na tarde desta segunda-feira (16) pelo Centro de Acolhimento ao Migrante (CAM), que garantiu a permanência legal, e o auxílio na burocracia existente para a solicitação de refugio junto à Polícia Federal.
As expressões de ambos já demonstravam o medo e a incerteza de retornar ao país do Oriente Médio. Auxiliado pelo intérprete de Sinais Internacionais, Andrei da Silva Borges, Rahemi, que é presidente da Federação de Desporto Surdo do Afeganistão listou os motivos pelos quais não poderia voltar ao país e emocionou a intérprete Aline Cardoso, que fazia a ponte entre surdos e ouvintes.
— Não queremos voltar, nossa vida é muito difícil lá, temos problemas de morte e guerra. Nossa família é grande, todos faziam esportes e a maioria conseguiu sair. Quero tentar fazer a vida aqui, ter um futuro melhor, talvez se um dia terminar a guerra eu volte, mas se continuar assim não quero voltar. No Afeganistão está diminuindo o número de pessoas, e a comunicação está muito difícil, não nos deixam usar a internet — relatou.
A todo momento, Rahemi apontava para a bandeira afegã estampada no uniforme do irmão mais novo. Preta, vermelha e verde, as cores distribuídas verticalmente não são mais usadas pelo atual governo que agora adota a bandeira do Talibã como estandarte oficial. Impresso na credencial dos afegãos durante a Surdolimpíada, o novo símbolo, branco com dizeres em árabe, exalta o Islamismo com a frase "Não há outra divindade além de Deus, e Muhammad é o mensageiro de Deus".
O significado é diferente para Rahemi, que perdeu o pai no conflito e vê na atual bandeira a representação de um território impossível de morar.
— Cada dia a gente sabe de uma nova pessoa que morreu. São muitas bombas, perdi muitos amigos com essa história de bombas e guerra — declarou.
Com o fim das Surdolimpíadas, os irmãos foram acolhidos no Centro Diocesano de Formação Pastoral, no bairro Colina Sorriso, onde também está hospedada a delegação do Gabão, que deve retornar ao país africano na próxima quarta-feira (18).
Os irmãos afegãos agora passarão pela análise do governo brasileiro para serem reconhecidos como refugiados e terem seus direitos assegurados. A primeira etapa foi realizada no CAM, com o preenchimento de um documento padrão a ser oficializado na Polícia Federal.
— A partir do momento que ele solicita refúgio, ele está regulado ao território nacional, ele tem direito a trabalhar, por exemplo. O protocolo é uma carteira de identidade válida como se ele estivesse temporário ou mesmo definitivo no Brasil — explicou o advogado Adriano Pistorello, que auxilia nos pedidos que chegam ao CAM e explicou a situação aos irmãos.
Responsável por encaminhar os vistos dos atletas antes do início dos Jogos, a coordenadora de Relações Internacionais do Comitê Organizador das Surdolimpíadas, Jussânia Dinani já esperava que alguma situação como essa poderia surgir ao fim do evento e confirma que irá acompanhar os desdobramentos do caso:
—Nessa situação de pedido de ajuda no início pensávamos muito no pessoal da Ucrânia, o que até o momento não aconteceu. O comitê está fazendo todo o esforço pra colocar a documentação em ordem e estaremos ajudando de outras formas com acomodação e alimentação.